Artigo

Patentes e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Graziela Ferrero Zucoloto, Rodrigo de Oliveira Andrade e Priscila Koeller

Um relatório publicado em abril pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo, na sigla em inglês) apresenta uma análise extensiva de patentes orientadas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de 17 metas globais e 169 específicas estabelecido em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e voltado à erradicação da pobreza e à promoção da qualidade de vida, entre outras questões sociais, econômicas e ambientais, dentro das condições que o planeta oferece e sem comprometer o futuro das próximas gerações — plano de ação conhecido como Agenda 2030.

O documento traz insights importantes sobre as tendências de patentes relacionadas aos ODS, ilustrando os campos tecnológicos nos quais a busca pela proteção patentária tem crescido. Examina ainda a correlação entre campos de tecnologia específicos e os ODS, explorando a distribuição geográfica de inventores e as vias de proteção adotadas — internacional ou regional — para a proteção de patentes relacionadas a eles, além de analisar os proprietários de patentes com base em cinco regiões-chave (China, Coreia do Sul, Japão, Estados Unidos e Europa), destacando seu papel no avanço da inovação sustentável em diversas atividades econômicas.

Patentes requerem a divulgação da tecnologia para a qual se busca proteção, de modo que os pedidos de patenteamento costumam ser publicados anos antes de os produtos comerciais correspondentes chegarem ao mercado. Nesse sentido, os dados de patentes oferecem uma janela importante para os esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D), uma vez que tornam públicas as informações sobre as tecnologias protegidas. Também lançam luz sobre as tendências globais de inovação, além de darem uma ideia sobre como as empresas estão investindo em inovações voltadas aos ODS.

O relatório da Wipo identificou 100 categorias de tecnologia distintas vinculadas aos ODS, abrangendo áreas como agricultura, dispositivos médicos, energia renovável e transporte. Segundo o documento, existem mais de 15,2 milhões de famílias de patentes ativas no mundo, 4,7 milhões delas (31,4%) relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Entre os 17 ODS, somente 4 não foram representados por patentes, por estarem primordialmente associados a metas sociais e não tecnológicas. 

Alguns ODS, como os números 9 — Indústria, Inovação e Infraestrutura e 13 — Ação Contra a Mudança Global do Clima, apresentam substancial concentração de patentes, demonstrando uma atividade de inovação significativa. O ODS 9 concentra o maior número de patentes, o que evidencia seu escopo abrangente e a diversidade do cenário tecnológico dentro desse campo. Há 20 anos, 10% das patentes globais estavam associadas ao ODS 9; atualmente, esse percentual alcança os 20%. O relatório também identificou forte crescimento na atividade patentária relacionada ao ODS 7 — Energia Limpa e Acessível, refletindo o esforço das economias em buscar alternativas mais limpas e capazes de mitigar os efeitos da emergência climática.

Em relação a aspectos regionais, a publicação apresenta dois indicadores: a) o número absoluto de patentes associadas aos ODS e b) a participação das patentes associadas aos ODS no total de patentes de cada região.

O primeiro reflete o número total de patentes de cada país: a China registrou um forte crescimento no número total de patentes relacionadas aos ODS entre 2000 e 2023, ainda que a liderança estadunidense tenha se mantido. O segundo indicador indica a importância que as tecnologias orientadas aos ODS têm dentro de cada país ou região. A Europa, nesse caso, apresenta a maior taxa de crescimento, enquanto na China o aumento, ainda que relevante, permaneceu abaixo da média em comparação com outras regiões.

O documento também classifica os principais proprietários de patentes relacionadas aos ODS de acordo com a região em que estão sediados. Nos Estados Unidos estão incluídos entre os 25 principais proprietários General Electric, Ford, Qualcomm, RTX Corp, Johnson & Johnson, General Motors, além do próprio governo estadunidense. Na Europa, empresas como Bosch e o Grupo VW se destacam nesse sentido. Na China, organizações conhecidas dominam os primeiros lugares: Huawei, seguida pela BOE (conhecida pela fabricação de displays), pela Academia Chinesa de Ciências e pela TCL.

Os 25 principais proprietários de patentes sediados no Japão exibem várias tendências em seu desenvolvimento. A Toyota Motor se destaca com uma trajetória consistente de crescimento em seu número de famílias de patentes ativas relacionadas aos ODS, ultrapassando a Panasonic. A Samsung, uma das maiores detentoras de patentes do mundo, domina os 25 principais proprietários de patentes da Coreia do Sul. Outros atores notáveis são a Hyundai Motor, a LG Chemical (importante fornecedor de baterias de íon de lítio), a LG Electronics e a Kia.

O relatório da Wipo analisa ainda o desempenho do setor acadêmico e das organizações de pesquisa por região. Em um cenário acadêmico e de pesquisa em inovação sustentável medida por patentes alinhadas aos ODS, a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, ocupou uma posição notável nas últimas duas décadas. No entanto, sua liderança recentemente foi eclipsada pela Academia Chinesa de Ciências, marcando uma mudança significativa nas tendências globais de inovação. 

A França demonstrou forte presença, tanto com a Comissão de Energias Alternativas e Energia Atômica Francesa, quanto com o Centro Nacional de Pesquisa Científica. Da mesma forma, a República da Coreia do Sul tem demonstrado sua habilidade de inovação por meio de instituições como o Instituto de Pesquisa em Eletrônica e Telecomunicações (ETRI), enquanto a Associação Fraunhofer-Gesellschaft tem sido um contribuidor notável.

O Brasil não aparece no relatório da Wipo, mas o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) possui vários estudos que situam o patenteamento no país em relação aos ODS. Alguns exemplos são os trabalhos associados aos ODS 2 — Fome Zero e Agricultura Sustentável, 6 — Água Potável e Saneamento, 7 — Energia Limpa e Acessível, 11 — Cidades e Comunidades Sustentáveis, e 13 — Ação Contra a Mudança Global do Clima.

Na metade do caminho para a implementação da Agenda 2030, apenas 15% dos objetivos estão no rumo certo, como ressalta o relatório, sendo que muitos correm o risco de não serem alcançados. Analisar quais tecnologias estão sendo direcionadas para atingir os compromissos estabelecidos é um importante esforço na identificação dos gargalos presentes e nas futuras soluções que podem ser alcançadas.