Artigo
Universidades e parques científicos e tecnológicos no Brasil
Publicado em 01/10/2025 - Última modificação em 01/10/2025 às 16h48
Igor Santos Tupy[1]
As primeiras experiências de Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs) surgiram nos Estados Unidos nos anos 1950, constituindo-se como infraestruturas planejadas para prover espaço físico compartilhado, serviços especializados, proximidade com instituições de ciência e tecnologia (C&T), como universidades e centros de pesquisa, e ganhos de aglomeração entre firmas intensivas em conhecimento. Embora esses primeiros PCTs tenham surgido a partir de iniciativas espontâneas e localizadas, a experiência internacional mostra que sua difusão passou a ser promovida pela ação do Estado, tanto como instrumento de política científica e tecnológica quanto de desenvolvimento territorial. As ações que visam a criação e expansão dos PTCs partem do entendimento de que esses ambientes são altamente propícios para a aceleração das trocas de conhecimento e promoção da inovação.
Henry Etzkowitz e Chunyan Zhou citam como exemplo os processos informais de incubação de empresas na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, cruciais para o surgimento do Stanford University Research Park na década de 1950. O parque pioneiro passou a receber novas empresas originadas de atividades acadêmicas — as chamadas spin-offs —, em um processo conduzido pela própria universidade. Albert Link afirma que as universidades frequentemente têm o papel de serem catalisadoras para a efetivação de uma espécie de simbiose, fundamental para o sucesso dos PCTs.
Não há estatísticas atualizadas sobre o número de parques no mundo, mas alguns indicadores lançam luz sobre a importância desses ambientes nos últimos 15 anos. A revisão realizada por Albahari et al. (2022) sugere que existam mais de 400 PCTs na Europa, mais de 300 na América do Norte, e mais de 1,5 mil na China e na Índia. No Brasil, a difusão de PCTs é relativamente recente. Apresentamos a seguir a evolução dos parques científicos e tecnológicos brasileiros, analisando as características da inserção das universidades nesse processo.
A Evolução dos PCTs no Brasil
Os primeiros PCTs começaram a ser planejados e implementados no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990, também como iniciativas isoladas e pontuais. Dados da plataforma MCTI-InovaData-BR evidenciam a dinâmica de criação desses parques entre 1987 e 2024, conforme ilustrado na Figura 1. O planejamento dos parques se inicia com o projeto formal de concepção do ambiente. A implantação ocorre com a criação da personalidade jurídica própria. Finalmente, a operação é caracterizada pela presença de, pelo menos, uma firma residente, isto é, uma empresa instalada em seu espaço físico.
Figura 1 — Expansão dos PCTs no Brasil, 1987-2024

Fonte: MCTI-InovaData-BR. Elaboração do autor.
A taxa de criação de PCTs no Brasil foi relativamente lenta ao longo da década de 1990. Esse cenário mudou nos anos 2000, marcado por uma aceleração sobretudo no planejamento de novos parques, representada pela cor azul-claro da Figura 1. A partir de 2010, o número de parques em operação no Brasil apresentou sua maior taxa de crescimento, passando de 18 , em 2010, para 59, em 2020. Os dados cadastrais indicam a existência de 61 parques em operação em 2024, além de outros 24 em processo de implantação e sete em planejamento. Nesse período, verifica-se a estruturação de importantes políticas explícitas de incentivo à instalação de parques, sobretudo por meio do Programa Nacional de Apoio às Incubadoras de Empresas e aos Parques Tecnológicos (PNI)—revogado em 2019 e renomeado Programa Nacional de Apoio aos Ambientes Inovadores (PNI). Os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), destinados via Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) ao planejamento, à instalação e à consolidação dos parques, foram fundamentais para sua aceleração no país.
Destaca-se, nesse sentido, a chamada pública MCTI/FINEP, de fevereiro de 2013, que destinou R$ 90 milhões em financiamento não reembolsável a parques em operação e em implantação, além de aproximadamente R$ 500 milhões em créditos reembolsáveis direcionados aos parques e empresas residentes. Nova chamada só seria realizada em 2021, a qual destinou R$ 180 milhões em recursos, recebendo uma suplementação adicional de R$ 240 milhões em 2023, beneficiando 18 parques em operação e um em implantação. A chamada mais recente, aberta em 2024, com resultados divulgados em 2025, destinou de R$ 100 milhões para a criação e/ou consolidação de 17 parques em nove estados não contemplados anteriormente.
PCTs e universidades no Brasil: um elo importante?
No Brasil, o pioneiro Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro (BioRio), fundado em 1988, desenvolveu-se em torno da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo Etzkowitz e Zhou, esse caso ilustra um modelo de desenvolvimento bottom-up, a partir da iniciativa da universidade para, em estágios posteriores, alcançar apoio de diferentes esferas de governo e instituições de fomento. Desde então, várias universidades brasileiras buscaram criar seus próprios ambientes). Caso do “Parque Tecnológico da UFRJ”, criado em 2003; do Parque Científico e Tecnológico da Universidade de Brasília (UnB), implantado em 2007, do Zenit, estabelecido em 2010 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); o Parque Científico e Tecnológico da Universidade de Campinas (Unicamp) em 2013; e do BHTec – Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Apesar da centralidade das universidades nesses processos iniciais de criação de parques tecnológicos, tanto em nível global quanto nacional, os modelos de interação entre os PCTs e as instituições de ensino superior (IES) tornaram-se bastante diversos. Dados provenientes de questionário respondido pelos gestores dos PCTs brasileiros no âmbito da plataforma MCTI-InovaData-Br, referentes ao ano 2023, permitem uma caracterização da inserção das IES nesses ambientes.
Tabela 1 —Vínculos entre Parques Tecnológicos e Instituições de Ciência e Tecnologia (2023)

Fonte: MCTI-InovaData-BR. Elaboração do autor.
O primeiro aspecto a ser destacado é que a existência de PCTs no Brasil não está condicionada à sua associação com as universidades. Apesar disso, os dados mostram que, em 2023, 71 deles possuíam vínculos formais com alguma IES, o que representa aproximadamente 78% do total. Destes, 33 também mantinham vínculo formal com instituições de pesquisa. Além disso, três parques estavam vinculados apenas a instituições de pesquisa (IPs) enquanto os demais 17 não declararam relação desse tipo.
Interação com as universidades
As relações mútuas entre parques tecnológicos e instituições de ensino superior podem envolver múltiplas dimensões, tais como funções organizacionais, co-localização, colaboração, atividades das equipes de gestão, parcerias e conexões envolvendo estudantes e pesquisadores. A Tabela 2 explora alguns desses aspectos. As IES participam da estrutura administrativa de mais da metade dos PCTs brasileiros. A principal forma de participação ocorre por meio de assentos nos conselhos de administração de 58% desses ambientes, sendo a instituição gestora de 26 casos. Além da participação na gestão, 59% dos parques relataram outras formas de parceria com as universidades, como cooperação com grupos de pesquisa, compartilhamento de laboratórios e outros recursos etc. Os vínculos estão formalizados em 78% das parcerias, por meio do Regimento e/ou Estatuto em 19 dos parques e contratos ou convênios no caso de outros 29.
Tabela 2 — Caracterização dos Vínculos entre Instituições de Ensino Superior e os Parques Científicos e Tecnológicos Brasileiros (2023)

Notas: ¹ Excluindo os parques localizados nos campi.
Fonte: MCTI-InovaData-BR. Elaboração do autor.
As parcerias entre parques tecnológicos e universidades também envolvem contrapartidas materiais por parte das instituições de ensino. A principal forma de contribuição material ocorre por meio da cessão de espaço físico: as sedes de 28 parques estão localizadas em campi universitários, enquanto outros 13 estão em terrenos pertencentes a instituições de ensino superior. Esse resultado decorre da dinâmica de concepção inicial dos PCTs. Desde suas origens, os parques possuem uma natureza de empreendimento imobiliário para abrigar firmas intensivas em tecnologia, tendo localização ideal associada à proximidade com as universidades. Entretanto, alguns estudos indicam que a importância da proximidade física em relação às universidades para o crescimento dos parques vem diminuindo ao longo do tempo, sobretudo diante dos impactos das Tecnologias da Informação e Comunicação.
O segundo instrumento mais frequente de contribuição material tem ocorrido por meio do financiamento de parte das equipes que atuam nesses ambientes. Essa forma de contrapartida pode envolver desde a participação de professores e técnicos administrativos nas equipes gestoras até a remuneração de bolsistas que desempenham diferentes atividades técnico-administrativas. Por fim, instrumentos financeiros diretos, como investimentos e recursos para projetos de subvenção, são pouco usuais. Apenas quatro parques relataram ter recebido investimentos de universidades em 2023.
Um aspecto central da relação entre parques tecnológicos e universidades está nos ganhos mútuos advindos da atração de empresas de base tecnológica (EBT) e da possibilidade de sua interação com os diversos componentes da comunidade acadêmica. Nesse sentido, os PCTs podem emergir como agentes de intermediação entre as EBTs e as instituições de ensino superior, de forma a facilitar a transferência de tecnologias, cooperações em pesquisa e absorção dos talentos formados na academia. A Tabela 3 apresenta informações obtidas nas respostas dos parques sobre como esses ambientes abordam essa questão em suas estratégias de atuação junto às empresas e as percepções dos parques quanto à interação com as universidades.
Tabela 3 — As Interações com as Universidades a partir da ótica dos Parques brasileiros

Fonte: MCTI-InovaData-BR. Elaboração do Autor.
Mais da metade dos parques vinculados a IES afirma que a interação com IES e IPs é um dos serviços oferecidos às empresas, entendida como instrumento para atender às demandas tecnológicas. Dessa forma, essa interação compõe a proposta de valor apresentada às empresas como forma de atraí-las. Além disso, 37 parques tecnológicos relataram cobrar pelo serviço de intermediação da relação das empresas com as universidades vinculadas.
Embora 47,2% dos gestores de parques entendam a universidade como parceira fundamental para o fortalecimento desses ambientes, apenas 21,9% descrevem essa interação como condição necessária para o seu sucesso.
É preciso considerar, nesse sentido, que muitas vezes, universidades e parques apresentam distintas estruturas organizacionais, culturas e prioridades, que podem influenciar a percepção dos parques acerca desse processo. Por vezes a gestão dos PCTs enfrentam dificuldade para aliar a prioridade em atividades acadêmicas e de pesquisa das universidades com as preocupações ligadas ao mercado. Além disso, as universidades costumam enfrentar restrições ao compartilhamento de recursos devido a prioridades acadêmicas, limitações financeiras e obstáculos administrativos. Nesse aspecto, apenas 36,2% dos parques consideram que essa interação pode contribuir para melhorar a sustentabilidade financeira desses ambientes.
No contexto brasileiro, em que as universidades públicas têm participação fundamental na estruturação do sistema de inovação, é necessário considerar a existência de restrições legais ao compartilhamento de recursos por parte das IES. Nesse sentido, mudanças na legislação procuraram estabelecer mecanismos que facilitem essa relação, com destaque para o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, composto pela Lei nº 13.243/2016, regulamentada pelo Decreto nº 9283/2018. Esse arcabouço normativo busca criar condições para que instituições de (C&T), entes governamentais e agências de fomento atuem diretamente no estímulo à criação e instalação de ambientes promotores de inovação (API), nos quais se inserem os parques científicos e tecnológicos. Com isso, normatiza-se o uso de instrumentos como a cessão de imóveis, a participação na criação e governança de entidades gestoras, o apoio financeiro via financiamento e subvenção, bem como o compartilhamento de infraestrutura de pesquisa e a autorização para o uso de capital intelectual.
Embora muitos desses instrumentos já tenham sido utilizados em modelos anteriores à regulamentação, a consolidação da legislação busca oferecer maior segurança jurídica para o avanço dessas parcerias. Espera-se que com a criação de mecanismos de apoio e a redução de restrições, fortaleçam-se as condições para uma cooperação mais efetiva entre universidades, empresas e governos, mediada por esses ambientes. Ainda assim, persiste o desafio de transformar tais interações em estratégias sustentáveis de longo prazo, capazes de gerar impacto econômico, social e tecnológico.
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O Parque Tecnológico da UFRJ e a integração universidade-empresa
Criado em 2003, o Parque Tecnológico da UFRJ está localizado em uma área de 350 mil metros quadrados vinculada à UFRJ.
A trajetória de cooperação universidade–empresa remonta à instalação do Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES), da Petrobras, no campus da UFRJ, experiência que influenciou diretamente a criação do parque. A exploração do pré-sal também contribuiu para a atração de grandes centros de P&D, especialmente ligados ao setor de óleo e gás.
As empresas instaladas têm a obrigação contratual de manter cooperação com a UFRJ durante toda a sua permanência. Por exemplo, no caso da concessão de terrenos, empresas de grande porte (faturamento acima de R$ 90 milhões) devem investir anualmente, por cinco anos, ao menos R$ 3 milhões em projetos de cooperação com áreas acadêmicas.
Atualmente, há diversas organizações instaladas, onde destacam-se empresas âncoras como Petrobras, Schlumberger, Siemens, Ambev, entre outras, além de instituições públicas de pesquisa como o CENPES, o CEPEL, o CETEM, o IEN e a Fiocruz. O parque conta também com uma incubadora de empresas e laboratórios de referência.
Sua integração física ao campus facilita o acesso das empresas a estudantes e pesquisadores, embora a inserção de talentos nas empresas ainda seja identificada como um ponto a ser consolidado. O ecossistema de negócios é fortemente baseado em empresas âncoras e fornecedores do setor de petróleo e gás, mas novas estratégias estão em planejamento para ampliar a diversidade setorial e atrair empresas de menor porte.
Fonte: Parque Tecnológico da UFRJ, 2025 e ANPROTREC (2020). Elaboração do autor.
[1]Técnico de Planejamento e Pesquisa do do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (CTS-Ipea)



