Visão Geral da Conjuntura

Carta de Conjuntura nº 30

Por José Ronaldo de Castro Souza Júnior

A economia brasileira encontra-se em um longo período de recessão e já acumula uma queda de mais de 7% nos últimos sete trimestres. Apesar da contração da demanda, a inflação se mantém em níveis elevados, acima do teto da meta no acumulado em doze meses desde o início de 2015 – ano em que o IPCA acumulou uma inflação de dois dígitos. Os resultados fiscais também continuam a mostrar números negativos e, por enquanto, sem sinal de melhora devido à recessão e ao cenário político conturbado. Os dados positivos, por sua vez, vêm das contas externas, com a redução consistente do déficit em conta corrente.

As taxas de variação interanuais do PIB e da demanda interna pioraram ao longo do ano passado atingindo os valores de -5,9% e -9,7%, respectivamente, no último trimestre de 2015 (Gráfico 1), fechando o ano com variações acumuladas de -3,8% e -6,3%. Pelo lado da oferta, o destaque foi a queda de 6,2% da indústria. Já, pela ótica das despesas, o que mais influenciou negativamente foi o comportamento da formação bruta de capital fixo (FBCF), que caiu 14,1% em 2015, contribuindo com -2,72 p.p. para a queda do PIB, já descontado o efeito das importações – como mostra a Tabela 1 extraída de uma nota técnica publicada nesta Carta de Conjuntura. Se a FBCF se estabilizasse no nível do último trimestre de 2015, a queda para este ano seria de 7,8%, mas o Indicador Ipea de FBCF mostra que os investimentos continuaram a cair nos dois primeiros meses deste ano – na comparação da média de janeiro e fevereiro de 2016 com o último trimestre de 2015 – indicando que a queda no ano pode ser ainda maior.

Essa redução da FBCF, aliada ao contínuo aumento dos gastos com depreciação, fez com que os investimentos líquidos sofressem uma perda de 40% no ano passado – de acordo com cálculos feitos em outra nota técnica desta Carta de Conjuntura. O resultado disso é a redução acentuada da taxa de crescimento do estoque de capital, que, em conjunto com a desaceleração do crescimento da oferta de mão de obra e da piora da produtividade geral da economia, vem reduzindo a taxa de crescimento do produto potencial para valores abaixo de 1% a.a.. Este fato não comprometeria uma eventual retomada do crescimento no curto prazo, pois o grau de ociosidade da capacidade produtiva é atualmente muito elevado – estima-se que o hiato do produto estaria em 6,9% (Gráfico 2) –,  mas uma eventual retomada sustentável do crescimento teria de ser acompanhada de uma recuperação expressiva dos investimentos e/ou uma reversão significativa da tendência da produtividade, uma vez que o crescimento da oferta de mão de obra deve seguir numa trajetória de desaceleração imposta por fatores demográficos.

Os dados mais recentes de nível de atividade mostram que o ambiente recessivo ainda se mantém. A produção industrial e o setor de serviços continuam a sofrer perdas significativas. Já o comércio apresentou melhora na margem em fevereiro, porém insuficiente para repor a perda de janeiro. Os dados de emprego, por sua vez, mostram um saldo negativo de mais de 1,8 milhão de trabalhadores formais no acumulado em doze meses até março, de acordo com os dados do CAGED. A taxa de desemprego da PNADC aumentou de 7,4% no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2015 para 10,2% no mesmo período deste ano, uma alta de quase 3 p.p. em apenas um ano. O rendimento real habitual aferido pela mesma pesquisa também piorou, caindo 3,9% na mesma comparação de períodos.

Os desempenhos negativos do mercado de trabalho e da demanda interna foram potencializados pela política monetária restritiva, que colocou os juros em patamar elevado e contribuiu para a diminuição das concessões de crédito. No período recente, houve uma redução especialmente elevada do crédito direcionado, que havia sido o destaque positivo nos anos anteriores, mas sofreu restrições devido à falta de recursos disponíveis para empréstimos (funding) – que afetou a oferta – e à piora da confiança dos empresários e dos consumidores – que afetou a demanda por crédito.

Mesmo com esse cenário de retração do crédito e da renda, a inflação persiste em níveis elevados – acima do teto da banda inflacionária e mais que o dobro da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (4,5% a.a.). Os dados mais recentes, no entanto, mostram uma desaceleração gradual da alta dos preços ao consumidor, embora ainda insuficiente para aproximar o IPCA da meta. Dentre os principais motivos dessa desaceleração, destacam-se: o fim dos ajustes de preços administrados e a redução da inflação de serviços, que parece estar refletindo diretamente a queda da demanda.

A alta dos preços administrados no ano de 2015 está diretamente relacionado com o processo de ajuste fiscal iniciado no ano passado. Os subsídios dados anteriormente para reduzir os preços da energia elétrica, por exemplo, foram retirados e provocaram imediato impacto sobre a inflação. Apesar desse e de outros ajustes realizados, a forte redução da arrecadação (ocorrida em função da queda do nível de atividade) aliada à excessiva rigidez dos gastos públicos impediram a melhora do resultado primário (Gráfico 3). Uma série de medidas propostas pelo governo com o objetivo de melhorar as contas públicas encontram dificuldades devido ao ambiente político conturbado.

O cenário político tem impedido também que se façam discussões técnicas mais aprofundadas sobre mudanças necessárias para evitar problemas ainda mais graves nas contas públicas no longo prazo. Dada a ordem de grandeza do ajuste que seria necessário para o equilíbrio fiscal no curto prazo, que o torna pouco factível, a maior preocupação atual é justamente quanto à sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. Devido às rápidas mudanças da dinâmica demográfica pelas quais o país está passando, a dinâmica dos gastos previdenciários, tanto no regime geral quanto nos regimes próprios dos servidores públicos, é particularmente preocupante. Com efeito, a piora recente do mercado de trabalho está mudando a percepção – generalizada nos anos de bonança – de que reformas paramétricas nos regimes previdenciários poderiam ser postergadas para futuros distantes. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, as receitas previdenciárias arrecadadas pela Receita Federal reduziram-se em 5,7% em relação ao mesmo período de 2015 – já descontada a inflação medida pelo IPCA.

Outro fator que contribuiu para reduzir a arrecadação foi a queda expressiva das importações, que resultou na redução da receita com o imposto de importação – de 24,2% no primeiro trimestre de 2016 em relação ao mesmo período do ano passado – e de outros impostos (como o IPI) que também são cobrados dos produtos importados. O desempenho das importações deve-se não só à redução da demanda interna como também à variação cambial, que tornou os produtos importados menos competitivos internamente. O resultado direto do desempenho das importações foi a mudança de sinal da balança comercial, que passou a acumular superávits desde março do ano passado. O déficit em conta corrente do Balanço de Pagamentos foi beneficiado também pela redução do déficit de serviços, especialmente, por causa da redução dos gastos com viagens internacionais.

Desafortunadamente, esse ajuste das contas externas não tem contado com a ajuda da demanda internacional. Nos mercados financeiros internacionais, apesar da pequena melhora nas últimas semanas relativamente ao início de ano turbulento, ainda há grande incerteza quanto ao desempenho da economia mundial tanto no curto quanto no longo prazo. A boa notícia é que os mercados de commodities apresentaram altas de preços nas últimas semanas, embora não se saiba quanto por quanto tempo essa reação irá durar.

A superação do atual quadro recessivo, dificilmente, será simples ou rápida. Uma agenda mínima nessa direção inclui o restabelecimento das condições para o equilíbrio fiscal no médio prazo (de alguns anos a uma década), a retomada da capacidade do executivo federal de aprovar medidas de política econômica no Congresso Nacional e a mitigação do atual quadro recessivo. Por óbvio, a recuperação da atividade econômica pressupõe que esta pare de piorar, o que, infelizmente, ainda não aconteceu.

É provável que o debate dos próximos meses se concentre sobre a combinação de medidas que, simultaneamente, estejam voltadas para a estabilidade econômica no médio prazo e que permitam a recuperação da atividade econômica no prazo mais curto possível. Espera-se que o consenso sobre as graves carências de infraestrutura do país – e dos impactos negativos destas últimas para o incremento da produtividade da economia – seja levado em consideração nestas discussões. Nesse contexto, parece importante evitar que os investimentos públicos – que já caíram 35% em 2015 – venham a sofrer novas quedas neste ano e que se redobrem os esforços de atração de investimentos privados em concessões públicas.

Acesse o texto completo



------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Fale com o autor

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *