Seção 1 - Grandes números sobre o total de vínculos públicos formais no Brasil, em mais de três décadas


As informações nesta seção tratam dos totais gerais sobre os vínculos de trabalho formais ativos no setor público e privado, mas com destaque para o setor público. Apresentam-se o total de servidores públicos por nível federativo – municipal, estadual e federal – e por Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. As principais informações analisadas foram extraídas da base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), de 1986 a 2017. Para detalhes sobre o que constituem os vínculos formais de trabalho no setor público, remete-se o leitor para a seção de metodologia.

Conteúdo

  1. Evolução geral do total de vínculos no setor público
  2. Evolução dos vínculos públicos, por nível federativo
  3. Totais de vínculos de Estatutários, Celetistas e Temporários
  4. Totais de vínculos públicos por Região e UF

Evolução geral do total de vínculos no setor público (em comparação com o setor privado) - 1986-2017

Nas últimas três décadas, de 1986 a 2017, o total de vínculos de trabalho formais no país - incluídos o setor público e privado — aumentou 97%, de aproximadamente 33 milhões para 66 milhões, mas o apogeu ocorreu em 2014, com o registro de 76 milhões de vínculos (128%, em relação à 1986). A partir de 2015, o mercado de trabalho se retraiu em mais de 10 milhões de vínculos. No setor público, o total de vínculos aumentou de aproximadamente 5,1 para 11,4 milhões, no mesmo período (Gráfico 1A) - sem incluir as empresas públicas, cujo total declinou ao longo do tempo. A expansão global no setor público foi, portanto, de 123% em relação à 1986, com crescimento anualizado de 2,6%.

No setor privado — formal — houve expansão de 95% no total de vínculos (Gráfico 2A), e devem ser considerados dois aspectos. Primeiro, no setor privado parte da expansão do mercado pode ocorrer no trabalho informal, que não é captado na base da RAIS utilizada nesta análise. De fato, desde 2015, as contratações informais ganharam força. O segundo aspecto é que o setor privado reage de forma mais direta e imediata às intempéries da economia e com a crise em que o país se encontra desde 2015, a redução neste setor foi de aproximadamente 10 milhões de vínculos; de 63 milhões, em 2014, para 53 milhões, em 2017. Se a discrepância ocorrida em função da crise econômica nos últimos anos for excluída, e se analisar a expansão do setor privado até 2014, esta foi de 133% — expansão anual de 3%, superior o observado no setor público.

Como retratam o Gráfico 1B e a Tabela 1, o número de vínculos formais de trabalho é sempre superior ao número de pessoas, pois uma pessoa pode ter mais de um vínculo formal de trabalho. A diferença entre o total de vínculos e de pessoas variou de 7% a 13%, para o setor público, e de 13% a 22%, no setor privado.

Em geral, estes números globais apontam expansão em ritmo similar entre os vínculos de trabalho no setor público e privado. O setor público manteve-se entre 15,1% e 19,5% do total de vínculos registrados, na série. Em 1986, correspondiam à 15,3% do total, e em 2017 correspondiam à 17,3%. O mínimo observado, 15,1%, ocorreu em 2012 e 2014. O que se observa é que o total de vínculos de trabalho no setor público, cuja natureza dos vínculos e das atividades desempenhadas - serviços que em geral não devem ser interrompidos ou reduzidos, tais como educação e saúde - o torna mais lento à dinâmica do mercado de trabalho e os percentuais relativos, quando variam entre ambos os setores, revelam dinâmica inversa. Em períodos de menor dinamismo econômico, o setor público aumenta seu espaço mais pela retração do primeiro que pela expansão do segundo. Da mesma forma, o setor público reduz sua participação no total de vínculos quando o setor privado está mais aquecido, porque o total de vínculos neste se expande mais rápido.

Portanto, esta série de três décadas de evolução do setor público dá uma compreensão mais segura de que o tamanho do setor público, em número de vínculos se expandiu em proporções alinhadas com o setor privado, pelo menos uando considerados apenas o mercado de trabalho formal3.

Evolução dos vínculos públicos, por nível federativo (1986-2017)

A expansão do número de vínculos no setor público ocorreu principalmente nos municípios. O total de vínculos municipais aumentou 276% e passou de 1,7 milhões para 6,5 milhões, de 1986 a 2017. Esta expansão significativa, ao ritmo anualizdo de 4,2%, explica porque o nível municipal passou de 34% para 57% do total de vínculos no setor público, neste período. O movimento de municipalização da burocracia pública brasileira é uma tendência que ocorre desde os anos 1950 e se acentuou nos anos 1970 e, principalmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (Pessoa, 2002; Nogueira & Cardoso Jr., 2011). A ampliação de competências e atribuições aos municípios, incluídos os provimento de serviços que integram o núcleo do Estado de Bem-Estar - Educação, Saúde e Assistência — responde por grande parte desta expansão. Os dados sobre ocupações das pessoas com vínculos públicos indicam que estas três áreas respondem por quase metade dos vínculos municipais.

O total de vínculos estaduais aumentou de 2,4 para 3,7 milhões — crescimento de 50% --, mas o percentual de vínculos estaduais no conjunto do setor público foi continuamente diminuindo e passou de 47,9% para 32,3%, em face expansão mais vigorosa no total de vínculos municipais1

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O total de vínculos federais - civis e militares - se expandiu 28% e passou de 923 mil para 1,18 milhões, de 1986 a 2017. Nesta expansão, dois aspectos sobressaem. A primeira é que, no total de vínculos do setor público, os vínculos federais reduziram sua participação de 18,1%, em 1986, para 10,4%, em 2017, também por conta da forte expansão dos vínculos no nível municipal. O segundo aspecto é que a ampliação numérica contém uma trajetória que não é linear. De 1986 à 1994 houve relativa estabilidade no total de vínculos, ao que se segue, de 1994 à 2003, tendência de redução do total de vínculos, mais acentuado na administração indireta. De 2004 a 2017 houve retomada do crescimento dos vínculos. Neste período, observa-se em 2007 e 2010 dois picos de crescimento decorrentes da contratação, pelo IBGE, de recenseadores2.

A expansão observada nos anos 2000 conjuga políticas deliberadas de recomposição dos quadros de servidores e imposições do Tribunal de Contas da União (TCU), que em 2002, “[...] considerou irregulares os expedientes precários de recrutamento utilizados nos anos 1990, como terceirizações e contratações avulsas por meio de organismos internacionais, entidades sem fins lucrativos e similares, para atividades que eram próprias do serviço público, e não de natureza complementar” (Lassance, 2017, p. 10; ver também Nogueira, 2015; TCU, 2002 e, principalmente, TCU, 2005). Lassance (2017) detalhou um pouco mais esses dados:

“em 2003 foi autorizada a abertura de 24.808 vagas para concursos para o nível federal, sendo mais de dois terços (15.394) destinadas ao Ministério da Educação (MEC). Destas, metade (7.700) eram para substituir terceirizados em hospitais universitários. Àquela época, no Ministério do Meio Ambiente (MMA), 95% da força de trabalho era formada por terceirizados, temporários ou comissionados. No Ministério da Saúde (MS), 75% dos funcionários atuavam sob regime de contrato temporário. Até 2005, o Ministério do Planejamento (MP) informou ao TCU ter substituído 24.306 servidores terceirizados por concursados. A partir de 2006, o MP se comprometeu a totalizar, até 2010, mais 33.125 novas vagas, o que perfazia um total de mais de 57.400 substituições de terceirizados por concursados” -- Ver também TCU (2005), em especial a tabela 6.

Cavalcante e Carvalho (2017) calcularam que, após 2003, no Executivo federal, apenas 10% dos ingressos corresponderam às carreiras do “núcleo do Estado” – conforme definição do Plano Diretor de Reforma do Estado do governo FHC –; de 2003 a 2014, além das carreiras do núcleo do Estado outras 34 carreiras receberam admitidos. (Cavalcante e Carvalho, 2017, p. 9). Cardoso e Nogueira (2018), com base nos dados quantitativos e do perfil dos novos recrutados, interpretam que este movimento de equivalência numérica observado entre 1991 d 2018, omite uma diferença relevante, que o crescimento dos anos 2000, conforme retratado nos dados acima, sugerem uma “recomposição legalizadora e modernizadora” que tanto substituiu pessoas irregularmente contratadas por servidores efetivos quanto criou novas carreiras transversais para atuar em diversos órgãos do poder Executivo.

A trajetória do setor público federal, contudo, ganha contornos mais precisos, quando se separam os vínculos na administração direta e indireta, e especificam o total de civis e militares. Considerando apenas os vínculos civis, o total de vínculos diminuiu de aproximadamente 605 mil, em 1986, para 480 mil, em 2003. A partir de 2004 há ampliação consistente - quando se consideram as contratações circunstanciais para censos agropecuários e populacional do IBGE —, até 2017. Entre os militares, as trajetórias é mais errática, porém semelhante. Em termos proporcionais, contudo, os militares passaram de 34% para 30% do efetivo de vínculos federais ativos. Em números absolutos, o total federal passou de 319 mil para 354 mil, em 2017, o que representa um crescimento de 11,1%.

Em geral, o movimento ocorrido nos vínculos do setor público é de ampliação em todos os níveis, concentrado principalmente no nível municipal, onde também houve expansão mais visível das demandas por serviços públicos e, por isso, também de servidores públicos.

Totais de vínculos de Estatutários, Celetistas e Temporários

A natureza do vínculo com o setor público - estatutário vinculado ao Regime Jurídico Único, contratado sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou contratados temporariamente - aponta aumento de 81,7% para 87,8% o total de vínculos estatutários, a partir de 1994, quando estes dados estão disponíveis. Da mesma forma, subiu de 0,9% para 7,4% as contratações temporárias. O crescimento de ambas implicou a redução da contratação de celetistas, em termos percentuais, que passou de 17,3% para 4,8% do total, entre 1994 e 2017.

Na administração federal, o recrutamento de servidores estatutários é amplamente majoritário, mas decresceu nos últimos anos. Os vínculos estatutários eram 97% em 1996 e a partir de 2011 se observa redução que chegou ao mínimo de 92% em 2017 — se desconsiderarmos os anos de 2007 e 2010 cujo percentual de temporários sobe devido à contratação de recenseadores pelo IBGE. É a contratação temporária que apresenta crescimento, tanto de 1998 a 2000, quanto em 2017, quando representa aproximadamente 5% dos vínculos totais na administração pública federal.

Nas administrações estaduais, o movimento é similar. O percentual de vínculos estatutários variou entre o mínimo de 88% - em 1994 — ao máximo de 93,3% — em 2001. Mas, no geral, houve certa estabilidade. As mudanças, em percentuais, ocorreram entre celetistas e temporários. Os primeiros caíram de 10% para 3% do total de vínculos estaduais e os temporários passaram de 2% a 8% deste total, apresentando crescimento quase contínuo.

Nos municípios, que concentra 60% dos 11,4 milhões de vínculos de trabalho registrados em 2017, é onde ocorreram as maiores mudanças na natureza dos vínculos de trabalho. Os vínculos estatutários passaram de 66% para 86% do total. Os vínculos celetistas caíram de 30% para 7,6% do total e os vínculos temporários aumentaram de 1% para 8% do total. Considerando a magnitude do crescimento dos vínculos estatutários, é seguro dizer que houve maior profissionalização das burocracias locais, no mínimo, porque é nos municípios que os sistemas de espólio com demissões e contratações motivadas por razões político-eleitorais ocorrem em maior magnitude. Uma parcela maior recrutada por regime jurídico único é um indício de enfraquecimento deste sistema.

Totais de vínculos públicos por Região e UF

Primeiro, uma comparação entre os vínculos do setor público e do setor privado4.

  • Na região Sudeste, o percentual de vínculos públicos passou 12% para 14% do total de vínculos públicos, de 1986 a 2017 (14%, na média da série).

  • Na região Sul, o percentual caiu um pouco no mesmo período, de 14% para 13% (14%, na média da série).

  • Na região Centro-Oeste, que apresenta a maior proporção de vínculos públicos em relação ao setor privado -- possivelmente por conta da Capital Federal --, o percentual dos vínculos públicos caiu de 33% para 24% (média de 28%, na série).

  • Na região Nordeste, o percentual de vínculos públicos em relaçao ao setor privado, caiu de 29% para 27% (sendo 28%, na média da série).

  • Na região Norte, ao contrário das demais, a participação dos vínculos públicos aumentou de 25% para 34% (sendo 32%, na média da série).

Em geral, como já se notou neste Atlas, quando há estagnação ou retração nas contratações de trabalhadores, o setor privado se contrai mais rápido que o setor público, o que acaba por aumentar o espaço dos vínculos do setor público em relação ao setor privado. Quando a economia está em expansão o movimento de inverte e o espaço do setor público se reduz. Esse movimento se observa em diversos gráficos que comparam a evolução temporal da proporção de vínculos no setor público e no setor privado.

Em 2017, a região Sudeste sediava o maior percentual do total de vínculos do país no setor público (37%), seguida da região Nordeste (26%), região Sul (13%), região Centro-Oeste (12%) e região Norte (10%). Embora a região Norte possua menor número de vínculos, foi a região com a maior expansão comparada. Em 1986, possuia apenas 5% dos vínculos públicos. A região Sudeste, por sua vez,teve sua participação reduzida de 43% para 37%, no mesmo período.

Em relação ao total de vínculos federais, a região Sudeste reduziu sua participação de 39% para 30% ao passo que o Centro-Oeste, onde está a capital federal, ampliou sua participação de 27% para 39%. Esta quase substituição entre as duas regiões ocorreu principalmente pela crescente concentração de servidores federais no Distrito Federal em correspondente redução destes no Rio de Janeiro, antiga capital federal.

Na região Norte, o percentual de servidores federais passou de 6% para 8%, na região Nordeste o percentual caiu de 18% para 15% e na região Sul o valor permaneceu estável, em 9%.

Em relação ao total de vínculos estaduais, a região Sudeste possuía 40%, em 2017, reduzindo um pouco sua participação em relação à 1986, quando era de 43%. Os vínculos estaduais na região Centro-Oeste aumentou de 9% para 12%, na região Norte, aumentou de 6% para 12%, na região Nordeste, caiu de 26% para 22% e, na região Sul, caiu de 15% para 14%.

No nível federativo municipal, embora se note forte expansão no total de vínculos em todas as regiões, os percentuais relativos variaram de forma significativa. A região Sudeste reduziu seu espaço de 44% para 37%, bem como a região Sul, de 20% para 14%. No Centro-Oeste, o percentual em relação ao total de vínculos municipais do país aumentou de 5% para 8%, no Norte, de 3% para 10% e no Nordeste, de 28% para 31%.

1.A expansão do setor público municipal, em particular nestas áreas, está associado à redução da pobreza, do analfabetismo, aumento da média de anos de estudo e da esperança de vida dos cidadão, em grande medida pela ampliação do acesso aos serviços.

2.Os vínculos do IBGE, em 2007, foram de aproximadamente 99 mil, bem superior aos 10 mil registrados no ano anterior. Em 2010, os vínculos deste órgão foram a 221 mil, por conta do censo populacional. O valor é excepcional, em face dos 14 mil registrados no ano anterior. Cada ainda ressaltar que, para o censo de 2000, o IBGE não registrou na RAIS os vínculos temporários contratados, e o crescimento excepcional naquele ano está ausente.

3.Neste caso, essa conclusões podem ser alteradas quando se observa o movimento do contingente de pessoas que atuam no mercado de trabalho informal quanto de terceirizados no setor público, que não estão registrados na RAIS. Espera-se, por exemplo, que o número de terceirizados tenha aumentado no setor público federal, nos últimos anos.

4.Inclui-se apenas o total de vínculos do setor privado e do setor público, excluindo-se empresas mistas e naturezas jurídicas públicas cuja nível federativo é indefinido.