Técnico do Ipea explica relações entre organizações sociais e políticas públicas

11/04/13

Artigo publicado no terceiro Boletim de Análise Político Institutiocal do Ipea/Diest, intitulado As Organizações da Sociedade Civil e as Políticas Públicas Federais (2003-2011), aborda o tema das organizações sociais em relação ao poder público. Confira a entrevista realizada com um dos responsáveis pelo estudo, o técnico em planejamento e pesquisa do Ipea, Felix G. Lopez.

Participação em Foco: Qual é a definição de organizações da sociedade civil compreendida no artigo?

Na literatura, há uma diversidade de noções e conceitos neste campo de pesquisa (organizações não governamentais - ONGs, entidades sem fins lucrativos - ESFL, terceiro setor e outros).

No artigo, utilizamos duas classificações. A primeira, que é mais geral, é a definição jurídica utilizada pelos órgãos governamentais brasileiros, que são as entidades sem fins lucrativos, que incluem organizações como sindicatos e partidos políticos, por exemplo. Utilizamos o termo organizações civis, quando analisamos os dados das organizações formalmente independentes do Estado, que não têm filiação compulsória e que não tenham fins lucrativos. Nessa segunda classificação estão excluídos os sindicatos, o chamado "sistema S" e a maior parte das federações e confederações.

Participação em Foco: Quais são os principais desafios hoje da presença das organizações da sociedade civil em torno do debate das políticas públicas?

O mais relevante desafio diz respeito à compreensão do papel e relevância dessas organizações em diferentes áreas de políticas públicas. Como mostramos no texto, a cooperação com essas organizações está crescendo nos níveis de governo estadual e, principalmente, municipal. A maior parte da cooperação – no nível federal, ressalte-se – está nas áreas de saúde, educação e pesquisa.

Não sabemos ainda as razões para esse crescimento da cooperação, mas o dados que temos de pesquisa realizada junto aos gestores federais indicam que as organizações civis cumprem funções que dificilmente poderiam ser assumidas pela administração pública, tais como desenvolver formas originais de implementar políticas, alcançar grupos nos quais a burocracia dificilmente consegue contato, estar mais próximo das demandas da população. Então, não dá para substituir OSCs por burocracia pública. Por outro lado, é verdade que parte das ações levadas a cabo por OSCs junto aos governos decorre da precariedade dos quadros da burocracia, ou seja, falta pessoal. E todos esses aspectos que mencionei provavelmente são ainda mais relevantes nos níveis subnacionais de governo.

Existe, como desafio mais estrutural, a necessidade de aprovar uma legislação que possa ser mais adequada para dar conta do tipo de relação de parceria entre Estado e organizações civis. Hoje, essa legislação não existe, mas há um projeto, o Marco Legal para as Organizações Civis, que foi debatido em 2012 por todos os setores do governo federal. Este projeto será submetido à consulta pública e à apreciação do Congresso Nacional. Espera-se que essa nova legislação defina de forma mais precisa os termos da cooperação entre OSCs e governos, cooperação que tem sido relevante para o Estado brasileiro implementar políticas públicas fundamentais.

Participação em Foco: As transferências estatais para as organizações da sociedade civil compromete a autonomia destas instituições?

Essa pergunta é muito importante e muito difícil de responder, especialmente porque o universo e diversidade de organizações é muito grande. Uma coisa a observar é que o financiamento estatal às organizações civis tem crescido em todo o mundo. Esse movimento que, no Brasil, começou ainda na década de 80, não é nenhuma novidade. No entanto, há pelo menos três pontos importantes a considerar. O primeiro é que as organizações passam a se orientar mais por prestar serviços via implementação de políticas públicas, o que desloca energia de protesto para a implementação. Em segundo lugar, a convivência próxima com os governos faz com que a própria lógica de atuação e compreensão das questões públicas e de políticas públicas do governo seja gradualmente internalizada pelas organizações. E, por fim, a possibilidade de cooptação política.

Participação em Foco: No artigo há a informação de que existem 300 mil OSCs hoje; as que recebem recursos correspondem a 10 mil. Por que isso acontece?

O último censo de organizações civis, que o IBGE oficialmente denomina de "Fundações e Associações Sem Fins Lucrativos – FASFIL", indicava 290 mil organizações atualmente funcionando no país. O número de entidades sem fins lucrativos é o dobro disso. As 10 mil organizações referem-se a um período de quase 10 anos, pois a série histórica que analisamos vai de 2003 a 2011. Mas lembre-se que os dados são apenas para a administração federal. Se incorporarmos estados e municípios, os números serão bem maiores. A questão que parece mais relevante é: no universo de organizações, poucas cooperam ou recebem recursos federais. Acho que é preciso rediscutir questões relacionadas aos tributos, isenções e incentivos para que a sociedade possa ter maior estímulo para financiar as organizações civis.

Participação em Foco: Por que os gestores têm receio em celebrar convênios com as OSCs?

A situação algumas vezes é dilemática. Os convênios com OSCs são necessários, mas a legislação atual e suas exigências em parte criam alguns riscos para os gestores. Isso ocorre tanto porque a legislação e, em particular, os órgãos de controle, são por demais formalistas, quanto porque as próprias organizações prestam contas com qualidade precária sobre as ações realizadas. Nesse cenário, e considerando que problemas decorrentes dos convênios serão creditados ao gestor – na forma de um processo administrativo, por exemplo – reduzem-se os incentivos. Soma-se a isso certo ethos anti-OSCs com as denúncias de corrupção, iniciadas em 2010.