Artigo
Evolução dos Dispêndios em Pesquisa e Desenvolvimento
Destaques das últimas estatísticas
Publicado em 06/08/2025 - Última modificação em 26/09/2025 às 09h09
Priscila Koeller[1]
Os dispêndios em pesquisa e desenvolvimento (P&D) continuam sendo uma das principais medidas de esforço dos Estados Nacionais em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) (Godin, 2004; United Nations, 2007; OECD, 2023; European Union, 2025). Medidos a partir das diretrizes estabelecidas pelo Manual de Frascati, têm como principais indicadores os dispêndios totais em P&D em relação ao produto interno bruto (PIB).
Os indicadores de dispêndios nacionais em P&D recém divulgados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) indicam um movimento de recuperação dos dispêndios em P&D em relação ao PIB nos últimos dois anos no Brasil. Após essa participação ter caído de 1,22%, em 2020, para 1,13%, em 2021, os dispêndios se recuperaram, chegando a 1,19% do PIB nos anos de 2022 e 2023—ainda longe da sua maior participação no período 2000-2023, quando reverteu a tendência de crescimento iniciada em 2004 e atingiu 1,28%, em 2015.
Gráfico 1 — Total dos dispêndios em P&D em relação ao PIB (%), 2000-2023

Fonte: MCTI. Acesso em 31 jul 2025. Elaboração da autora.
Mas, como está o Brasil em relação a outros países? Para responder a essa pergunta, foram considerados os países selecionados pelo MCTI na divulgação das estatísticas recentes. A comparação internacional dos indicadores de dispêndios é utilizada para avaliar se os esforços realizados estão no mesmo patamar ou se são necessárias ações e políticas adicionais para estimulá-los (OECD, 2023; European Union, 2025). Na análise, os países foram agrupados segundo a classificação por faixas de renda do Banco Mundial para o ano calendário de 2023. O Brasil está no grupo de países de média-alta renda, acompanhado de África do Sul, Argentina, China, México. Os demais países estão nos grupos de alta (Alemanha, Canadá, Coréia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, Portugal) e média-baixa (Índia) renda.
A análise da posição do Brasil em relação aos países de alta renda mostra que seus dispêndios como proporção do PIB se aproximaram daqueles realizados por Espanha, Itália e Portugal no período 2000-2023. Como mostram os dados, nos últimos anos, há dois grupos de países, aqueles com dispêndios superiores a 2,5% do PIB—mais que o dobro do Brasil (1,19%) em 2023 (Alemanha, Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul e Israel)—e os que estão em patamar abaixo (França, Canadá, Portugal, Espanha, Itália).
O Brasil, durante quase todo o período considerado, esteve em patamar abaixo de todos os países de alta renda analisados. Em 2023, a distância para os países com os maiores esforços em P&D foi cerca de 4 (em relação à Coreia do Sul) a 5 (em relação à Israel) vezes menor (Gráfico 2).
Gráfico 2 — Evolução dos dispêndios em P&D em relação ao PIB (%) — países de alta renda e Brasil, 2000-2023

Fonte: MCTI. Acesso em 31 jul 2025. Elaboração da autora.
Obs.: Foram excluídos os países para os quais não havia informação em 2023 (Cingapura, Reino Unido e Rússia).
Destaca-se o fato de que, em 2020, ano marcado pelo início da pandemia de Covid-19, todos os países de alta renda considerados—à exceção da Alemanha—fizeram esforços adicionais em P&D (em relação ao PIB) em comparação ao ano anterior. Esse movimento também foi observado para o Brasil, que em 2020 apresentou dispêndio em P&D de 1,22% do PIB, em contraste com os anos anteriores, cujos esforços foram de, no máximo, 1,15%—sinalizando que os dispêndios em P&D têm sido utilizados como medidas contracíclicas pelos governos em momentos de crise econômica ou em casos como a pandemia de Covid-19, como destacam estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês) (OECD, 2009; OECD, 2023).
Em geral, os países selecionados de renda média apresentaram dispêndios inferiores aos do Brasil. No entanto, a China, que em 2000 e 2001 tinha um esforço em P&D (em relação ao PIB) menor que o Brasil, apresentou crescimento significativo, chegando a 2,58% do PIB em 2023, mais que o dobro da participação do Brasil (Gráfico 3) e aproximando-se do grupo de países com dispêndios superiores a 2,5% do PIB.
Gráfico 3 — Evolução dos dispêndios em P&D em relação ao PIB (%) — países de média-alta e média-baixa rendas, 2000-2023

Fonte: MCTI. Acesso em 31 jul 2025. Elaboração da autora.
Em síntese, o Brasil parece estar revertendo o movimento de tendência de queda dos dispêndios em P&D verificado após 2015. Mesmo assim, ainda não voltou aos níveis de 2000, quando, considerando os 13 países (com renda alta, média-alta e média-baixa) para os quais havia informação em 2023, ocupava a 8ª posição, tomando desde 2017 a penúltima posição nesse conjunto de países. O ritmo brasileiro de esforço em P&D contrasta com o da China, outro país de renda média-alta, que estava em posição atrás do Brasil em 2000, ocupando a 10ª posição, e passou a ocupar a 6ª, a partir de 2019. Além disso, fica evidente que o ritmo de crescimento dos dispêndios dos demais países nos anos pós-pandemia, especialmente o de Israel, Coreia do Sul e China, é superior ao ritmo apresentado pelo Brasil, aumentando a distância entre os esforços realizados por esses países em relação ao Brasil.
Dispêndios em P&D das Empresas
O Manual de Frascati orienta a separação dos dispêndios governamentais e empresariais como uma das formas de contabilização dos esforços em P&D. Essa separação entre governo e empresas é importante porque permite acompanhar o esforço de cada um dos setores institucionais e identificar as medidas de política necessárias para estímulo à PD&I. Os dispêndios em P&D são vistos como um dos elementos centrais do processo inovativo nas empresas e a há muito a literatura reconhece o impacto positivo das inovações sobre produtividade e desenvolvimento econômico (Aghion and Howitt, 1996; Stiglitz, 2002; Rodrik, 2004).
Nos números divulgados pelo MCTI para o caso brasileiro, além da tendência de reversão de queda dos dispêndios totais em P&D em relação ao PIB, chama a atenção que no período 2020-2023, os esforços empresariais superaram os governamentais, movimento que só tinha ocorrido em 2004 e 2005 (Gráfico 4). Como ponto de atenção, porém, destaca-se que entre 2022 e 2023, depois do período de queda observado desde 2015, houve aumento dos dispêndios governamentais, mas, verifica-se uma queda dos dispêndios empresariais, mantendo o total dos dispêndios no mesmo patamar.
Gráfico 4 — Evolução dos dispêndios governamentais e empresariais em relação ao PIB, 2000-2023

Fonte: MCTI. Acesso em 31 jul 2025. Elaboração da autora.
Mesmo que as empresas não sejam mais consideradas como o único setor institucional a promover inovação (OECD/Eurostat, 2018), ainda têm papel preponderante e concentram parcela significativa dos esforços em P&D, especialmente nos países desenvolvidos (OECD, 2023; European Union, 2025). A OECD (2023) afirma que: “como o setor privado é responsável por mais de dois terços dos dispêndios em P&D na OECD, a intensidade de P&D de um país é fortemente influenciada pelas atividades de P&D de suas empresas.” (No original: “Since the private sector accounts for more than two-thirds of R&D expenditures in the OECD, a country’s R&D intensity is heavily influenced by the R&D activities of its firms.”) (OECD, 2023, p.19, tradução da autora)
Gráfico 5 — Evolução dos dispêndios das empresas em P&D em relação ao PIB (%) — países de alta renda e Brasil, 2000-2023

Fonte: MCTI. Acesso em 31 jul 2025. Elaboração da autora.
Obs.: 1. Foram excluídos os gastos com pós-graduação. 2. Foram excluídos os países para os quais não havia informação em 2023 (Cingapura, Reino Unido e Rússia).
E como estão os dispêndios em P&D das empresas no Brasil em comparação com esses países? Os dados (Gráfico 5) mostram que, assim como para o total dos dispêndios, em comparação com os países de alta renda, as empresas no Brasil apresentaram esforços menores em P&D (como proporção do PIB) durante quase todo o período.
Quando analisado o comportamento das empresas no Brasil em relação as empresas de países de renda média-alta e média-baixa, a situação se inverte, e as empresas no Brasil aparecem em segunda posição, nos esforços em P&D em relação ao PIB (Gráfico 6). O destaque é novamente para as empresas na China, que estiveram sempre em primeiro lugar.
Gráfico 6 — Evolução dos dispêndios das empresas em P&D em relação ao PIB (%) — países de média-alta e média-baixa rendas, 2000-2023

Fonte: MCTI. Acesso em 31 jul 2025. Elaboração da autora.
Obs.: 1. Foram excluídos os gastos com pós-graduação.
Em síntese, no que se refere aos esforços em P&D das empresas em relação ao PIB, o Brasil segue ocupando a penúltima posição no conjunto de 14 países (de renda alta, média-alta e média-baixa) para os quais havia informação em 2023. Embora tenha sido 11º em 2000 e 2001 e 12º no período 2002-2006, essa posição é ocupada desde 2007, sinalizando que as empresas nos demais países têm dispendido proporcionalmente mais ao longo do período. Em contraposição, a China além de estar em primeiro no grupo de países de renda média-alta durante todo o período 2000-2023, ganhou diversas posições, passando do 9º lugar, em 2000, para o 6º lugar, em 2023.
Desafios e perspectivas
Os dados sobre total de dispêndios em P&D no Brasil mostram sinais de reversão da tendência de queda que se apresentava desde 2015, considerando o esforço realizado em P&D em relação ao PIB em 2022 e 2023. A confirmação dessa reversão, porém, depende dos dispêndios realizados em 2024, pois houve estabilidade entre 2022 e 2023.
Um aspecto preocupante diz respeito à estagnação dos dispêndios empresariais em relação ao PIB. Apesar desses dispêndios terem sido maiores que os governamentais no período 2020-2023—movimento semelhante ao observados em países de renda alta—houve queda dos dispêndios empresariais em relação ao PIB entre 2022 e 2023.
A expectativa é que os esforços empresariais voltem a crescer em 2024, visto que a partir do segundo semestre de 2023 foram adotadas várias medidas de estímulo à inovação no setor privado, sendo as principais taxas de juros diferenciadas para inovação e a retomada a política industrial. Em agosto de 2023, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) anunciou taxa de juros diferenciada para financiamento à inovação; no início de 2024 foi retomada pelo governo federal a política industrial, com o lançamento do plano Nova Indústria Brasil (NIB), que tem como um dos focos medidas de estímulo à inovação. Essa expectativa é, pelo menos parcialmente, corroborada pelos resultados da Pesquisa de Inovação—Pintec Semestral 2023, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora a pesquisa não cubra todas as atividades econômicas, pois seu âmbito limita-se às empresas industriais com 100 ou mais pessoas ocupadas, o resultado mostra que parte das empresas inovadoras (37,4%) e parte das empresas não-inovadoras (26,8%) pretendia aumentar os dispêndios em P&D em 2024.
No entanto, a despeito das medidas adotadas, mesmo que surtam efeito sobre os dispêndios empresariais em relação ao PIB e eles voltem a crescer, há sinais de alerta para o movimento observado em outros países. Ficou evidenciado que os esforços em P&D em proporção do PIB têm sido maiores do que os do Brasil, especialmente dos países de alta renda e da China. O Brasil mostrou esforços relativamente tímidos, tanto para o total dos dispêndios, quanto para os dispêndios empresariais, e não retornou sequer a posição que ocupava em 2000.
[1] Analista de planejamento e orçamento do Centro de Pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociedade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (CTS-Ipea).
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do Ministério do Planejamento e Orçamento.



