A porta de entrada da cidadania

Coluna da Ouvidoria* – EBC

24/03/2014

Percebi, logo de início, que este será um ano marcante na consolidação das ouvidorias como instâncias necessárias e fundamentais ao país. Ainda nas minhas primeiras semanas de trabalho, tive a oportunidade de participar do Fórum de Ouvidorias Públicas e Privadas, que reuniu, durante três dias, mais de 300 ouvidores de entidades oficiais, empresas públicas e privadas no auditório do Banco Central**. Foram dias de um aprendizado intenso para alguém como eu, que vivi toda uma carreira trabalhando como jornalista em empresas "comerciais". Ou seja, que necessitam "vender" seu produto para sobreviver e eventualmente se expandir.

No fórum, aprendi com o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, que a ouvidoria é a porta de entrada das demandas da cidadania e que é necessário integrar as ouvidorias às demais áreas de governo de modo que o cidadão que procura uma ouvidoria tenha as respostas que deseja obter. Hage afirmou ainda que o governo federal está fazendo a sua parte para colocar o país em um nível adequado em matéria de participação, trabalhando pela viabilização do controle do poder pelo próprio cidadão. E as ouvidorias têm papel fundamental para que esse objetivo seja atingido.

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, presente ao fórum, reforçaria a importância das ouvidorias como parte integrante do processo de construção de uma verdadeira democracia. Já o ouvidor-geral da União, José Eduardo Romão, que organizou o fórum, comentou que 2014 deverá consolidar a Ouvidoria como um espaço necessário à cidadania.

De ambos os ministros de Estado, já tínhamos conhecimento sobre suas ações. Foi surpresa para nós, no entanto, conhecer algumas propostas do ouvidor-geral da União. Formado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com especialização em direitos humanos, José Eduardo Romão, mestre e doutor em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), reafirmou, durante as várias intervenções em que era solicitado durante o fórum, seu sonho ou ideal – e mais do que tudo sua determinação: fazer da Ouvidoria-Geral um instrumento eficaz e efetivo para identificar problemas vividos pelos cidadãos. E mais, que elas estejam equipadas para induzir iniciativas institucionais aptas a conduzir os serviços públicos aos patamares de excelência fixados na Constituição. Entre eles os referentes à educação, saúde, etc..

Sob a batuta brilhante – e mineiramente modesta – do ouvidor-geral, discutiram-se no fórum assuntos dos mais variados, desde a falta de condições materiais para o trabalho por parte de um bom número de ouvidores, às ocasionais dificuldades de diálogo entre o ouvidor e os chamados gestores, que detêm o poder de atender ou não às demandas encaminhadas pelas ouvidorias. Discutiu-se ainda o risco de essas mesmas ouvidorias se transformarem em mais uma "carreira" dentro da administração do Estado, já considerada "pesada". Talvez por isso vários dos participantes do fórum, vindos de lugares distantes como o solitário ouvidor público do estado do Amapá, iniciaram suas intervenções – algumas delas, como foi o caso, emocionantes – afirmando "estou ouvidor" e não se identificando como "sou ouvidor". Debateram-se ainda o papel do ouvidor na prevenção de conflitos, a capacitação do ouvidor, hoje feita de forma muito variada e quase sempre sujeita a influências políticas.

Discutiram-se, com posicionamentos divergentes, os projetos de lei (PLs) que tramitam atualmente no Congresso Nacional sobre a regulamentação das ouvidorias. A ampla maioria dos ouvidores presentes tem esta ou aquela restrição a esses projetos. A questão fundamental no caso é a da tipificação da ouvidoria, já que elas atendem a demandas específicas e variadas. Outra preocupação foi a da colocação das ouvidorias públicas e privadas sob uma única e idêntica regulamentação. Como lembrou José Eduardo Romão, há uma diferença básica entre elas: o Estado é um distribuidor de cidadania, uma empresa privada é distribuidora de lucros. Ou seja, o mesmo chapéu legal não pode cobrir as duas finalidades.

Do alto da sua experiência, Romão preferiu não avançar nessa questão. Trabalhando na área desde 2008, quando foi nomeado ouvidor-geral da União, ele diz que a consolidação do Estado Democrático de Direito em nosso país está sendo feita por etapas. Trata-se de um processo na busca de uma autêntica democracia participativa num país onde analistas do comportamento já escreveram páginas e mais páginas sobre a resistência da população em reclamar seus direitos, o que, em última análise, significaria dividir as responsabilidades da governança com as autoridades constituídas.

Romão reconhece essa dificuldade. Mas, segundo ele, é chegado o momento da institucionalização de uma rede de órgãos públicos capaz de atribuir efetividade e materialidade ao direito à informação, do qual depende o exercício diário da cidadania. A atuação de Romão como ouvidor-geral da União foi reconhecida como decisiva na época da aprovação da Lei de Acesso à Informação (LAI), que ele considera um avanço enorme no processo da democratização. A próxima etapa, ou a próxima batalha desse jovem servidor público, que é capaz de se emocionar tanto quando fala do seu trabalho, como do nascimento da sua filha ocorrido há pouco tempo, é a construção de um Sistema Federal de Ouvidoria, com um marco legal que contenha toda a legislação necessária. "Imagine que ainda temos ministérios sem Ouvidoria", observa.

Ao final do fórum, encerrado com dois representantes do Legislativo, a senadora Lucia Vânia, ouvidora do Senado, e o senador Paulo Paim (que se autodefiniu como um "ouvidor itinerante permanente"), todos os presentes aplaudiram de pé as novidades anunciadas pela dupla. Primeiro, Lucia Vânia falou sobre a criação de um programa na rádio e na TV Senado, cuja produção, já em andamento, entra no ar nos próximos dias, dedicado às ouvidorias públicas e privadas. Em seguida, Paulo Paim comprometeu-se a organizar o mais rápido possível uma audiência pública com a presença dos representantes das ouvidorias, para discutir detalhadamente os projetos que estão no Congresso e mais, para a introdução de novas propostas vindas efetivamente das bases. Ou seja, dos ouvidores.

De fato, parece ter chegado a hora das ouvidorias. Como lembra José Eduardo Romão, o Fórum das Ouvidorias foi aberto por dois representantes do Executivo, encerrado com a participação entusiasmada de dois representantes do Legislativo e teve entre os seus credenciados representantes do Ministério Público e do Judiciário. Os Três Poderes estiveram presentes. E um quarto poder, a opinião pública, também estava lá, por meio dos seus mais legítimos representantes: os ouvidores.

*Gomes Pinto, ouvidor-adjunto da EBC

**O Fórum de Ouvidorias Públicas e Privadas foi uma iniciativa da CGU em parceria com a Associação Nacional de Ouvidores Públicos (Anop), a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO) e a Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente (Abrarec), e com o apoio da Petrobras e do Banco Central do Brasil.