Weneck Vianna faz reflexão sobre Estado e sociedade em palestra no Ipea

27/02/14

Para Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-RJ, importante intelectual e pensador do país, não há respostas imediatas para a conjuntura de efervescência social que inaugura um novo momento político da história brasileira. Para ele, deve haver cautela quanto à "aceleração política como impulso da vontade", e adverte todos os jovens que estavam presentes à sua palestra no Ipea de que há uma "cultura política golpista em nós, brasileiros".

No ano que comemora o cinquentenário do instituto, a conversa de aproximadamente duas horas, organizada pela Diest (Diretoria de Instituições, Estado e Democracia) e pela Disoc (Diretoria de Estudos e Políticas Sociais), dia 24,  em Brasília, teve como tema "O que está acontecendo no Brasil". Vianna expôs um panorama de nossa sociedade ao longo dos anos 20, 30, até os dias de hoje, a partir de uma perspectiva das relações entre Estado, corporativismo e liberalismo.

"Eu sou admirador dessa instituição (o Ipea). O que faz com que os intelectuais tenham esse protagonismo na nossa sociedade...? Porque essa é uma instituição de intelectuais, uma carreira de Estado criada para intervir...Por quê?", questionou, na introdução da reflexão sobre o papel do Estado, ao mencionar que na Bolívia há também órgão semelhante.

"O longo ciclo da modernização burguesa brasileira se arrasta diante de nossos olhos". Ele explica que esse ciclo se institui na década de 30, mas remete à formação do Império. E lembra, pausadamente, as experências dos anos 20, quando existe no mundo um pensamento antiliberal, a exemplo do fascismo italiano e do nazismo alemão, com reflexos em nossa sociedade.

"Padres, operários, o movimento sindical, greves de 14, 18, 19, fundação do Partido Comunista em 1922, Semana de Arte Moderna, tenentismo.Tudo condensado em uma década, que precipitou nela todos os problemas de uma sociedade que saíra da escravidão, do patrimonialismo do estado, para o trabalho livre, a República, as instituições político-liberais, tais como na Carta de 1891, monumento do liberalismo brasileiro, em que Rui Barbosa, esse grande liberal brasileiro, teve um papel determinante".

A partir deste quadro, ele comenta o surgimento de uma interpretação hegemônica que tem ligação com a "natureza do idealismo constitucional em oposição à estrutura orgânica do país". Observa o professor, sobre as instituições que se estabelecem de cima para baixo à época da Carta de 1891, que "era preciso intervir de uma forma tal que a nossa organização constitucional refletisse o nosso modo real, efetivo de ser, em detrimento de modelos anglo-saxões para uma sociedade que não conhecia o indivíduo livre nem a livre associação".

Na crise que envolvia Estado, ao citar os tenentes, Vianna reconstitui a manifestação dos 18 do Forte de Copacabana dizendo, sobre as motivações dos tenentes na rua Siqueira Campos, nome que homenageia o tenente que abre fogo contra o Exército, que "a própria vida não estava fazendo sentido diante do sentimento de exasperação, de repulsa às circunstâncias". Ainda, discute-se que "uma parte deste Estado, o Exército, se levantou em armas contra a configuração da época em um nível de radicalidade que a sociedade brasileira raramente vai conhecer igual".

Por sua vez, a Constituição de 1934, segundo o cientista social, está imersa em princípios do corporativismo, representados no parlamento, ao lado da representação política liberal, juntamente à legislação social, como o modelo italiano. "Um caminho em direção ao moderno que não significou ruptura com a tradição, mas compromisso com ela", completa. "Nós tivemos a modernização sem o moderno. O estado foi mais moderno que a sociedade. Toda a modernidade que a sociedade brasileira produziu nos anos 20 foi trazida para o interior do estado, que ampliou a sua hegemonia". Ao falar sobre a "estadofilia" existente no fascismo, ele continua sua argumentação citando exemplos "do New Deal do Roosevelt, dos planos quinquenais soviéticos".

Após a queda do nazi-fascismo, surgem novos partidos, como o Partido Social Brasileiro (PSB), e, embora não tenha sido triunfante a reconstituição, em 1946, do liberalismo, devido, segundo ele, às instituições advindas do Estado Novo, ele cita que as as ligas camponesas surgem como um contraponto relevante por questionarem a ordem dos valores burgueses.

Democracia

Questionado, ao não mencionar a Constituição de 1988, sobre a crise das instituições da democracia liberal, os caminhos da representação, os direitos mediados pelo Estado, as manifestações, os movimentos não-institucionalizados, a utilização da violência e a demanda democrática represada, ele responde, de modo enfático: "Democracia representativa, tô nessa!".

"É preciso acreditar nas instituições da democracia política, nós não temos outras...Soviets, conselhos... fudeu, acabou, não tem mais... Partidos, parlamentos, sindicatos, a pluralidade toda do mundo". Ainda, sobre a "crise do Partido Comunista", do qual ele fez parte, ele mencionou que "o culto à vontade da Revolução Cubana inebriou a inteligência latino-americana".

"A política deve agir para que a mudança venha, mas eu não vou entrar nisso porque trata-se de toda a literatura do mundo... Aristóteles, Maquiavel, como combinar sorte e virtú...".

 

Luiz Werneck Vianna é doutor em Sociologia pela USP, professor/pesquisador da PUC-RJ, ex-membro do Conselho Consultivo do Departamento de Pesquisas Judiciárias, do Conselho Nacional de Justiça. Entre suas principais obras estão Liberalismo e Sindicato no Brasil (1976); A Revolução passiva- Iberismo e Americanismo no Brasil (1997); A Judicialização da Política e das Relações Sociais (1998);A Democracia e os três poderes no Brasil (2002); A Modernização e o Moderno (2012).