resep nasi kuning resep ayam bakar resep puding coklat resep nasi goreng resep kue nastar resep bolu kukus resep puding brownies resep brownies kukus resep kue lapis resep opor ayam bumbu sate kue bolu cara membuat bakso cara membuat es krim resep rendang resep pancake resep ayam goreng resep ikan bakar cara membuat risoles
Perfil - Barão de Itararé

2013 . Ano 10 . Edição 76 - 25/02/2013

Gilberto Maringoni - de São Paulo

Barão de Itararé

rd76sec02img01


O nobre plebeu

História e glória do Barão de Itararé, o Brando, senhor feudal de Bangu-sur-Mer, o homem que provou ser possível combinar humor, criatividade e contundência política, sem perder a ternura

Itararé não é um ramo; não é um broto que rebentou no caule; não é um parasita que se enrosca e que suga a seiva de uma venerável planta. Itararé é tronco e raiz de uma nova e benemérica árvore genealógica, que dará sombra e frutos a muitas gerações". Assim, Armando Embrulhos, professor honoriscausa pela Universidade de Boogie Woogie, um dos inúmeros heterônimos de Apparício Torelly, aliás Apporelly, aliás Barão de Itararé, iniciava um vasto penegírico com ares de autobiografia nas páginas iniciais de uma publicação intitulada Almanhaque para 1949.

O Barão de Itararé – “grande herói que a Pátria chora em vida e há de sorrir incrédula quando o souber morto” – foi homem de sul do Estado, se desenhava como o palco da dirigir o jornal”, respondeu. múltiplos talentos. Humorista, comunista, político e intelectual, o ilustre fidalgo fez troca dos poderes de plantão por mais de trinta anos, entre as décadas de 1920-50.

Apparício nasceu em 29 de janeiro de 1895, no Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o Uruguai. A imprecisão do local tem sua razão de ser. Ele prórpio conta: "Minha mãe queria ter o parto na fazenda do meu avô", em Pueblo Vergara, no país vizinho. Ela e o marido saíram da cidade de Rio Grande, de barco, até Artigas. "De lá até a fazenda viajavam de diligência. No meio do caminho, uma das rodas se partiu e houve um tremendo choque. Com todo aquele barulho e movimento, nada mais natural que eu me apressasse a sair, para ver o que se passava".

O Barão, com título e tudo, só viria à luz um ano depois da Revalução de 1930. O nome foi dado em homenagem a um dos episódios mais dramáticos dos conflitos entre as tropas legalistas, de Washington Luís, e as forças leais a Getulio Vargas, que subiam do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro. A cidadezinha paulista de Itararé, no sul do Estado, se desenhava como o palco da mais sangrenta batalha na disputa pelo poder. Rota natural para a capital federal, todas as suas casas foram evacuadas e tomadas pelas tropas da Força Pública paulista, no início de outubro de 1930.

Os batalhões rebeldes, liderados pelo ex-comandante da Coluna Prestes, Miguel Costa, com maior efetivo, cercaram o lugar por mais de duas semanas, à espera do melhor momento pra atacar. No dia marcado para o confornto, chega a notícia de que Washington Luís fora deposto. A batalha de Itararé jamais aconteceria.

Pacifista e acompanhando a situação com humor, Apparício aproveitou para se autoconceder o título de Duque de Itararé, logo rebaixado para Barão, "como prova de modéstia".

NA CIDADE GRANDE Voltemos alguns anos. Ao chegar ao Rio, em 1925, Apparício procurou emprego em O Globo, "E o que você sabe fazer?", perguntou-lhe Irineu Marinho, dono da empresa. "Tudo, desde ser contínuo, até dirigir o jornal", respondeu.

O jovem Apparício havia abandonado havia pouco seus estudos de medicina, na capital gaúcha, onde já se dedicava ao jornalismo. Para sua supresa, é admitido em O Globo no qual assina crônica por alguns meses, como Apporelly.

Depois de passar por A Manhã, de Mario Rodrigues, o rapaz junta dinheiro para lançar seu próprio jornal, em 13 de maio de 1926. O nome era A Manhã, óbvia gozação com o diário do pai do dramaturgo Nelson Rodrigues. Sob o dístico "quem não chora não mama", o Barão fez uma verdadeira revolução no jornalismo de humor, superando as já gastas fórmulas das revistas. O Malho, Caretas e Fon-fon, lançadas na primeira década do século.

Enquanto as três praticavam um gênero de sátira política e de costumes bastante comportado – apesar de contarem com a colaboração de caricaturistas geniais, como J. Carlos, Raul Pederneiras e K. Lixto Cordeiro – Apporelly voltava-se contra o lado conservador da sociedade. Demolindo falsos mitos, tripudiando sobre a pompa de fraque e casaca do mundo político, o futuro fidalgo praticou um gênero de humor que buscava laços com quem estava por baixo na sociedade.

A Manhã, tablóide que alcançava quase todo o país, torna-se um sucesso editorial, num tempo em que não existiam pesquisas de opinião, estratégias de marketing ou verificação de circulação. Era “o único quinta-feirino que sai às sextas”, alardeava seu editor, fazendo troça das dificuldades de produzir praticamente sozinho o jornal inteiro. Graficamente, além de apresentar desenhos de Nássara, Mendez e Martiniano, A Manhã publicava colagens e fotos retocadas de políticos e personalidades, numa molecagem editorial que os expunha ao ridículo a cada edição.

ABSURDO EDITORIAL As notícias primavam pelo absurdo. “A Manhã propõe a regularização dos horários dos desastres da Central do Brasil”, “Foi admitido nos quadros de redatores desta folha o simpático senador Lauro Müller, general de divisão e profundo conhecedor das outras três operações de guerra – adição, multiplicação e subtração” e “O dia é hoje consagrado a Tiradentes, uma das grandes vítimas da política mineira” são exemplos de que os disparos verbais de seu editor quase não tinham limites.

Na edição de 5 de julho de 1930, ao comentar o manifesto de Luís Carlos Prestes aderindo ao comunismo, A Manhã assegurava que “as teorias explanadas pelo chefe revolucionário estão muito aquém das idéias vigorosas e radicais predicadas e praticadas pelo talentoso homem de letras que está à frente desta empresa”. O jornal classificava de “ridícula, simplesmente ridícula, a parte do manifesto que reivindicava a redução da jornada de trabalho para oito horas, perguntando “por que não pleiteia, como nosso chefe, a abolição completa do trabalho?”

A irreverência do Barão levou-o inúmeras vezes à cadeia, após a chegada de Getulio Vargas ao poder. A primeira delas se deu em 2 de setembro de 1932 e durou apenas um dia. Mas inauguraria uma série de agressões que se repetiria pelos anos seguintes.

Se ainda não era um homem claramente de esquerda, o Barão, por essa época, já exibia sua forte ojeriza ao integralismo, versão nacional do fascismo que se espalhava pela Europa.

Em outubro de 1934, o editor d’A Manhã partia para uma nova empreitada. Juntamente com Aníbal Machado, Pedro Mota Lima e Osvaldo Costa, lançava o Jornal do Povo. As tensões políticas se acentuavam. Em São Paulo, no dia 7, integralistas e comunistas haviam se enfrentado numa batalha campal na Praça da Sé. Quatro dias depois, vários militantes aqui radicados há anos, são expulsos do país. No meio desse torvelinho, o novo diário sobrevive por dez dias. A publicação de uma série sobre a Revolta da Chibata (1910), dos marinheiros no Rio de Janeiro, foi o que bastou para o Barão ser sequestrado e espancado por seis oficiais da Marinha. Após cuidar dos ferimentos, ele volta para A Manhã. Coloca na porta a seguinte tabuleta: “Entre sem bater”.

ADESÃO AO COMUNISMO Cada vez mais simpático ao partido Comunista do Brasil (PCB), o “talentoso homem de letras” é preso novamente em dezembro de 1935. Agora a repressão é dura: são encarcerados também centenas de militantes e simpatizantes da agremiação, como o escritor Graciliano Ramos, a cronista Eneida Morais e o jornalista Moacir Werneck de Castro, além de Luís Carlos Prestes, sua esposa Olga Benario e boa parte da cúpula do partido.

O Barão foi interrogado pelo juiz Castro Nunes, da Vara Federal, na Polícia Central, que perguntou-lhe a que atribuía sua prisão.

- Tenho pensado muito, excelência, e só posso atribuí-la ao cafezinho.
- Ao cafezinho?
- Vou explicar, excelência. Eu estava sentado num bar, na avenida Rio Branco, tomando meu oitavo cafezinho e pensando em minha mãe, que sempre me advertia contra o consumo excessivo do café. Nesse momento chegaram os policiais e me deram voz de prisão... Só pode ter sido isso, por eu ter desobedecido os conselhos de mamãe.

Apesar do humor, a situação era séria. Vários presos foram barbaramente torturados. Olga Benario seria entregue aos nazistas. Graciliano recorda-se do Barão em numerosas passagens de seu Memórias do cárcere como um companheiro afável e bem humorado. A Manhã, por motivos evidentes, deixa de circular. Por um ano seu editor permanece encarcerado, sem culpa formal.

LIVRE NOVAMENTE Quando volta às ruas, percebe que os tempos eram difíceis. No plano pessoal, Itararé havia perdido sua esposa, pouco antes da prisão, vítima de câncer. No mundo à sua volta, avançava o nazi-fascismo na Europa e o regime lançava as bases para um endurecimento. Mesmo assim, tentou relançar A Manhã, que circulou precariamente em 1937. As condições políticas não ajudavam. Tentando sobreviver, manteve uma crônica regular no Diário de Notícias por seis anos.

Algo mudara radicalmente no Barão, desde que saíra da cadeia. Era sua aparência. Agora exibia uma vasta barba, precocemente grisalha, o que lhe dava ainda mais aparência de um barão dos tempos da monarquia. Sua figura fica ainda mais popular.

Em abril de 1945, A Manhã é relançada. Aproveitando-se do clima de mobilizações populares pelo fim do regime ditatorial, contando com a sociedade de Arnon de Mello (pai de Fernando Collor de Mello) e a colaboração de intelectuais como José Lins do Rego, Marques Rebelo, Rubem Braga, Raymundo Magalhães Júnior e outros, o sucesso é maior que na fase anterior. Mas quem escrevia e editava a maior parte das matérias, além de fazer a direção de arte, era mesmo o nobre personagem.

Suas posições políticas, por esse tempo, o aproximam bastante das do PCB. Depois de participar ativamente da campanha presidencial do candidato comunista Yedo Fiúza, em dezembro de 1945, o Barão candidata-se a vereador pelo Distrito Federal. Na ocasião, duas denúncias inquietavam a população: a constante falta d´água e as adulterações no leite. O slogan da campanha não poderia ser mais certeiro: “Mais água, mais leite, mas menos água no leite”. Ainda candidato, seu primeiro ato foi promover seus cabos eleitorais a sargentos. É eleito com relativa folga.

VEREADOR CASSADO Na Câmara Municipal, o Barão caracteriza-se como um parlamentar combativo e espirituoso na defesa dos interesses da população pobre. Divide seu tempo entre o legislativo e a direção d´A Manhã, o que significa uma jornada exaustiva. Mas sua carreira parlamentar dura pouco tempo. Influenciado pelos ventos da Guerra Fria, o Tribunal Superior Eleitoral suspende o registro do PCB, em maio de 1947. Sete meses depois, todos os parlamentares do partido são cassados, incluindo Itararé.

Nesse meio tempo, apesar da grande aceitação popular, seu jornal não ia bem das pernas. Sem capital e estrutura empresarial para garantir sua regularidade, A Manhã é novamente suspensa, em 1948. Mas o último nobre da República não desiste e logo vem com mais uma novidade.

Chama seu antigo colaborador, o artista gráfico paraguaio Andres Guevara, para lançar o primeiro de seus Almanhaques, em 1949. Aproveitando o sucesso que faziam os almanaques populares, com dicas, conselhos e curiosidades astrológicas, o Barão acrescentava na fórmula seu humor anárquico. Essa edição traz logo na abertura uma biografia da impoluta personalidade, cuja “vida pública é uma continuidade da privada”.

O que era para ser uma publicação semestral só voltou a circular por duas vezes, em 1955. Aos 60 anos, cansado, o Barão colabora por algum tempo na Última Hora, de Samuel Wainer. Quando vem o golpe de 1964, com a volta da repressão, cassações e prisões, Apparício vê repetir-se um filme que já conhecia. “Esse mundo é redondo”, dizia ele, “mas está ficando chato”.

Nos últimos anos, Itararé torna-se um recluso, em seu apartamento carioca, no bairro de Laranjeiras. Lê vorazmente e estuda matemática, biologia e eletrônica, paixões desde a juventude. Cercado de livros, vivia também rodeado de 24 baratas, tratadas por ele como “companheiras”, por terem exercido tarefas importantes nos tempos de cadeia, levando amarrados nas costas papeizinhos com mensagens para seus colegas de cárcere.

Com a saúde abalada e só, Apparício Torelly morre em casa, aos 76 anos, em 27 de novembro de 1971.

Seu trabalho, embora esquecido por vastas parcelas do público, representa a chegada do Modernismo ao humor impresso. O Barão de Itararé distanciou-se do diletantismo parnasiano e adquiriu características mundanas, na luta pelas liberdades e por um mundo menos cínico.

Foi lançada recentemente uma bela biografia do personagem. Trata-se de Entre Sem Bater – A vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé, de Claudio Figueiredo.