Carta de Conjuntura nº 31
Por Leonardo Mello de Carvalho
Não obstante o quadro geral relativo à atividade econômica continuar sendo caracterizado pelo ciclo recessivo iniciado no segundo trimestre de 2014, já há indícios de que o início da recuperação pode estar mais próximo. Se, por um lado, o elevado grau de disseminação e intensidade da queda da atividade econômica lhe confere um caráter resiliente, por outro o desempenho recente de alguns indicadores sugere que a crise começa a perder fôlego. Dentro deste contexto, os primeiros sinais deste possível início de recuperação cíclica têm se concentrado na indústria.
Como já fora citado na edição anterior da Carta de Conjuntura, o ajuste proveniente do setor externo começa a gerar efeitos positivos, notadamente nos setores industriais mais voltados para o comércio exterior. Além disso, a contração da demanda doméstica segue provocando um forte ajuste de estoques, o que pode representar mais uma fonte de estímulo para a recuperação da produção. Talvez como consequência dessa melhora no cenário, os níveis de confiança dos empresários vêm registrando altas nos últimos meses – embora ainda se mantenham em patamares muito próximos dos mínimos históricos. Em contrapartida, espera-se uma recuperação mais lenta do consumo de bens e serviços, cujo desempenho está fortemente associado à dinâmica do mercado de trabalho.
Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB (Produto Interno Bruto) voltou a recuar no primeiro trimestre de 2016, registrando queda de 0,3% em relação ao período anterior, na série livre de influências sazonais. Embora tenha sido a quinta retração consecutiva na margem, o resultado representou acentuada desaceleração no ritmo de queda verificado na média dos quatro períodos anteriores (-1,5%). Com isso, o carry-over para 2016 ficou em -2,6%, ou seja, caso permaneça estagnado durante os próximos três trimestres, na série com ajuste sazonal, o PIB de 2016 terá sido 2,6% menor que o do ano passado. Tomando por base os comparativos interanuais, os efeitos gerados pelo longo período de recessão ainda se fazem presentes. Embora a queda de 5,4% frente ao primeiro trimestre de 2015 tenha sido menor que a observada no período anterior (-5,9%), a taxa acumulada em quatro trimestres voltou a registrar recorde negativo na série histórica iniciada em 1996, recuando de -3,8% para -4,7%.
A análise dos componentes do PIB pelo lado da demanda destaca mais uma forte contração da absorção doméstica, que apresentou recuo de 2,1% ante o último trimestre do ano passado, na série com ajuste sazonal[1]. No comparativo interanual, este componente foi responsável pela subtração de 10,2 pontos percentuais (p.p.) na taxa de variação do PIB ante o primeiro trimestre de 2015. A queda foi tão intensa que, pela primeira vez na série histórica do IBGE, a demanda interna apresentou variação negativa em termos nominais (de -0,7%). Enquanto o consumo das famílias registrou a quinta retração consecutiva na margem, recuando 1,7% frente ao período anterior, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) encolheu pela décima vez, período no qual acumulou uma perda de 27,1%.
O destaque positivo pelo lado da demanda voltou a ser o desempenho das exportações líquidas, ajudando a suavizar a queda do PIB no período. A trajetória de deterioração da absorção doméstica reflete, por um lado, os impactos negativos provenientes do desempenho do mercado de trabalho sobre o comportamento do consumo das famílias. Os resultados mais recentes divulgados pelo IBGE indicam uma intensificação da perda de postos de trabalho, o que deve manter os níveis de confiança dos agentes em patamar reduzido. Além disso, os rendimentos seguem encolhendo em termos reais, o que deprime ainda mais o orçamento das famílias, já bastante comprometido pelo custo elevado dos serviços de dívidas feitas anteriormente. Os dados divulgados na Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do IBGE, corroboram esse cenário, apontando nova queda nas vendas do varejo ampliado, que recuaram 1,4% abril, na série sem efeitos sazonais.
Registre-se, ademais, que a queda continuada na demanda doméstica levou a uma forte redução no grau de utilização da capacidade da indústria, o que poderá retardar a recuperação dos investimentos. Outro fator negativo é a desvalorização do real frente ao dólar, que encarece a importação de máquinas e equipamentos. Por outro lado, a melhora da confiança dos investidores em relação ao futuro da economia brasileira pode contribuir para aumentar o retorno esperado dos investimentos. De acordo com estimativas próprias do Ipea, o bom desempenho dos indicadores da construção civil e do consumo aparente de máquinas e equipamentos no mês de abril indica que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) teve um bom início de segundo trimestre, com alta de 2,8% na comparação com ajuste sazonal.
Pelo lado da oferta, todos os setores recuaram na margem. Após registrar alta de 2,9% no último período do ano passado, a agropecuária contraiu 0,3%. Com isso, registrou queda de 1% no acumulado em quatro trimestres, a primeira variação negativa desde o final de 2012. Por sua vez, o setor de serviços também apresentou resultado negativo, com retração de 0,2%, a quinta variação negativa nesta base de comparação. Assim como no caso do PIB, este resultado representou forte redução na taxa média de crescimento marginal verificada em 2015, que foi negativa em -1,1%. Registre-se, ainda, que a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do IBGE, apontou mais uma queda no início do segundo trimestre, com recuo de 4,5% sobre abril de 2015. Por fim, a indústria registrou a oitava queda em dez trimestres, com recuo de 1,2% na margem, acumulando uma perda de 6,9% no comparativo em quatro trimestres.
Embora a produção industrial tenha recuado para níveis observados há quase uma década, alguns indicadores já apontam para um possível ponto de inflexão na sua trajetória de queda. Mesmo ainda apresentando alguma volatilidade no desempenho marginal, os resultados positivos têm se tornado mais frequentes. Um exemplo disso está no comportamento do indicador de produção industrial física do IBGE que, após registrar duas altas consecutivas nos meses de março (1,4%) e abril (0,1%) na série dessazonalizada, deve retroceder 1,6% em maio, segundo estimativas do Ipea.
Esta melhora recente de desempenho tem sido acompanhada por um aumento do grau de difusão, que já se encontra num patamar compatível com estabilidade. Dentre os fatores que estariam por trás desse início de recuperação, o processo de depreciação da taxa de câmbio brasileira parece estar gerando seus primeiros efeitos positivos. Com base nos indicadores de comércio exterior, já se verifica uma melhora no volume de bens exportados em alguns setores cuja atividade exportadora é mais relevante, como, por exemplo, têxteis, calçados e madeira. Além disso, nota-se também que a desvalorização da moeda pode estar estimulando alguma substituição de importações, notadamente na produção de bens intermediários.
[1] Dessazonalização própria.