Artigo

Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social: conceitos e resultados

Trabalho apresenta panorama dos programas de C,T&I para o Desenvolvimento Social, conceituando os principais temas participantes desta área e seus projetos apoiados pela Finep entre 2001 e 2022.

Graziela Ferrero Zucoloto[1], Larissa de Souza Pereira[2], Francisco Walsh Mendonça Levy[3]

1. Introdução

Este trabalho apresenta um panorama dos programas de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) para o Desenvolvimento Social, conceituando os principais temas participantes desta área assim como seus projetos apoiados através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) entre 2001 e 2022.

Recursos públicos, incluindo os voltados à C,T&I, têm por objetivo avançar a fronteira do conhecimento e promover o desenvolvimento socioeconômico. Entretanto, dentre as áreas apoiadas, existem algumas mais diretamente voltadas à redução de desigualdades e à promoção do bem-estar social, e podem ser genericamente denominadas de “programas de C,T&I para o desenvolvimento social”. Estes incluem, entre outras missões, a transferência de conhecimento para empreendimentos individuais e para micro e pequenas empresas e a promoção de atividades de extensão tecnológica para a inclusão produtiva e social (MCTI, 2012).

As ações com esse fim foram incorporadas em Estratégias recentes de apoio à C,T&I lançadas pelo MCTI: Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação – PACTI (2007-2010), Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI (2012-2015) e Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI (2016-2022). Em todos, programas e linhas de ação específicos voltados ao desenvolvimento social estiveram presentes, ainda que a sua nomenclatura tenha sido alterada ao longo do tempo: Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social (2007-2010); C,T&I para o Desenvolvimento Social e Tecnologias para Inclusão Social (2012-2015) e Ciências e Tecnologias Sociais (2016-2022)[4].

Em síntese, os programas de CT&I voltados ao desenvolvimento social presentes nos documentos anteriores podem ser agrupados nos seguintes temas:

  • Arranjos Produtivos Locais (APLs): caracterizados pela aglomeração de unidades produtivas de um mesmo ramo da economia, em uma determinada e definida parte do território (MCT, 2007).
  • Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs): concebidos como unidades voltadas prioritariamente para a difusão de atividades de extensão tecnológica, com ênfase na implantação de laboratórios orientados para o apoio e desenvolvimento das vocações econômicas locais e das oportunidades de inserção ocupacional e de geração de renda (MCTI, 2012).
  • Inclusão Digital: é uma ferramenta importante de acesso às tecnologias da informação e comunicação ofertada à população, capacitando as comunidades na prática básica das técnicas computacionais, voltadas para o aperfeiçoamento da qualificação profissional e para a melhoria do ensino (MCTI, 2012).
  • Popularização da Ciência: “ato de difundir e divulgar a ciência para toda sociedade”. Para isso, são realizadas diversas ações, tais como as olimpíadas e as feiras científicas, os museus e os centros de ciência e tecnologia, e as Semanas Nacionais de Ciência e Tecnologia (SNCT).
  • Segurança Alimentar e Nutricional (SAN - SIES): realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).
  • Sustentabilidade das Cidades: engloba as tecnologias para cidades sustentáveis, relacionadas à possibilidade da C,T&I contribuir para a inclusão social e para a melhoria da qualidade de vida no meio urbano (MCTI, 2012) e os Sistemas Urbanos Sustentáveis, entendidos como a constituição de sistemas urbanos mais seguros e eficientes (MCTIC, 2016).
  • Tecnologias sociais: “produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas em interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (MCTIC, 2018, p. 18).
  • Tecnologias assistivas: “equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (BRASIL, 2015).

 

Atualmente, está em discussão o próximo Plano Plurianual (PPA)[5], que inclui “ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento social” entre seus temas. No debate, ainda em andamento, alguns dos temas encontrados nas políticas anteriores estão presentes. Deste modo, a atual análise pretende contribuir com esta discussão.

2. Metodologia e Base de Dados

Para analisar os projetos associados à área “C,T&I e Desenvolvimento Social”, este trabalho utiliza dados disponibilizados pela Finep, com informações de projetos por ela apoiados entre os anos 2001 e 2021.

As buscas foram realizadas nas variáveis “título”, que apresenta o título do projeto, e “demanda”, que apresenta os editais em que o projeto concorreu, tais como chamada pública, carta convite e encomenda, além de demanda espontânea, no caso dos reembolsáveis. A identificação de ao menos uma palavra ou expressão foi suficiente para que o projeto fosse selecionado como alinhado a algum tema. Ressalta-se que essa metodologia é sempre sensível ao detalhamento da descrição presente nos projetos e nas estratégias de C,T&I, bem como às palavras e expressões escolhidas e, para minimizar distorções, a seleção de termos passou por diversas revisões.

Os projetos selecionados, que por simplificação terminológica serão denominados “Projetos Sociais”, foram comparados com os totais presentes na base da Finep (“Projetos Totais”). Os projetos são apresentados a partir do ano de demanda, que representa o ano no qual o edital foi lançado, portanto quando determinado tema foi considerado prioridade. Entretanto, os valores foram deflacionados pelo IPCA a partir do ano de contratação, e são apresentados em valores de 2022.

3. Resultados: projetos de C,T&I para o desenvolvimento social apoiados de forma direta pela Finep

A base de dados da Finep utilizada na presente análise contém 9.907 projetos, sendo 9.669 projetos contratados de forma direta pela Financiadora. Destes, 5,6% (541) foram classificados como pertencentes à área “C,T&I para o desenvolvimento social”. Considerando todo o período analisado, entre os projetos identificados como sociais, 86,6% foram apoiados através do instrumento não reembolsável, 12,1% por subvenção e somente 1,3% por recursos reembolsáveis – para o total de projetos diretos, estes percentuais foram de respectivamente 76,8%, 14,4% e 8,8%. Deste modo, comparativamente, observa-se maior relevância dos recursos não reembolsáveis para apoiar projetos de cunho social. (Tabela 1).

Em relação aos recursos financeiros, a variável “valor total do contrato” inclui a soma dos recursos disponibilizados pela Finep (“valor Finep”) e, quando pertinente, as contrapartidas financeiras e não financeiras dos proponentes dos projetos, o valor de bolsas e os recursos disponibilizados pelos intervenientes. A representatividade dos projetos de cunho social (Projetos Sociais) foi, em valor total contratado, menos expressiva do que em número de projetos, alcançando somente 1,9%. (Tabela 1).

Tabela 1. Projetos identificados na área “C,T&I e Desenvolvimento Social” (“Projetos Sociais”) e “Projetos Totais” por instrumento de apoio

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Fonte: Finep. Elaboração dos autores

A participação de “Projetos Sociais” também foi limitada quando observado o “valor Finep”: apenas 1,9%. No caso do recebimento de bolsas, todavia, esta representatividade foi mais elevada, chegando a 9,0%.

O valor total médio foi, no caso dos projetos analisados, inferior ao de “Projetos Totais”: R$ 3,3 milhões versus R$ 9,5 milhões. No caso do valor médio contratado pela Finep, estes foram de respectivamente R$ 2,2 milhões e R$ 7,1 milhões. Portanto, considerando a existência de uma relação entre porte (financeiro) dos projetos e seu potencial para gerar inovações mais disruptivas, aqueles voltados a temas classificados como sociais possuem comparativamente menor envergadura. Ainda, destaca-se que, no caso de bolsas, possivelmente pelas características dos projetos analisados (por exemplo, mais suportadas pelos recursos não reembolsáveis), o valor médio recebido pelos projetos de cunho social foi superior à média direcionada ao total de projetos. (Tabela 2).

Tabela 2. Projetos Sociais e Projetos Totais por valores dos projetos

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Fonte: Finep. Elaboração dos autores

Em relação à regionalização, observa-se primeiramente que, tanto para os projetos sociais quanto para o total de projetos diretos apoiados pela Finep, a concentração no Sudeste foi marcante em número (respectivamente, 42,0% e 50,0%). Todavia, entre os projetos sociais observa-se uma presença mais expressiva das regiões Nordeste (23,8%), assim Norte e Centro-Oeste. Em valores, as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste também são mais expressivas entre os “Projetos Sociais” (Tabela 3).

Tabela 3. Projetos Sociais e Projetos Totais por região

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Fonte: Finep. Elaboração dos autores. NI = não identificado

Além desta análise geral, é possível olhar mais atentamente para cada um dos temas voltados para o desenvolvimento social. Dada a possível dupla contagem entre temas, foi realizado um fracionamento proporcional à participação do projeto em cada tema. Por exemplo, os números e valores de um projeto classificado em três temas foram atribuídos 1/3 para cada tema, mantendo o total em 541 projetos.

Nas tecnologias sociais e assistivas foram encontradas as maiores quantidades de projetos (respectivamente, 130,3 e 129,0). Todavia, em relação aos valores tanto totais quanto desembolsados pela Finep, estes temas foram menos expressivos, estando os maiores valores nos temas “Inclusão Digital” e “Agricultura, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional”. Em Inclusão Digital, o valor total médio alcançou R$ 10,7 milhões, mas em Tecnologias Sociais chegou somente a R$ 1,4 milhão. Tais valores podem estar associados à própria natureza dos temas apoiados: tecnologias sociais, por exemplo, em grande medida incluem inovações menos intensivas em capital e pesquisa e desenvolvimento (P&D), exigindo, portanto menos recursos financeiros. (Tabela 4).

Tabela 4. C,T&I e Desenvolvimento Social por tema selecionado

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Fonte: Finep. Elaboração dos autores

Por fim, buscou-se identificar, dentro de cada tema, quais foram os segmentos prioritários.

Expressões gerais, que fazem parte do título ou demanda de cada tema - como “tecnologia assistiva, inclusão social, tecnologias sociais, inclusão digital e centros vocacionais tecnológicos” – dominam as terminologias que aparecem nos projetos. Entre os termos mais específicos, destacaram-se os projetos de apoio a deficiências visuais e aos idosos, no tema de tecnologias assistivas; os telecentros, entre inclusão digital; o proninc (Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares), a economia solidária e os empreendimentos solidários, entre as tecnologias sociais; o semiárido e, em relação à sustentabilidade das cidades, tecnologias voltadas a resíduos sólidos e habitação de interesse social. (Tabela 5).

Tabela 5. Projetos Sociais por tema e subtemas (termos) específicos

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Fonte: Finep. Elaboração dos autores

4. Considerações finais

Tendo em vista a discussão em andamento sobre o PPA e a incorporação de C,T&I para o desenvolvimento social neste, o presente artigo apresentou uma síntese da abordagem desta área nos planos/estratégias de inovação vigentes nas últimas duas décadas e dos projetos com esse fim apoiados pela Finep, a fim de contribuir para o debate vigente.

Ainda que as análises permitam uma visão geral do contexto, para que os programas alcancem seus objetivos destaca-se a importância da realização prévia de diagnóstico de quais questões ou problemas a geração e a difusão destas inovações buscaria solucionar, assim como da avaliação da capacidade produtiva e inovativa dos setores - algo que não é verificado nos planos anteriores.

[1] Pesquisadora do CTS.

[2] Pesquisador associado do CTS

[3] Pesquisador associado do CTS.

[4] A lista não contempla a Política Nacional de Inovação do Decreto 10.534/2020 e a Estratégia Nacional de Inovação aprovada pela Câmara de Inovação em julho de 2021.

[5] O PPA é estabelecido por lei e define as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública federal. O Plano possui vigência de quatro anos, contados a parir do segundo ano de mandato de um presidente e se prolonga até o final do primeiro ano do mandato de seu sucessor. Ver: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/planejamento-e-orcamento/plano-plurianual-ppa

[6] O apoio aos projetos pela Financiadora pode se dar de maneira direta ou indireta. No apoio direto, a concessão ocorre de forma centralizada, enquanto no indireto, a Finep repassa recursos para outros agentes financeiros, que administram a relação com os proponentes.

[7] Por exemplo, em tecnologias assistivas, apesar de termos como “deficiência visual”, “cadeirante” e “deficiência auditiva” não estarem expressos nas estratégias de CT&I, estes foram incluídos.

Este trabalho é uma versão resumida de Nota Técnica a ser publicada pelo Ipea e que se encontra em fase de revisão final. Agradecemos à Fernanda Stiebler por esclarecimentos sobre a base de dados da Finep. Erros e omissões são de responsabilidade dos autores.