Artigo

Novos achados sobre práticas ambientais e biotecnologia na indústria brasileira

Pintec Semestral indica alto grau de adoção de práticas ambientais por grandes empresas e destaca a importância da regulação ambiental e do financiamento

Leonardo Szigethy e Larissa Pereira

A nova edição da Pesquisa de Inovação Semestral 2023 (Pintec Semestral) divulgou informações relacionadas a práticas ambientais e biotecnologia da indústria brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa tem como objetivo reunir informações sobre a inovação nas empresas, para a construção de indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), visando subsidiar o desenho, a implementação e o monitoramento de políticas públicas e as estratégias empresariais.

Esta edição da Pintec Semestral, divulgada sob o selo de Investigações Experimentais, está inserida nos ciclos com periodicidade semestral de coleta, onde as informações reunidas no primeiro semestre são referentes a indicadores temáticos e, no segundo semestre, a indicadores tradicionais de inovação. Os questionários aplicados são referentes ao ano anterior e o desenho amostral está definido para empresas com 100 ou mais pessoas ocupadas nos setores das Indústrias extrativas e de transformação, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). 

Segundo o IBGE, a pesquisa considera como práticas ambientais as ações específicas realizadas no âmbito dos processos de produção que geram impactos positivos nos temas materiais das empresas, que são em síntese:

Quadro 1 — Síntese das práticas relacionadas aos temas materiais ambientais

quadro temas.png

Fonte: IBGE. Elaboração dos autores.

O objetivo deste texto é apresentar e discutir alguns dos principais resultados dessa Pintec Semestral. De acordo com a pesquisa, em 2023, 89,1% (8.758) das 9.827 empresas industriais com 100 ou mais pessoas ocupadas implementaram pelo menos uma iniciativa ou prática ambiental. Seguindo a lógica dos temas ambientais, a implementação foi a seguinte: resíduos sólidos (79,6%), reciclagem e reúso (75,1%), eficiência energética (61,5%), recursos hídricos (57,1%), emissões atmosféricas (46,3%) e uso do solo (23,9%).

A pesquisa ainda avaliou o estágio de realização dessas práticas - estudos iniciais, iniciativas pontuais/locais ou planos de ação estruturados. Considerando apenas as práticas com planos de ação estruturados (com procedimentos, orçamento, cronograma e indicadores de performance definidos e aferidos) os percentuais de empresas que implementaram as práticas foram: resíduos sólidos (38,9%), reciclagem e reúso (35,8%), eficiência energética (25,7%), recursos hídricos (24,4%), emissões atmosféricas (20,6%) e uso do solo (9,7%).

Tabela 1 — Empresas que possuíam iniciativas/práticas relacionadas aos temas materiais (total e com plano de ação estruturado) em relação ao total de empresas com 100 ou mais pessoas ocupadas, por tema material, para o total da Indústria — Brasil, 2023

tab1.png

Fonte: Pintec Semestral (2023). Elaboração dos autores.

Também foram avaliados os fatores que contribuíram para a adoção das iniciativas/práticas ambientais. Os dois fatores mais citados foram o “Atender às normas ambientais” e a “Estratégia autônoma da empresa”, com 78,9% e 78,1%. Em seguida vieram, a “Influência de fornecedores e/ou clientes” (57%), “Influência da opinião pública/sociedade civil organizada” (40%), “Atender normas ambientais de mercados externos” (39,3%), “Influência da concorrência” (25,4%) e “Atratividade de programas de apoio (públicos ou privados)” (19,8%).      

Gráfico 1 — Percentual de empresas por fatores que contribuíram para a adoção das iniciativas/práticas ambientais, para o total da Indústria com 100 ou mais pessoas ocupadas — Brasil, 2023 (%)

Fonte: Pintec Semestral (2023). Elaboração dos autores.

Os dados demonstram que as normas ambientais são o principal fator para a adoção de práticas ambientais. Esse resultado está de acordo com diversos achados da literatura e reforça a necessidade da constante atualização das legislações, como os padrões de qualidade ambiental, para a redução do impacto ambiental negativo causado pelas empresas. Também é importante observar que nem todas as regulações ambientais afetam os setores igualmente devido a suas atividades-fim. Portanto, é necessária uma melhor investigação da relação entre adoção das regulações setoriais e os diferentes temas materiais ambientais. 

Os principais fatores apontados como dificuldades para a adoção de iniciativas/práticas ambientais foram altos custos das soluções ambientais, escassez de oferta de programas de apoio e fomento público, e escassez de recursos financeiros na empresa. Para o total de 8.758 empresas que possuíam iniciativas/práticas ambientais, esses fatores foram apontados por, respectivamente, 71,8%, 52,4% e 39,7% . Já para o total de 1.069 empresas que não adotaram tais iniciativas/práticas, esses fatores foram apontados como dificuldade por 45,4%, 42,3% e 44,2%, respectivamente. Sendo assim, os dados sugerem que dificuldades relacionadas a custos e à escassez de fomento e recursos financeiros são desafios a serem superados para a adoção de iniciativas e práticas ambientais por empresas brasileiras.

Gráfico 2 — Percentual de empresas por tipo de fatores que dificultaram a sua adoção, para o total da Indústria com 100 ou mais pessoas ocupadas — Brasil, 2023 (%)

Diante das dificuldades apontadas, o acesso a financiamento poderia ser um importante instrumento para a mitigação de obstáculos e a maior adoção de iniciativas e práticas ambientais. Contudo, considerando os diferentes temas materiais analisados, o percentual de empresas que utilizou financiamento público sobre o total de empresas foi inferior a 1,0%. Tal cenário evidencia a necessidade de novos estudos que investiguem não só a adesão ao financiamento público pelas empresas como também aspectos que levaram à não utilização por outras.

Tabela 2 — Empresas que utilizaram incentivos e que fizeram uso de financiamento público em relação ao total que empresas com 100 ou mais pessoas ocupadas, por tema material — Brasil, 2023

tab2.png

Fonte: Pintec Semestral (2023). Elaboração dos autores.

Por fim, vale destacar que, além de analisar a adoção de iniciativas/práticas relacionadas aos temas materiais por médias e grandes indústrias, o estudo também avaliou empresas que realizaram atividades em biotecnologia e que possuíam iniciativas/práticas ambientais, e empresas que publicaram relatório de sustentabilidade aplicando os critérios ESG (do inglês Environmental, Social and Governance, que em português significa "Ambiental, Social e Governança") e que possuíam certificação ISO 14001 ou normas correlatas.

Além de permitir uma caracterização do papel das práticas ambientais e da importância da tecnologia para a indústria de médio e grande porte brasileira, os resultados apontados na pesquisa abrem espaço para estudos setoriais, que avaliem a  relação entre adoção das regulações  de forma desagregada e os diferentes temas materiais ambientais, co. Aprofundar o conhecimento  das barreiras ao financiamento existentes para a adoção de tais práticas, assim como mitigá-las, também torna-se importante objeto de avaliação para o aprimoramento das políticas públicas.

Os autores agradecem a leitura e comentários de Graziela Zucoloto, Priscila Koeller e Túlio Chiarini do CTS-Ipea.