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Política tributária e incentivo a tecnologias sustentáveis: o Brasil na contramão?

Tributos ambientais são pouco utilizados no país, e alguns produtos com elevado impacto ambiental, como fertilizantes e pesticidas, ainda contam com incentivos fiscais

Fernanda De Negri

Nos últimos meses, o aumento no preço do petróleo levou o país a debater uma eventual redução da tributação sobre combustíveis. Embora seja evidente o impacto do preço dos combustíveis na inflação e no poder de compra da população, especialmente dos mais pobres, a redução de impostos sobre combustíveis fósseis vai na contramão do que tem sido adotado em vários países. A tributação de poluentes e de emissões tem sido utilizada, em muitos deles, como um mecanismo para acelerar a transição energética em direção a combustíveis renováveis ou limpos e, assim, fazer frente às mudanças climáticas ocasionadas pela atividade humana. No Brasil, tese recentemente defendida na USP mostra que a taxação de carbono poderia reduzir emissões em mais de 4%.

Novas tecnologias podem ser um caminho para a humanidade enfrentar esse que talvez seja um dos maiores desafios do nosso tempo. Tanto a regulação quanto a tributação, quando utilizadas da forma correta, podem ser um poderoso indutor da produção de tecnologias ambientalmente mais sustentáveis. O objetivo deste texto, portanto, é discutir o que a literatura econômica recente tem produzido sobre a relação entre tributação e a geração dessas tecnologias.

Base conceitual

Um dos princípios que guia um bom sistema tributário é sua neutralidade. Isso significa que a tributação não deve distorcer preços relativos nem influenciar as decisões de investimento ou de consumo dos agentes econômicos.

Em um sistema neutro, inovações tecnológicas capazes de reduzir custos de produção, tais como inovações em processos produtivos, tendem a ser mais rapidamente adotadas e difundidas na economia. No entanto, muitas tecnologias inovadoras costumam ser relativamente mais caras do que as tradicionais, em especial nos estágios iniciais do ciclo de vida dos produtos, antes de ser atingida uma escala de produção economicamente viável. Os exemplos são numerosos: computadores, telefones celulares, sequenciamento de DNA, carros elétricos, equipamentos para produção de energia solar, entre outras tecnologias tiveram preços muito elevados no momento em que foram introduzidas no mercado. O custo para o sequenciamento de um genoma, por exemplo, passou de mais de US$ 95 milhões para pouco mais de US$ 1.000 entre 2001 e 2017. Preços elevados atrasam o processo de difusão dessas tecnologias, bem como seus impactos sobre a produtividade e bem-estar da sociedade. Nesses casos, em um sistema de tributação neutro, os altos preços tenderiam a retardar a adoção de tecnologias inovadoras por grande parte dos agentes econômicos.

Algumas dessas tecnologias podem gerar ganhos de produtividade e externalidades positivas, como a redução da poluição ou melhora na saúde e na expectativa de vida da população. Nesse caso, pode ser de interesse social acelerar sua difusão por meio de incentivos econômicos ou subsídios que mudem temporariamente seus preços relativos e tornem sua adoção mais rapidamente viável (Langer e Lemoine 2018; Janssens e Zaccour 2014).

Por um lado, uma das maneiras de subsidiar o preço de novas tecnologias é por meio da adoção de uma tributação menor sobre esses bens geradores de externalidades positivas. Por outro lado, existem alguns produtos que, por gerarem externalidades negativas, podem e são, em muitos países, objeto de alíquotas maiores, tais como bebidas e fumo. Nesses casos, o objetivo é justamente distorcer preços relativos para desincentivar o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde e potencialmente causadores de externalidades negativas. Também é esse o caso de impostos ambientais, sobre emissões ou sobre produtos que causem danos ambientais. 

Muitos dos casos de créditos, isenções tributárias ou de tributação adicional para produtos específicos estão relacionados a questões ambientais. Para Palazzi (2011) existem duas falhas de mercado relevantes em relação ao meio ambiente e à inovação: externalidades negativas derivadas da poluição e externalidades positivas derivadas da inovação e da redução dos impactos ambientais. Essas e outras falhas de mercado levariam a uma superoferta de poluição e uma escassez de oferta de inovações (OECD 2010b), o que justificaria políticas públicas destinadas a reduzir impactos ambientais e estimular inovações nessa área.

Uma dessas políticas é justamente a tributação ambiental que, embora tenha como objetivo principal a redução de impactos ambientais, por meio da maior taxação sobre a produção e o consumo danosos ao meio ambiente, também pode influenciar a demanda por inovações pelas empresas para fazer frente a esse diferencial de preços. Karydas e Zhang (2017) falam de três fontes de ganhos econômicos e sociais relacionados com uma reforma tributária ambiental. Além dos ganhos ambientais e de qualidade de vida, também mencionam os ganhos relacionados com a inovação induzida por políticas ambientais.

Uma das fontes de ganhos econômicos mencionada por Karydas e Zhang (2017) estaria relacionada à “hipótese de Hicks”, publicada no clássico “The Theory of Wages”, de 1932, sobre inovação induzida pelo preço. De acordo com essa hipótese, uma mudança de preços dos fatores de produção estimularia inovações destinadas a economizar aqueles que se tornaram relativamente mais caros. Essa relação também é válida no contexto ambiental. Se insumos ambientais (ar, água e energia, por exemplo) forem considerados como fatores de produção, as empresas provavelmente buscarão alternativas e inovações para reduzir seu uso em face a um aumento no preço (OECD 2010b). A questão econômica relevante é, justamente, como valorar a utilização ou a degradação do meio ambiente pelas empresas e tributar essa utilização, a fim de aumentar o seu preço relativo.

Em síntese, as bases teóricas que sustentam a relação entre tributos ambientais e mais inovação são bastante sólidas. Tudo indica que maiores impostos, especialmente aqueles incidentes sobre poluentes, fornecem incentivos para a adoção de tecnologias menos poluentes a fim de minimizar o volume de pagamento de impostos (OECD 2010b). Da mesma forma, a utilização de benefícios fiscais ou a redução da tributação sobre tecnologias mais sustentáveis também pode ser utilizada a fim de incentivar o uso dessas tecnologias.

Política tributária ambiental em diferentes países

A fim de alterar preços relativos e incentivar a adoção de tecnologias de menor impacto ambiental, vários países concedem benefícios tributários para a compra de carros elétricos, por exemplo. Nos EUA, na compra de um veículo movido a bateria, o comprador pode receber um crédito tributário que varia de US$ 2500 a US$ 7500. No Reino Unido, veículos elétricos são isentos do pagamento anual de imposto (o equivalente ao Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor - IPVA). Painéis de geração de energia solar também são isentos de impostos ou recebem créditos tributários em diversos países.

Segundo o relatório da OCDE, impostos ambientais compreendem uma ampla gama de tributos, como os incidentes sobre combustíveis fósseis, motores, taxas de registro de veículos, taxas sobre poluição da água e sobre resíduos sólidos. As receitas governamentais derivadas desses impostos são relativamente pequenas, perto de 2% do PIB em média e, segundo a OCDE, os países Europeus, juntamente com Israel, são os que possuem maior arrecadação derivada desse tipo de tributo. Essa tributação incide principalmente sobre produtos do setor energético. Veículos movidos a combustíveis fósseis são o segundo tipo de produtos mais tributados – em geral, de acordo com o tamanho dos veículos e seus níveis de emissões.

Além desses produtos, o relatório da OCDE mostra que diversos países instituíram tributos sobre outros tipos de poluentes. Cerca de 14 deles – entre os quais EUA, Canadá, Itália, Noruega e França – tributam as emissões de óxidos de nitrogênio, subprodutos da queima de combustíveis fósseis. Quase 30 países da OCDE adotam tributos específicos sobre resíduos sólidos, enquanto outros 15 tributam as baterias. Os compostos orgânicos voláteis (VOC) – solventes que evaporam rapidamente, muito utilizados em indústrias como as de tintas, metalurgia e automotiva – são fortemente tributados em mais de uma dezena de países do grupo. Pesticidas e fertilizantes são também objeto de tributação especial por razões ambientais em diversos países.

Em outro relatório, mais recente, a OCDE, além de apresentar indicadores sobre tributação ambiental em vários países, defende uma reforma tributária verde, que leve em conta as externalidades de produtos danosos ao meio ambiente e que elimine qualquer tipo de subsídio tributário para combustíveis fósseis.

Um dos problemas do sistema tributário brasileiro reside, justamente, na complexidade e na baixa neutralidade, em razão de, entre outros fatores, diversos impostos sobre o consumo, com alíquotas diferenciadas. Regimes especiais de tributação também contribuem para a pouca neutralidade desse sistema.

Apesar dessa baixa neutralidade, tributos ambientais ainda são pouco utilizados no país, sendo que alguns produtos com elevado impacto ambiental, tais como fertilizantes e pesticidas, ainda contam com incentivos fiscais[1].  Um estudo da KPMG, de 2013, sobre impostos ambientais coloca o país no último lugar no ranking de tributação sobre produtos danosos ao meio ambiente. Embora o Imposto sobre Produtos Industriais (IPI) incidente sobre automóveis no país leve em consideração a potência do motor e, portanto, em alguma medida considere o nível de emissões, ele não foi desenhado como um tributo ambiental. Os carros elétricos no mercado brasileiro, por exemplo, não pagam, necessariamente, menos impostos do que os automóveis movidos a combustíveis fósseis. O único tributo vigente que se aproxima da concepção de tributação ambiental é a CIDE-combustível, o que sugere que existe muito espaço para adoção, no país, de uma tributação mais eficiente do ponto de vista ambiental.

Impactos da tributação ambiental

Existem evidências que confirmam a hipótese de inovação induzida pelo preço de fatores de produção. Popp (2002), por exemplo, avaliou como o preço da energia pode influenciar a inovação. Para isso, o autor utilizou dados norte-americanos de patentes, entre 1970 e 1994, e estimou o efeito dos preços da energia na geração de inovações mais eficientes energeticamente. A conclusão foi que tanto os preços da energia quanto a qualidade do conhecimento existente afetam fortemente esse tipo de inovação. Crabb e Johnson (2010) também encontraram evidências de que maiores preços do petróleo levariam a mais inovações (patentes) no período subsequente. Ainda em relação aos impactos dos preços do petróleo, Kumar e Managi (2009) obtiveram resultados similares a partir da estimação de uma fronteira de produção para 80 países entre 1971 e 2000.

Evidências diretas a respeito dos efeitos da tributação ambiental sobre a inovação, embora existam, são menos numerosas, entre outras coisas pela dificuldade de obtenção e sistematização de informações tanto sobre tributos quanto sobre as inovações. Contudo, as evidências empíricas disponíveis sugerem efeitos positivos desse tipo de tributação.

Outro relatório da OCDE relata a experiência da Suíça. Em 1998, o país anunciou a criação de um novo imposto sobre as emissões de compostos orgânicos voláteis (VOC). A implementação do imposto (2 Francos Suíços por quilograma) só começou em 2000 e foi ampliada para 3 Francos/quilograma em 2003, para dar tempo de adaptação à indústria. No período 1998-2000 as emissões se reduziram em 12% e caíram ainda mais (25%) no período 2001-2004. Para reduzir as emissões, as empresas criaram ou adotaram novas tecnologias, sendo que as grandes conseguiram reagir mais rapidamente do que as pequenas empresas. Na França, outro estudo da OCDE mostrou que o aumento dos preços de energia causou aumento no estoque de patentes de grandes empresas. 

Aghion et al. (2016) chegam a resultados ainda mais conclusivos. Os autores utilizaram um painel de dados de empresas da indústria automotiva em 80 países ao longo de vários anos e mostraram que essas empresas tendem a inovar mais em tecnologias limpas quando se deparam com maiores impostos sobre combustíveis. O relatório da OCDE citado anteriormente também estima o impacto de tributos e regulações ambientais sobre a inovação e mostra que restrições regulatórias parecem ter efeitos positivos sobre o patenteamento de novas tecnologias. Impostos e preços de combustíveis têm resultados mais diversos, mas também parecem induzir efeitos positivos e significativos no desenvolvimento de tecnologias voltadas ao aumento da eficiência energética. Entretanto, o próprio relatório da OCDE aponta para as dificuldades metodológicas em estimar esses impactos, bem como para a necessidade de mais estudos empíricos sobre o tema.

Enquanto novas evidências não surgirem, o que já se sabe até o momento, a partir da literatura econômica, é que a tributação é um instrumento útil para reduzir o impacto ambiental das atividades humanas e estimular o desenvolvimento e adoção de tecnologias ambientalmente sustentáveis. Teoria econômica e evidências empíricas deveriam ser consideradas em qualquer proposta de reforma tributária e mesmo em mudanças tributárias circunstanciais ou temporárias. O que está em jogo é que tipo de sociedade queremos no futuro e como prover fontes de energia suficientes e de qualidade para o crescimento sustentado, e ambientalmente sustentável, do país.

 

[1] Resolução do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), o Convênio 100, de 1997, reduz a base de cálculo para o cálculo do ICMS incidente sobre vários insumos agropecuários, inclusive pesticidas e fertilizantes.