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Economia brasileira de plataformas
A eclosão de empresas nacionais controladoras de plataformas digitais
Publicado em 22/01/2024 - Última modificação em 29/04/2024 às 17h45
Victo José da Silva Neto[1], Tulio Chiarini[2], Leonardo Costa Ribeiro[3]
Trecho do capítulo 2 do Livro “Digitalização e Tecnologias da Informação e Comunicação: Oportunidades e Desafios para o Brasil", com lançamento previsto para o dia 25 de janeiro, ao vivo no Youtube.
A literatura acadêmica internacional tem abordado as transformações nos sistemaseconômicos e sociais causadas pelas novas tecnologias digitais (Davies et al.,2017). Conceitos como “economia de plataforma” (Kenney e Zysman, 2016),“sociedade de plataforma” (Van Dijck, Poell e Waal, 2018), “capitalismo de plataforma”(Srnicek, 2017) e “capitalismo de vigilância” (Zuboff, 2019), embora apresentemdiferentes nuances, destacam o papel desempenhado pelas grandes empresas pri-vadas de tecnologia e chamam atenção para a “revolução” (Parker, Van Alstyne eChoudary, 2016) provocada pelas plataformas.
Evidências empíricas mostram que as arquiteturas tecnológicas e as escolhasde governança das plataformas não são neutras, afetando o funcionamento tanto dasdemocracias quanto dos mercados (Van Dijck, Poell e Waal, 2018). Ao coordenare gerir mercados, as empresas de plataforma (empresas que controlam plataformasdigitais) se tornam um ponto privilegiado de atrito, capaz de se apropriaremde parte do valor transacionado nesses mercados (Teece, 2018). Portanto, terempresas de plataforma de sucesso em um território significa que elas provavelmentese tornarão um ponto gravitacional para a acumulação de capital. Isso se relaciona ao alerta de Arbache e Sousa (2019) de que participar de plataformas digitais como fornecedores ou consumidores confere apenas ganhos de primeiro grau, en- quanto o controle de plataformas digitais proporciona ganhos de segundo grau. Essa capacidade de apropriação de valor tem levado algumas das principais empresas de plataforma a desenvolverem os seus próprios fundos corporativos de capital de risco (venture capital), tornando-se também dínamos de inovação e fontes de dinamismo econômico.
As empresas de plataforma investem boa parte de seu orçamento em atividadesde pesquisa e desenvolvimento (P&D) (Dolata e Schrape, 2022) em um momentohistórico em que muitas empresas tradicionais da era industrial caminhampara a financeirização em detrimento dos investimentos em P&D (Lazonick,2007; Mazzucato, 2016). As empresas de plataforma produzem novas tecnologiase inovam por seu posicionamento privilegiado: ao comandarem fluxos de dadosque passam por suas plataformas (Van Dijck, 2020), possuem aparato técnico eorganizacional para estar na vanguarda da inovação digital (Nambisan, Wrighte Feldman, 2019). As empresas de plataforma geram novos modelos de inteli-gência artificial, pois possuem bancos de dados proprietários gigantescos para seutreinamento. Também fornecem feedback aos seus modelos de negócios sobre osinsights gerados por esses mesmos dados, gerando um ciclo virtuoso de crescimentoe dominação do mercado (Rikap e Lundvall, 2020; 2021). Além disso, por fim,as empresas de plataforma moldam e transformam os comportamentos sociais (Zuboff, 2019).
Dito isso, é surpreendente que a literatura que busca coletar dados sobre apopulação de empresas de plataforma em uma determinada região seja escassa.Segundo Riso (2019), o único documento que buscou mapear geográfica esetorialmente a distribuição da economia das plataformas digitais foi Evanse Gawer (2016). Os autores contaram com conselhos de especialistas e pesquisas nobanco de dados Quid para encontrar a população global de plataformas digitais.No entanto, eles restringiram a busca àquelas empresas cujo valor de mercado éde pelo menos US$ 1 bilhão. Foram identificadas 176 empresas de plataforma,das quais 82 estavam na Ásia e 64 na América do Norte. Vinte e sete delas erambaseadas na Europa, duas na América do Sul (uma no Brasil e uma na Argentina)e uma na África (África do Sul). Em termos de valor de mercado, a concentraçãose mantém e inclina-se para a América do Norte: 72% do valor de mercado daamostra pertenciam a plataformas estadunidenses e 22% a asiáticas.
Groen et al. (2021) produziram recentemente um censo das plataformas digitais que operam na União Europeia. Com foco exclusivo em plataformas que intermedeiam algum tipo de trabalho, os autores identificam 593 plataformas digitais (gig work platform). Além disso, com foco exclusivo na União Europeia, Friederici, Reischauer e Lehdonvirta (2022) mapearam quatro setores específicos: e-commerce, entrega de alimentos (food delivery), saúde e redes sociais. Finalmente, Kässi, Lehdonvirta e Stephany (2021) mapearam 351 plataformas de trabalho ao redor do mundo em um esforço para calcular quantos trabalhadores online existem na economia de plataforma.
O pequeno número de plataformas e a extrema concentração geográfica identificadas por Evans e Gawer (2016) contrastam com a afirmação proposta por Cusumano, Gawer e Yoffie (2019) de que a década de 2010-2020 testemunhou uma fase de platformania, na qual as plataformas digitais se multiplicaram a ponto de se tornarem um modelo organizacional padrão Gawer (2021).
Buscando elucidar essa aparente contradição, Silva, Chiarini e Ribeiro (2022) realizaram um novo mapeamento de plataforma em nível global. Usando técnicas de processamento de linguagem natural, os autores identificaram mais de 3 mil empresas de plataforma em todo o mundo, a partir de dados da Orbis. Apesar de sua contribuição, eles também reconheceram que, devido às limitações do banco de dados, não mapearam empresas menores. Por exemplo, no Brasil foram identificadas apenas quatro empresas. Ou seja, as lacunas geográficas no Sul global permaneceram, e a distribuição das empresas de plataforma em nível global teve uma representação muito maior da América do Norte e da Ásia, especialmente dos Estados Unidos e da China.
Dada essa lacuna na literatura, a evidência anedótica de que existe um cres-cimento consistente no volume de empresas de plataforma no Sul global persiste,mas sem uma verificação empírica e sistemática desse fenômeno. Portanto, aquestão abordada neste capítulo é a seguinte: o Brasil aderiu à década da platformania(2010-2020)? Em outras palavras, terá o setor privado nacional brasileiro seguidoa tendência global de desenvolvimento das plataformas digitais? Em casoafirmativo, quais são as principais características dessas empresas de plataformaem termos de dimensão e setor? Como são distribuídas regionalmente no país? Como são financiadas?
Com base em Silva, Chiarini e Ribeiro (2022), este capítulo replica a metodologia dos autores, adotando, contudo, uma base de dados diferente, que abrange startups: a Crunchbase. Vários acadêmicos têm demonstrado interesse em avaliar o potencial dessa base de dados para investigação econômica e de gestão (Dalle, Besten e Menoni, 2017; Besten, 2020), para explorar ecossistemas inovadores (Kemeny, Nathan e Almeer, 2017) e para catalogar plataformas de trabalho online (Kässi, Lehdonvirta e Stephany, 2021), no entanto, o seu pleno potencial está longe de se esgotar. A novidade para os estudiosos brasileiros é que essa é primeira vez que a Crunchbase é utilizada para investigar o fenômeno da economia das plataformas digitais no país.
[1] Pesquisador em nível de pós-doutorado no Interdisciplinary Research Hub on Digitalization and Society (iHub), Radboud University. Orcid: 0000-0002-9009-1203. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
[2] Analista em ciência e tecnologia no Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) do Ipea. Orcid: 0000-0002-3758-8413. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
[3] Professor e pesquisador no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Orcid: 0000-0002-7772-9313. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..