Artigo
Quais são as pesquisas em andamento para prevenção e tratamento da Covid-19?
Uma análise dos ensaios clínicos registrados na OMS*
Publicado em 28/05/2020 - Última modificação em 05/08/2021 às 20h02
Desde o início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS), vários países e a comunidade científica mundial têm se esforçado para buscar vacinas ou tratamentos mais eficazes para a Covid-19. Prova disso é o número de ensaios clínicos sobre a doença já em andamento em vários países.
Neste artigo, procura-se analisar quais países têm sido mais ativos na pesquisa de novos medicamentos e vacinas, qual o estágio dessas pesquisas e quais as principais substâncias ou tratamentos que vêm sendo testados contra a doença. Não são analisados, contudo, os resultados eventualmente já obtidos por esses ensaios.
O processo de desenvolvimento de medicamentos e vacinas
O desenvolvimento de um novo medicamento ou tratamento para qualquer doença envolve um longo processo que começa com a pesquisa básica realizada nos laboratórios das universidades e instituições de pesquisa, onde se conhece mais sobre o funcionamento das doenças e sobre substâncias que podem agir sobre elas. Essa pesquisa pode levar à descoberta, por exemplo, de uma nova molécula com potencial de atuar sobre determinada doença. Depois dessa descoberta, o processo de desenvolvimento de um novo medicamento, normalmente feito pela indústria farmacêutica, pode se estender por vários anos, entre estudos mais aprofundados sobre a molécula, testes pré-clínicos, que são aqueles realizados em tecidos ou em animais, e testes clínicos, que são aqueles realizados em seres humanos.
Os testes clínicos são, portanto, a fase final desse processo, e são necessários porque nem sempre uma abordagem que funciona bem em tecidos ou em animais, também funciona em pessoas. São estudos que buscam verificar a existência de efeitos colaterais não desejados e avaliar se um medicamento ou tratamento é eficaz em relação a tratamentos alternativos.
Esses testes seguem protocolos muito estritos de segurança e de ética, afinal, está se testando o efeito de uma substância desconhecida sobre o organismo, em pacientes reais. Geralmente, antes de ser realizado, esse tipo de teste precisa ser aprovado por comitês de ética[1] em pesquisa e pela agência reguladora em saúde. No caso brasileiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é a responsável pela aprovação, que é pré-requisito obrigatório para o início de testes clínicos em humanos.
Além disso, todos os testes clínicos realizados em pacientes precisam ser registrados em alguma plataforma pública, a fim de garantir a transparência necessária para que os órgãos reguladores possam, no momento oportuno, analisar seus resultados e conceder (ou não) o registro do medicamento. Vários países, inclusive o Brasil, possuem plataformas de registros de testes clínicos integradas ao International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP), da Organização Mundial de Saúde[2].
No Brasil, a aprovação de um determinado ensaio clínico pela Anvisa depende do registro nessa plataforma[3], que será a fonte de informações utilizadas no restante deste texto. Até 27 de maio, estavam registrados nessa plataforma 2.936 testes clínicos sobre a Covid-19. Esses ensaios podem ser apenas observacionais (também chamados epidemiológicos), nos quais os pesquisadores apenas observam como diversos fatores agem sobre os pacientes ou sobre a evolução da doença. Os ensaios que nos interessam aqui são os chamados ensaios intervencionais ou experimentais[4], nos quais os pesquisadores selecionam um grupo de pacientes para os quais será administrada uma nova droga (ou tratamento) e comparam sua evolução com a de pacientes de um grupo de controle, que recebem placebo ou o tratamento convencional[5]. São principalmente esses os ensaios utilizados para testar um novo medicamento ou um novo protocolo de tratamento[6]. Na plataforma da OMS, eles representam mais da metade dos ensaios registrados: 1.758 em 27 de maio.
As diferentes fases dos testes clínicos e a estratégia predominante adotada pelas pesquisas sobre a Covid-19
Os testes clínicos comumente dividem-se em quatro fases, nas quais se ampliam gradativamente tanto o número de pacientes quanto o escopo das perguntas a serem respondidas. A primeira fase destina-se a avaliar a segurança de uma nova droga. Geralmente, a substância é aplicada a um grupo reduzido de pacientes saudáveis (entre 20 e 100) a fim de verificar, dentro de alguns meses, se houve algum efeito não desejado ou tóxico derivado da substância. Em alguns casos, a fase 1 é precedida por testes mais restritos a um número ainda menor de pessoas e é chamada de fase 0 e seu objetivo é também o de avaliar a segurança da substância.
A fase II é realizada com um número maior de pessoas (geralmente centenas), já acometidas pela doença, e busca analisar se a nova substância é eficaz no tratamento. Sua duração pode ser de alguns meses até anos, dependendo do tipo de doença e do tempo de resposta do organismo. Para garantir que os resultados sejam fidedignos, geralmente se utiliza um grupo de controle para o qual é administrado um placebo[7]. Se a evolução da doença for melhor no grupo que recebeu o tratamento em relação àquele que recebeu o placebo, tem-se uma evidência forte de que a substância efetivamente funciona, embora ainda não se saiba se funciona melhor do que outros tratamentos eventualmente disponíveis no mercado.
Na fase III, a nova droga é aplicada a um número ainda maior de pacientes (geralmente milhares) e a efetividade da mesma é testada em comparação com outras drogas ou tratamentos pré-existentes. Nessa fase, o número maior de pacientes também possibilita aos pesquisadores avaliarem melhor os efeitos adversos e interações medicamentosas derivadas da substância que está sendo testada.
Por fim, a fase IV, chamada de farmacovigilância, acontece depois que o medicamento já foi aprovado pela agência reguladora, e se destina a monitorar sua efetividade e seus efeitos adversos, com base em populações maiores. Portanto, para que um medicamento comece a ser utilizado amplamente em pacientes, é necessário que ele passe por, pelo menos, três fases de ensaios clínicos e apresente resultados positivos em todas elas.
Dado o longo processo requerido para o desenvolvimento de uma nova substância, a principal estratégia adotada por cientistas, instituições de pesquisa e empresas farmacêuticas para enfrentar a Covid-19 tem sido a de testar a eficácia de medicamentos já conhecidos e utilizados para outras doenças. Essa estratégia, chamada de reposicionamento de fármacos, seria capaz de reduzir substancialmente o tempo necessário para os ensaios clínicos assim como seus custos, dado que essas drogas já foram avaliadas do ponto de vista da sua toxicidade e restaria apenas avaliar sua efetividade no combate à Covid-19[8].
A OMS adotou essa estratégia e, em meados de março, anunciou o Solidarity, um mega ensaio clínico envolvendo diversos países e que selecionou quatro medicamentos para serem testados contra a Covid-19[9]. O primeiro deles é o Remdesivir, antiviral desenvolvido para o Ebola que, embora não tenha demonstrado bons resultados com aquela doença, apresentou eficácia laboratorial e em animais contra outras coronaviroses, como a SARS e a MERS.
Também fazem parte do ensaio o Lopinavir/Ritonavir, medicamento para HIV que teve bons resultados no tratamento de pacientes durantes os surtos de SARS e MERS, e o Interferon-beta, originalmente usado no tratamento da esclerose. Por fim, também fazia parte do ensaio a Cloroquina, utilizada para malária e para doenças reumáticas que, em dois pequenos estudos realizados na França[10] e na China, havia mostrado resultados promissores contra a Covid-19. No entanto, após resultados negativos obtidos em alguns dos testes realizados com a cloroquina/hidroxicloroquina, a OMS, em 25/05, suspendeu do Solidarity todos os ensaios clínicos com a substância.
Mesmo a identificação de quais drogas atualmente no mercado poderiam ser testadas contra a Covid-19 requer um esforço prévio de pesquisa. Um exemplo desse esforço está em artigo recentemente publicado na revista Nature, que mapeou as proteínas existentes no organismo humano com as quais o vírus pode interagir e, a partir daí, identificou 47 drogas e compostos já existentes que teriam o potencial de atuar sobre as mesmas proteínas e, assim, teoricamente, serem eficazes contra a infecção[11]. Outro exemplo foi um mapeamento realizado pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), que fez uma varredura em mais de 2.000 fármacos já existentes no mercado brasileiro para identificar os que teriam maior potencial de ação sobre a doença[12].
O que todos desejam, obviamente, é a descoberta de um medicamento que possa curar definitivamente a doença. Entretanto, dada a complexidade de se encontrar uma cura definitiva, os testes clínicos em andamento também procuram por substâncias que possam simplesmente reduzir a mortalidade ou mesmo o tempo de internação dos pacientes. Esse tipo de resposta já significaria um alívio para os sistemas de saúde, hoje sobrecarregados com o tratamento de pacientes com Covid-19 que podem permanecer internados por vários dias ou até semanas.
Quais são os testes clínicos em andamento?
A análise que segue busca identificar quais são as abordagens mais comuns dos ensaios clínicos registrados na plataforma da OMS. Para tanto, os estudos foram classificados a partir de palavras-chave existentes no título do estudo ou na descrição da intervenção realizada. As palavras-chave utilizadas nessa busca foram nomes de drogas, substâncias e tipos de tratamento que vêm sendo citados na mídia e em publicações especializadas que foram, a seguir, classificadas pelos autores nos grupos descritos no quadro 1.
Quadro 1. Classificação dos ensaios clínicos registrados na OMS por meio de palavras-chave
Grupo de estudos |
Subgrupo |
Palavras- chave (ou raízes de palavras) existentes no título ou no tipo de intervenção |
Prevenção |
Vacinas |
Vaccin |
Testes |
Test; diagnos; detect |
|
Drogas |
Anticorpos monoclonais |
Tocilizumab; sarilumab |
Bevacizumab; Eculizumab; Leronlimab; Siltuximab; Clazakizumab; Mavrilimumab; Meplazumab; Nivolumab |
||
Antimalárico |
Chloroquin |
|
Antivirais |
Favipiravir |
|
Lopinavir;ritonavir |
||
Remdesivir |
||
Azvudine |
||
Arbidol; Umifenovir;abidol |
||
Antiviral; Oseltamivir; ASC09; ASC-09; TMC-310911; TMC310911; TMC 310911; darunavir; cobicistat; danoprevir; Emtricitabine; Tenofovir; Galidesivir; Ganovo; Ribavirin |
||
Anti-inflamatórios |
Colchicine; Naproxen; Aspirin; Ibuprofen; Xiyanping; Jakotinib;Glycyrrhizinate |
|
Corticóides |
Methylprednisolone;Dexamethasone;corticoids; steroid; |
|
Antibióticos |
Azithromycin |
|
Amoxicillin;Moxifloxacin;Levofloxacin; |
||
Inibidores de enzimas do tipo quinases |
Baricitinib;Ruxolitinib; Acalabrutinib; Imatinib;Nintedanib; Tofacitinib |
|
Imunomoduladores |
Immunomodul |
|
Outras drogas |
Interferon |
|
Anakinra |
||
Outros tratamentos |
Células tronco |
Stem cell ; mononuclear cell |
Medicina tradicional chinesa |
TCM; tradicional chinese; tradicional medicine; herbs; herbal; Tanreqing; Babaodan; Ba-Bao-Dan; Reduning; RDN; Qing-Wen Bai-Du-Yin; Shuang-Huang-Lian; Huo-Shen; Xue-Bi-Jing |
|
Imunoglobulina ou plasma de pacientes curados |
Plasma; immunoglobulin |
|
Técnicas de ventilação pulmonar |
ventilation; intubation; oxid; Inhalation; nitric oxide; chlorine dioxide; oxygen; NORS |
Fonte: elaboração dos autores[13].
O quadro 1 detalha como foi feita essa classificação. Um primeiro grupo de estudos está relacionado com estratégias de prevenção da doença e divide-se em dois subgrupos: testes ou vacinas. Os estudos classificados nesse grupo foram aqueles nos quais se identificou a existência das palavras-chave mencionadas na terceira coluna do quadro.
Um segundo grupo de estudos avalia o potencial, no tratamento da Covid-19, de diferentes tipos de drogas já disponíveis no mercado ou em fase final de desenvolvimento para outros tipos de doenças. Essas drogas vão desde antivirais, passando por antibióticos, corticóides, entre outras, além a cloroquina.
Por fim, existe também um terceiro grupo de estudos nos quais se procura testar a eficácia de outros tratamentos que não os farmacológicos. São tratamentos utilizando plasma de pacientes recuperados ou células-tronco, por exemplo. Existe também um número significativo de estudos chineses, que procuram analisar a eficácia da aplicação de técnicas da medicina tradicional chinesa. A classificação adotada gerou os resultados apresentados na tabela abaixo.
É importante salientar que vários estudos podem ser classificados em mais de uma categoria, pois vários deles buscam analisar a eficiência comparativa de mais de uma abordagem: por exemplo, o uso de remdesivir versus o tratamento com plasma de pacientes recuperados. Por essa razão, a soma das categorias é maior do que o número total de ensaios clínicos intervencionais registrados na OMS (1.758).
Tabela 1. Número de ensaios clínicos sobre a Covid-19 em andamento, por categoria de ensaio e estágio da pesquisa (Número observado em 27/05)
Categoria de ensaio |
Total |
fase 0 |
fase 1 |
fase 2 |
fase 3 |
fase 4 |
Fase não informada |
múltiplas fases |
Drogas |
883 |
31 |
60 |
403 |
327 |
105 |
71 |
117 |
Outros tratamentos |
476 |
64 |
63 |
135 |
69 |
26 |
178 |
61 |
Prevenção |
160 |
13 |
21 |
29 |
31 |
16 |
66 |
19 |
Não classificados |
411 |
61 |
20 |
76 |
63 |
35 |
178 |
26 |
Fonte: Organização Mundial de Saúde - International Clinical Trials Registry Platform. Elaboração dos autores.
Entre os 1.758 registros, a classificação proposta teve êxito em categorizar 1.347 ensaios, sugerindo que a maior parte dos estudos está, de fato, orientada à pesquisa de drogas ou tratamentos já conhecidos. Outros 411 estudos não foram classificados em nenhuma das categorias acima. Esses estudos abrangem desde outras técnicas ou drogas não elencadas no quadro 1, até terapias alternativas, vitaminas, estudos psicológicos etc.
A maioria dos estudos encontra-se nas fases 2 e 3, aquela em que se procura analisar a eficácia das drogas testadas sobre os pacientes de Covid-19 isoladamente (fase 2) e em relação a outros tratamentos (fase 3). A corrida pela busca de um tratamento fez com que vários dos estudos em andamento estejam realizando mais de uma fase, simultaneamente. O comum, nos testes clínicos, é que se realize uma fase de cada vez. Assim, um ensaio só entraria na fase 3 após ter mostrado resultados positivos na fase 2, por exemplo. Para fazer frente à pandemia, várias agências reguladoras responsáveis pela aprovação dos testes clínicos adotaram medidas para acelerar o processo de análise e aprovação. Talvez em virtude disso, um número significativo de estudos foi autorizado para mais de uma fase. Chama a atenção contudo, o número de estudos registrados como de fase 4, que acontece apenas quando os medicamentos já foram aprovados. Como alguns dos medicamentos que vêm sendo testados já foram aprovados para outras doenças, mas não para a Covid-19, isso pode representar uma interpretação mais flexível dos autores sobre o que seria a fase 4[14]. Isso não significa, contudo, que quaisquer dessas substâncias testadas nesses ensaios já tenham sido aprovadas para a doença ou mesmo que estejam mais próximos de serem aprovados.
A maior parte dos ensaios registrados na OMS (aproximadamente 50% deles) procura analisar os efeitos de drogas sobre os pacientes infectados com o coronavírus. Outros 476 estudos buscam avaliar a eficácia de tratamentos não farmacológicos, além de 160 voltados para a prevenção da doença.
Tabela 2. Número de ensaios clínicos avaliando diferentes drogas sobre a Covid-19, por tipo de droga testada (número em 27/05)
Tipo de medicamento |
Substância |
Número de ensaios em andamento |
Antimalárico |
Cloroquina ou hidroxicloroquina |
340 |
Antivirais |
Antivirais - total |
212 |
|
115 |
|
|
35 |
|
|
21 |
|
|
19 |
|
|
4 |
|
|
76 |
|
Anticorpos monoclonais |
Anticorpos monoclonais -total |
90 |
|
70 |
|
|
24 |
|
Antibióticos |
Antibióticos – total |
84 |
|
84 |
|
|
2 |
|
Corticóides |
47 |
|
Inibidores de enzimas do tipo quinases |
38 |
|
Anti-inflamatórios |
34 |
|
Outras drogas |
|
56 |
|
13 |
|
Imunomoduladores |
7 |
Fonte: Organização Mundial de Saúde - International Clinical Trials Registry Platform. Elaboração dos autores.
Entre as drogas, algumas se destacam pelo número de ensaios registrados, conforme a tabela 2. A droga que mais vem sendo testada é a cloroquina ou hidroxicloroquina, com 340 estudos registrados até o momento. Logo depois, estão os mais diversos antivirais, que somam 212 ensaios e entre os quais se destacam o Lopinavir/Ritonavir (com 115 ensaios), o Favipiravir (35 ensaios) e o Remdesivir (com 21 ensaios).
Os anticorpos monoclonais são avaliados por 90 ensaios diferentes e a azitromicina – antibiótico usado para otite, faringite, pneumonia e infecções intestinais – é objeto de 84 estudos. O Interferon, droga comumente utilizada para tratar a esclerose múltipla, está sendo avaliado por 56 estudos. Além disso, vários desses ensaios testam mais de uma droga, algumas delas em associação, visando obter melhores resultados contra a doença.
Resultados recentes mostram, contudo, que as duas drogas que foram as principais apostas dos pesquisadores, dado o número de ensaios clínicos em andamento, a cloroquina e o lopinavir/ritonavir, não apresentaram resultados positivos nos ensaios já concluídos[15].
Além de medicamentos, outros ensaios procuram avaliar a eficácia de diferentes tratamentos ou são voltados a estratégias de prevenção. Entre os tratamentos mais estudados estão as técnicas de ventilação pulmonar (146 ensaios), seguidas pelo plasma de pessoas curadas (122) e pela medicina tradicional chinesa (95 ensaios). O tratamento com células tronco é o objeto de análise em 61 ensaios.
Tabela 3. Número de ensaios clínicos avaliando outros tratamentos e estratégias de prevenção para a Covid-19, por tipo de ensaio (número em 27/05)
Tipo de ensaio |
Número de ensaios em andamento |
|
Outros tratamentos |
Ventilação Pulmonar |
146 |
Plasma de pessoas curadas |
122 |
|
Medicina Tradicional Chinesa |
95 |
|
Comportamental ou atividade física |
70 |
|
Células-Tronco |
61 |
|
NK cells |
8 |
|
Prevenção |
Testes |
117 |
Vacinas |
44 |
Fonte: Organização Mundial de Saúde - International Clinical Trials Registry Platform. Elaboração dos autores.
Em relação às estratégias de prevenção, existem 117 estudos voltados ao desenvolvimento de testes para o vírus. As vacinas, que podem ser a única saída definitiva para essa crise, são objeto de 44 estudos clínicos registrados na OMS. Entre eles, cinco têm por objeto a vacina (ChAdOx1) que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford (Reino Unido) em parceria com a companhia farmacêutica AstraZeneca. Outra vacina que vem sendo desenvolvida pela empresa norte-americana Moderna, em parceria com o National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), chamada de mRna-1273, é objeto de um estudo que está na fase 1. Por fim, 17 desses estudos avaliam a eficácia da vacina contra tuberculose (a BCG) na redução de chance de infecção pelo coronavírus. Esta última tem sido utilizada principalmente em profissionais da saúde como uma tentativa de reduzir a taxa de infecção entre eles, mas não é vista como uma alternativa de imunização da população contra o vírus.
Do ponto de vista da distribuição internacional desses estudos, o gráfico abaixo mostra quais são os países que participam do maior número de testes clínicos registrados na OMS, sendo que um único estudo pode ter participação de vários países.
Em primeiro lugar está a China, que participa em 390 dos 1.758 ensaios intervencionais registrados na plataforma. A proeminência da China não é surpresa, dado que foi lá onde o vírus apareceu e, além disso, o país tem se destacado na produção científica e tecnológica mundial no período mais recente. O segundo país com maior número de testes são os Estados Unidos, seguidos, surpreendentemente, pelo Irã. Outros países desenvolvidos seguem a lista dos mais ativos nas pesquisas clínicas, além da Índia, país onde existe uma indústria farmacêutica bastante competitiva, e do Brasil, que está na 12ª posição, com 31 ensaios intervencionais.
Gráfico 1. Número de ensaios clínicos registrados na OMS, segundo país participante (número em 27/05)
Fonte: Organização Mundial de Saúde - International Clinical Trials Registry Platform. Elaboração dos autores.
Entre os estudos com participação brasileira, nove são voltados ao uso da hidroxicloroquina e os outros estão distribuídos entre vários medicamentos ou tratamentos. O país também participa, por meio da Fiocruz, de um estudo ligado ao ensaio Solidarity, da OMS. Um dos estudos brasileiros busca testar a eficácia de uma substância originalmente utilizada para verminoses, a nitadoxanida, e é um dos poucos estudos mundiais que avalia essa substância.
Síntese
A principal estratégia adotada pela comunidade científica e pela indústria farmacêutica mundial na pesquisa de medicamentos para a Covid-19 é o reposicionamento de fármacos. Essa estratégia poderia produzir resultados mais rápidos, dado que esses medicamentos já passaram por estudos sobre sua toxicidade, o que eliminaria a necessidade de realização da primeira fase dos ensaios clínicos.
O conjunto de substâncias sendo testadas é bastante diverso e, apesar de muitos estudos estarem ainda focados na cloroquina/hidroxicloroquina, existem inúmeras outras substâncias sendo avaliadas no momento.
No que diz respeito à prevenção, apenas 44 entre os 1.758 testes clínicos intervencionais são voltados a estudar algum tipo de vacina para o vírus, sendo que 17 deles analisam a BCG como forma de reduzir a taxa de infecção, mas não como forma de imunização definitiva. A corrida pela vacina, ao que tudo indica, está concentrada em poucas pesquisas com a participação majoritária dos países desenvolvidos, especialmente EUA e Inglaterra.
*Os autores agradecem às contribuições e comentários de Pedro Miranda, Priscila Koeller, Graziela Zucoloto e Daniela Uziel, isentando-os obviamente, de falhas ainda remanescentes.
*Os dados originais da OMS, bem como os dados tratados, utilizados neste texto, estão disponíveis no endereço: https://weverthonmachado.github.io/covid_trials/
[1] No caso brasileiro, são os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das próprias instituições de pesquisa e, em casos específicos, pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)
[2] No Brasil, é a ensaiosclinicos.gov.br
[3] Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 09 de 2015, que regulamenta a realização de ensaios clínicos no país.
[4] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4083571/
[5] Existem várias formas de se desenhar esses estudos a fim de selecionar pacientes para compor os grupos de tratamento e de controle, sendo que o mais aceito é a seleção aleatória.
[6] Ensaios puramente observacionais também podem ser utilizados para analisar os efeitos de um medicamento ou tratamento, porém suas evidências são menos robustas.
[7] Neste caso, um controle adequado dos efeitos requer que os pacientes não saibam se estão recebendo a droga ou o placebo.
[8] Caso a dosagem para a Covid-19 seja maior do que a dosagem convencionalmente utilizada, contudo, é possível que mesmo um medicamento já utilizado tenha que passar novamente pela fase 1.
[9] https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/global-research-on-novel-coronavirus-2019-ncov/solidarity-clinical-trial-for-covid-19-treatments
[10] Após muitas críticas da comunidade científica a este estudo, ele foi retirado do site onde havia sido publicado e os próprios autores pediram que ele não fosse mais considerado em trabalhos acadêmicos.
[11] https://www.nature.com/articles/s41586-020-2286-9 e https://theconversation.com/we-found-and-tested-47-old-drugs-that-might-treat-the-coronavirus-results-show-promising-leads-and-a-whole-new-way-to-fight-covid-19-136789
[12] http://cnpem.br/a-solucao-contra-o-coronavirus-pode-estar-nas-prateleiras/
[13] Os autores agradecem as sugestões de Daniela Uziel para a elaboração desse quadro.
[14] De fato, alguns especialistas consultados estranharam o fato de muitos estudos estarem classificados como fase 4, dado que não existe medicamento aprovado para a Covid-19. Contudo, essa é a informação registrada na base da OMS.
[15] https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2001282 e https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/05/27/sem-bons-resultados-hospitais-do-pais-abandonam-a-cloroquina-para-covid-19.htm