O Serviço Público Federal Brasileiro e a Fábula do Ataque das Formigas Gigantes

O Serviço Público Federal Brasileiro e a Fábula do Ataque das Formigas Gigantes

Entre 1816 e 1822, quando os problemas centrais do Brasil eram a escravidão e a economia de padrão predatório – extrativista e do latifúndio monocultor –, o naturalista Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) consignou que o grande risco ao futuro do país seria o das formigas gigantes, as saúvas. Daí sua frase: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. Do século XIX até hoje, nem o Brasil acabou com a saúva e nem a saúva acabou com o Brasil, mas a frase permanece célebre e muito usada em analogias. Serve, por exemplo, como fábula sobre o debate a respeito das contratações e gastos com servidores públicos. Há uma visão largamente disseminada de que o serviço público federal brasileiro, sem exceção, é marcado por uma tendência crônica de inchaço e empreguismo, característicos de um clientelismo e patrimonialismo arraigados e de uma partidarização contumaz. Daí resultariam contratações ou nomeações por critérios no mínimo duvidosos ou flagrantemente perversos. O objetivo geral que guia esta análise é o de verificar se, em âmbito federal, os dados confirmam ou refutam essa visão largamente disseminada, ou se estamos diante de uma história que, tal e qual a de Saint-Hilaire, pode até ter um fundo de verdade, mas se torna célebre mais em função de seus exageros do que da precisão de seu diagnóstico. Em síntese, demonstra-se que, de 1992 até 2014, houve um incremento do número de servidores concursados, em dois momentos bem definidos. Primeiro, de forma pontual, no ano de 1995, como resultado do desenho das carreiras previstas pelo Plano Diretor da Reforma do Estado. Depois, a partir de 2003, e de forma bem mais pronunciada e consistente, no decorrer de toda uma década.

A trajetória se deveu não só a novas políticas governamentais que demandaram quadros técnicos específicos como também para atender a recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou irregulares os expedientes precários de recrutamento utilizados nos anos 1990, como terceirizações e contratações avulsas por meio de organismos internacionais, entidades sem fins lucrativos e similares, para atividades que eram próprias do serviço público, e não de natureza complementar. Dessa forma, a tendência de queda do número de servidores verificada na década de 1990 foi paulatinamente revertida, mas o atual número de servidores federais do Poder Executivo apenas voltou a equiparar-se ao observado em 1992. As próprias despesas com pessoal da União apresentaram trajetória declinante, salvo em períodos de crise. Isso não descarta a preocupação com a existência de valores aberrantes de remuneração, sobretudo presentes no Judiciário, que tornaram o dispositivo do teto salarial, praticamente, letra morta. O aumento do número de cargos de confiança seguiu comportamento similar à da taxa de crescimento do número de servidores. Além disso, houve ampliação da profissionalização do serviço público federal nos cargos de livre provimento, pois a proporção de servidores de carreira ocupando esses cargos aumentou nos últimos anos. O número de servidores no Brasil está abaixo do observado em outros países, embora os custos com o pagamento de servidores públicos estejam em patamares equivalentes ao custo médio de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Contrariamente à ideia de inchaço, as evidências são de que um grave problema a ser enfrentado é o do baixo número de servidores públicos do Estado brasileiro e seu emparedamento por problemas de ordem fiscal. Embora seja absolutamente imprescindível ao país, o servidor público e seu custeio são muitas vezes tratados como problemas cuja solução demandaria cortes de gastos, e não uma melhor alocação desses recursos e um melhor dimensionamento da força de trabalho em áreas prioritárias. Ao final, o texto tece recomendações e oferece propostas sobre o que fazer a esse respeito, dada a grande importância do tema para a sociedade, que anseia por serviços públicos de qualidade, com a garantia de direitos e desenvolvimento inclusivo. Propõe-se, na linha da transparência ativa, aprofundar o oferecimento de informações regulares e qualificadas a respeito do serviço público federal brasileiro, por meio de processos sistemáticos de prestação de contas; a formulação de um plano decenal de organização, qualificação e inovação do serviço público; e a criação de um observatório do serviço público.

Ipea


Autor


Pires, Gustavo M. V.

Schettini, Bernardo P.

Luciano Vereda

Santos, Cláudio Hamilton M. dos

Felix Garcia Lopez

Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa

Pedro Herculano de Souza

José Celso Cardoso Jr.

Roberto Nogueira

Sérgio Wulff Gobetti

Rodrigo Octávio Orair

Eneuton Pessoa Carvalho Filho

Sheila Cristina Tolentino Barbosa

Antonio Lassance

Erivelton Pires Guedes

Eneuton Dornellas Pessoa de Carvalho Filho


09/04/2018 - 19:42:08




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