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Política Econômica Em busca do elixir do crescimento - É preciso ir além dos fundamentos para atingir a expansão sustentada

2005. Ano 2 . Edição 12 - 1/7/2005

Mesa-redonda no Instituto de Pesquisa Aplicada debate um roteiro de mudanças para sustentar a expansão da economia brasileira e as reformas que ainda são necessárias.

 
Por Ottoni Fernandes Jr., do Rio de Janeiro

Ao completar um ano de existência, a revista Desafios volta a debater um tema que faz parte permanentemente de sua pauta: como alcançar o crescimento econômico sustentado, que impulsione o desenvolvimento humano e permita reduzir as desigualdades sociais. Com essa finalidade, foi realizada uma mesa-redonda no escritório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Rio de Janeiro, no dia 22 de junho, com a participação dos pesquisadores da instituição, João Alberto De Negri, Marcelo Piancastelli, Fábio Giambiagi e Regis Bonelli, e o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Luiz Gonzaga Belluzzo. A coordenação dos trabalhos coube a Paulo Levy, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea.

Ficou evidente que a sustentabilidade do crescimento econômico não depende apenas de fatores no campo da economia, como o aumento da taxa de investimento, mas de um arranjo institucional que dê segurança aos investidores. Embora o Estado já não tenha um papel tão determinante para sustentar a expansão da economia, como nos anos 60 e 70 do século passado, não pode deixar de ser um ator de primeira linha, especialmente para melhorar a qualidade de seus gastos, que libere recursos para investir na área social e em infra-estrutura. A reforma do sistema previdenciário brasileiro também foi foco de intensa preocupação, sobretudo porque o aumento da expectativa de vida da população pode agravar o déficit do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que cresceu nos últimos anos. A questão da inovação tecnológica também esteve no centro das discussões, com o reconhecimento de que as empresas progrediram nesse campo, mas que ainda é preciso um impulso mais forte por parte do Estado, pois pode contribuir decisivamente para o aumento da produtividade da economia. Outro ponto que mereceu atenção dos participantes foi a necessidade de revisar o pacto federativo que resultou da Constituição de 1988, com a redistribuição de responsabilidades entre governo federal, estados e municípios. Boa leitura!

Levy - A revista Desafios, em sua primeira edição, há quase um ano, buscava discutir qual era a agenda de prioridades para garantir um processo de crescimento econômico sustentado. Partia do pressuposto de que a estabilidade econômica era essencial para promover o desenvolvimento econômico. A matéria de capa da primeira edição colocava a necessidade de algumas reformas do ponto de vista macroeconômico, entre elas a Reforma da Previdência, a Reforma Tributária, a Reforma do Judiciário e a Reforma Trabalhista, bem como a definição do marco regulatório do setor de infra-estrutura. Além disso, a matéria enfatizava, apoiada num trabalho de Armando Castelar, do Ipea, intitulado "Agenda pós-liberal de desenvolvimento ", a necessidade de reformas microeconômicas, entre as quais a Lei de Inovação, a Lei de Falências e a Lei das Parcerias Público-Privadas. Vamos retomar várias dessas questões com o objetivo de apontar quais são os desafios atuais para chegar ao crescimento sustentado.

Bonelli - Quero começar usando uma expressão que está num trabalho recente que fiz com Edmar Bacha. É uma identidade que mostra que a taxa de crescimento do estoque de capital, que é uma variável fundamental para assegurar o crescimento econômico, depende de cinco coisas: da taxa de poupança doméstica corrente, excluindo-se a variação de estoques; da utilização da capacidade instalada; da produtividade do capital; dos preços relativos da formação bruta de capital fixo (isto é, em relação ao deflator do Produto Interno Bruto); e da taxa de depreciação, sendo que esta quase não varia com o tempo. Meu ponto é o seguinte: se para o futuro repetirmos a taxa de poupança de 2004 e supusermos que nem a produtividade do capital, nem a utilização de capacidade, nem os preços relativos do investimento variem, o crescimento do PIB ficará limitado a apenas 2,2% ao ano.

A questão que se coloca então é: o que deve ser feito para acelerar a acumulação de capital e, portanto, o crescimento econômico? A taxa de investimento foi de 19,6% do PIB no ano passado. Ela já chegou a 27% em 1989, mas isso retrata um fenômeno que parece estar associado à hiperinflação. Nos últimos anos ela tem oscilado entre 18% e 21% do PIB. Assim, sem aumento da produtividade nem dos preços dos bens de investimento - e mantidos os demais parâmetros - o PIB crescerá os 2,2% anuais que mencionei.

Mas vamos supor que a produtividade de capital não mude muito a médio prazo, embora suspeitemos que ela possa melhorar se a economia crescer aceleradamente. A utilização de capacidade não pode, obviamente, crescer além de certo ponto. Aliás, já atravessamos 2004 com níveis de utilização bem altos em relação aos anos anteriores. Vamos supor também que a oferta de emprego aumente 2,2% ao ano, que é a taxa de aumento da população em idade ativa. Se, por exemplo, a taxa de poupança subir quatro pontos percentuais, para 23,5% do PIB, e os preços relativos da formação de capital diminuírem 20%, poderemos crescer praticamente até 6% anuais. O que esse exemplo nos mostra é que tudo depende de mudanças nessas variáveis-chaves. Assim, cabe à política econômica atuar para aumentar a taxa de poupança e diminuir o preço dos bens de investimento para que se consiga acelerar o crescimento econômico para além das baixas taxas médias dos anos recentes.

Giambiagi - Vivemos uma situação paradoxal no Brasil, pois existe uma configuração inédita de condições estruturais para sustentar o crescimento econômico a uma taxa razoável, ao mesmo tempo em que impera certo pessimismo quanto à conjuntura econômica. Há décadas o país não desfruta de uma situação fiscal tão boa, estamos conseguindo superávits externos de 2% do PIB, embora deva diminuir um pouco neste ano. A inflação está estabilizada. No entanto, existem dois preços que estão fora do lugar, a taxa de câmbio e a taxa de juro, mas vale considerar que o câmbio vai deslizar para uma situação mais próxima do equilíbrio. Além disso, a taxa doméstica de poupança aumentou, o que é um dos requisitos para a economia crescer a uma taxa mais acelerada, e passou de 15% do PIB em 1999 para 23% do PIB em 2004. Esse processo está associado a uma redução concomitante do consumo total, somando famílias e governo, que passou de 81% do PIB em 1999 para 74% em 2004.

Piancastelli - A redução do custo do investimento é essencial para assegurar o crescimento econômico sustentado e está naturalmente associada ao equilíbrio fiscal do Estado. Mas até agora os resultados fiscais positivos ainda não contribuíram para a redução da taxa de juro. A situação fiscal, analisada pelo resultado operacional, é favorável. Mas existe uma distorção que é pouco comentada: o governo gasta de forma ineficiente, especialmente no caso das transferências obrigatórias para estados e municípios, por exemplo, para saúde, educação, saneamento e outras obras públicas. Estamos falando de 47% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Não há nenhum controle de como esses recursos são utilizados. Assim, deve haver um controle mais eficiente do gasto público para a política econômica funcionar como indutora do crescimento e o governo contribuir para a elevação da taxa de poupança. Esse é um ponto crítico do país. Atualmente, o governo federal executa 388 diferentes programas, quando eram apenas 76 em 2000. Além disso, existem 4 mil ações de governo, ou seja, aquele item específico do Orçamento que pode consumir centenas de milhões de reais e não temos noção de como isso beneficia determinadas parcelas da população. Sem contar as transferências para estados e municípios por meio de convênios que chegam a 28 mil a cada ano, mas o governo federal só controla 50 por mês.

Para sair da armadilha fiscal e chegar a um sistema tributário mais eficiente, nós teremos de passar pelo rearranjo federativo e pela discussão da repartição da receita entre os três níveis de governo, o que não é um problema trivial por razões históricas. O deputado Delfim Netto diz que toda vez que esse assunto volta para o Congresso a emenda costuma sair pior do que o soneto, porque em toda discussão federativa as transferências para estados e municípios só aumentam. Além disso, tais transferências nunca estão vinculadas à produtividade, ao desempenho do gasto público, ao aumento de investimentos e muito menos a soluções de problemas críticos na área urbana, na área metropolitana. Por isso, eu olharia com certa cautela as afirmações sobre nossa estabilidade fiscal, porque ela ainda é frágil, especialmente pelo lado do gasto.

Existe outro fator que pode limitar o crescimento econômico sustentado. Nossas reservas de moeda externa não bastam para que o país enfrente com tranqüilidade crises e incertezas no cenário internacional. Também vale a pena refletir sobre a afirmação do Giambiagi de que o aumento da poupança interna está sendo feito à custa da redução do consumo da família e do governo. Acho que é um paradoxo, pois o aumento do investimento público é importante para sustentar o crescimento econômico.

De Negri - Bonelli mostrou a importância dos investimentos voltados para a ampliação da capacidade instalada do setor produtivo e seu impacto sobre o crescimento econômico, mas seria preciso considerar o investimento que as empresas estão fazendo em pesquisa e desenvolvimento em inovação tecnológica. A inovação tecnológica torna a produção industrial e a atividade produtiva mais flexíveis. Assim, os indicadores de utilização de capacidade instalada podem estar sendo interpretados com base em parâmetros do passado. Talvez a nova flexibilidade de produção garantida pela inovação não esteja sendo captada.

Em 2000, as empresas instaladas no Brasil investiram 3,7 bilhões de reais em pesquisa e desenvolvimento. É possível que esse valor em termos reais tenha caído em 2003 devido ao ambiente macroeconômico e às incertezas de 2002 e 2003, o que pode gerar impactos negativos ao longo do tempo. Outro fator a ser considerado, para analisar as condições de sustentação do crescimento econômico, é o aumento das exportações pelas companhias. Pode estar surgindo uma visão empresarial diferenciada em comparação com o modelo do empresário que só pensava no mercado externo quando a demanda doméstica caía. O que eu quero trazer aqui como contribuição é a hipótese de que talvez tenha surgido no Brasil, ao longo da década de 90, uma visão empresarial diferenciada sobre as atividades econômicas. Diferente do empresário mais acomodado, mais voltado para o mercado doméstico, que cresceu no período de substituição de importações, olhando o mercado externo só no momento em que se restringia a demanda doméstica.

Fizemos um estudo no Ipea que mostra um retrato bem atualizado da indústria brasileira, classificando as empresas de acordo com suas estratégias competitivas. Não foram separadas por setor, por tamanho ou por valor de produção. No primeiro grupo, estão as que inovam e tentam diferenciar seus produtos. Em 2000 representavam 1,7% das indústrias, mas respondiam por 26% do faturamento industrial e por 32,5% do total de empregos. No segundo grupo, estão 21% do total das empresas, responsáveis por 62,6% do faturamento, que são eficientes e produtivas, mas especializadas num produto mais padronizado. O restante são as empresas que não inovam nem diferenciam produtos. Assim, o fortalecimento da inovação tecnológica, com incentivos fiscais e custo adequado do investimento, pode ser um fator de extrema importância para garantir o crescimento sustentado.

Belluzzo - Quero partir do que foi exposto pelo Bonelli e discutir a relação entre taxa de poupança e investimento, pois desde que me tornei keynesiano tenho uma obsessão pelo tema. Até porque os sistemas capitalistas mais avançados se diferenciam de uma economia natural na medida em que o crédito é capaz de criar liquidez, de criar poder de compra mais à frente. Enfim, vários fatores podem estimular o aumento da taxa de investimento. Vamos voltar aos anos do milagre econômico brasileiro, de 1969 a 1973, quando a taxa de investimento chegou a 30% do PIB e a participação da poupança externa era relativamente modesta. Um fato relevante foi a reforma do sistema financeiro, feita com base no modelo norte-americano, com a especialização e segmentação das instituições bancárias. Ao mesmo tempo foi feita uma reforma fiscal de alguma profundidade. Do meu ponto de vista, a inovação financeira foi muito importante para que a economia retomasse o crescimento. A expansão da oferta de crédito permitiu uma ampliação brutal da demanda por bens duráveis, o que estimulou o aumento da taxa de investimento. Mesmo se eu estiver errado na minha avaliação da causalidade, ainda sobra a questão de como mobilizar a poupança no sentido de transformá-la em investimento. É necessário todo um aparelho financeiro para fazer essa transformação. Em seu recente livro, o economista Joseph Stiglitz coloca a questão mais ou menos assim: "Olha, eu não estou aqui discutindo a poupança nem o investimento agregado, mas sim como que é que você transforma uma coisa na outra ".

E nesse departamento o Brasil tem um problema crônico. O que fizemos no passado foi contornar esse problema de alguma maneira. Os bancos públicos garantiam o investimento de longo prazo ou então recorreríamos à chamada poupança externa, que na verdade é um financiamento. Se quisermos um crescimento econômico sustentado, temos de colocar na pauta a reforma do sistema financeiro, com ampliação do papel do mercado de capitais, que hoje é muito restrito. A questão da estrutura do sistema de financiamento no Brasil é antiga e durante muitos anos não pôde ser enfrentada por causa da inflação. Recentemente, quem impediu as mudanças foi a política cambial e monetária adotada a partir dos anos 90, com taxas de juro reais muito altas.

Também temos o problema da vulnerabilidade externa. Concordo inteiramente com Piancastelli. Precisamos aumentar nossas reservas de moeda estrangeira. Veja o caso dos países asiáticos, que mantêm reservas altas para estabilizar o câmbio e ter taxas de juro baixas. Isso é fundamental na economia dos dias de hoje, que é muito mais integrada, muito mais internacionalizada.

No ponto de vista da estrutura produtiva, sobretudo à industrial, tenho uma divergência com De Negri, pois houve certo avanço, mas nossa estrutura produtiva industrial se diferenciou muito pouco, com exceção da agroindústria e da produção de energia renovável, mas esse progresso não pode ser alcançado à custa do meio ambiente. Concordo com Piancastelli quanto ao problema da qualidade do gasto público e à necessidade de um novo pacto federativo. Não há nenhuma possibilidade de desenvolver um país de maneira equilibrada sem recorrer ao investimento público. Em 1970, o investimento público, contando as empresas estatais, representava de 11% a 12% do PIB e hoje é da ordem de 3% do PIB. O capitalismo contemporâneo não pode funcionar sem a presença do Estado.

Fernandes - Peço que vocês analisem o impacto da taxa de juro na produtividade do capital e na taxa de poupança.

Bonelli - A taxa de juro, no nível que está, tem efeito nocivo sobre a produtividade do capital e sobre a taxa de investimento. Mas é difícil determinar os canais através dos quais esse efeito se transmite para a produtividade do capital.

Giambiagi - A taxa de juro é obviamente determinante do investimento, mas tão importante quanto seu valor é sua tendência futura. Em 2000, a taxa de juro real era de 11% anuais e ainda assim conseguimos um bom crescimento econômico, pois o mercado e os investidores percebiam que a taxa estava caindo. Acho fundamental para impulsionar o investimento que haja uma sinalização de que a taxa de juro real será progressivamente declinante ao longo de vários anos, ainda que a velocidade de redução seja considerada inadequada por alguns. Temos de repetir com a dívida pública o que conseguimos com a redução do endividamento externo, que caiu com particular intensidade depois de 2003. Temos de atingir uma situação de equilíbrio fiscal, com déficit nominal zero, incluindo o pagamento dos juros da dívida pública. Acho que isso será possível em 2008 e nesse cenário os juros tenderão a declinar e atingir a taxa real de 6% ao ano até o final da década.

Piancastelli - Cada 0,25% de aumento da taxa Selic (taxa básica de juro do Banco Central) faz crescer de 2,5 bilhões a 3 bilhões a dívida líquida do setor público. A relação entre a dívida interna líquida e o PIB só cairá se houver uma combinação de maior esforço de ajuste fiscal, maior eficiência da economia e crescimento acelerado do PIB. Países como a Irlanda combinaram os esforços fiscais com um bom funcionamento da economia real e assim alcançaram crescimento acelerado do PIB. No Brasil, temos outro problema, que torna mais difícil reduzir a taxa de juro real, que é a estrutura do setor financeiro, com os cinco maiores bancos respondendo por 70% da atividade. Atualmente, esses bancos conseguem cobrir seus custos apenas com a cobrança de tarifas bancárias e todo o lucro vem das operações de crédito, seja com o Tesouro Federal, seja com o setor privado. Essa estrutura de mercado é altamente prejudicial e contribui para a manutenção da taxa de juro elevada.

De Negri - Concordo que a taxa de juro está exacerbada, mas minha preocupação fundamental é com a taxa de câmbio. Como as duas andam juntas, uma sinalização no longo prazo pode significar a redução de investimento em setores que são geradores de dívidas externas e isso pode ter implicações do ponto de vista de médio e longo prazo.

Belluzzo - Em todo país com abertura financeira, os investidores têm a alternativa de manter sua riqueza em moeda local ou em moeda estrangeira. Atualmente as aplicações em reais, no Brasil e no exterior, são da ordem de 40 bilhões de reais. Se a taxa de juro baixar rapidamente, pode haver um rearranjo muito forte desse portfólio de investimento e uma parte expressiva pode se mover para uma moeda estrangeira de reserva. Fomos colocados nessa armadilha pela política econômica, que fixou metas de inflação muito rígidas, colocou a taxa de juro lá em cima e permitiu a desvalorização do real. Isso não é um jogo de Playmobil, que você monta e desmonta como quer, mas a reversibilidade tem custos. Se os juros caírem, a taxa de câmbio real vai se mover para um nível muito mais favorável e terá efeito negativo sobre a inflação. Não tenho nenhuma objeção à gestão fiscal do governo, mas temo que tenham cometido um erro de grandes proporções na política monetária e cambial que causou efeitos na taxa de câmbio.

Levy - Até agora demos mais destaque às questões de curto prazo, do ponto de vista das perspectivas de crescimento sustentado da economia. Existe um conjunto de preocupações na busca de políticas que são centrais para incentivar o processo de desenvolvimento. Por exemplo, o papel do Estado como estimulador do desenvolvimento. Mas sabemos que a capacidade de investimento do Estado é hoje bastante limitada em comparação com a década de 70. Isso significa que o crescimento econômico dependerá cada vez mais do investimento privado, o que exigirá um marco regulatório que dê confiança aos investidores. Quero propor que na próxima rodada o foco seja concentrado no papel do Estado como promotor do desenvolvimento e, em particular, na questão da construção de marco regulatório.

Bonelli - Antes de analisar a questão mais estrutural, quero lembrar que às vezes nos esquecemos que estamos num regime de câmbio flutuante. A taxa de câmbio é determinada principalmente pelos fluxos de comércio exterior, pagamento de juros e dividendos, investimentos e financiamentos, do que propriamente pelo capital especulativo de curto prazo. Nos últimos anos, as empresas brasileiras aumentaram muito as exportações, em parte devido à desvalorização cambial até o ano passado, e chegamos a ter superávit em transações correntes da ordem de 2% do PIB. Mais recentemente o câmbio se valorizou, especialmente em relação ao dólar norte-americano. Isso não é necessariamente ruim, pois criamos alguma gordura nos últimos dois anos. Deveríamos aproveitar essa conjuntura para buscar aumentar importações e investimentos e absorver poupança externa daqui para a frente. A valorização do real em pelo menos 20% no último ano vai ter um efeito no comércio exterior, uma diminuição do saldo comercial. Isso vai acabar se refletindo no câmbio, que, afinal, é flutuante. O que incomoda não é tanto o sistema de câmbio flutuante, mas sim o câmbio variar muito. Todo mundo sabe que o câmbio já esteve muito favorável à atividade exportadora, mas agora não está tanto. Ainda assim, o Brasil tem espaço para aumentar exportações e importações. É possível também ganhar espaço nas negociações internacionais e beneficiar-se de uma maior inserção internacional pelo aumento de exportações e importações.

Voltando ao papel do Estado, concordo que a qualidade do gasto é ruim, mas por outro lado é mais fácil falar do que fazer, tendo em vista as dificuldades de aprovação de diversas medidas que sabemos ser necessárias. O ideal seria recompor o gasto em favor do investimento em infra-estrutura, que está muito deprimido. É preciso também reconhecer que existem delicados problemas de regulação e insegurança jurídica a serem tratados para que o setor privado aumente os investimentos em infra-estrutura.

Uma pequena correção: eu não disse que a poupança deva preceder o investimento. Não acho que a gente precise determinar a relação de causalidade aqui. O que não está em dúvida, para mim, é que as instituições são causa e conseqüência do investimento. Não dá para esperar que todas as coisas estejam no lugar para que o investimento aconteça. Será preciso um pouco mais de ousadia, o que não implica abandonar a tarefa de construir um marco regulatório adequado. Como alguém já disse antes de mim, é como se precisássemos consertar o Jumbo durante o vôo.

Giambiagi - No meu ponto de vista, os principais objetivos para a alocação dos gastos públicos nos próximos anos deveriam ser quatro. Em primeiro lugar, o ataque à pobreza extrema. Em segundo lugar, a redução da desigualdade. Em terceiro lugar, a ampliação do potencial para o crescimento futuro, ou seja, para que o país cresça nos próximos 20 anos a taxas anuais mais próximas de 4% a 5%, do que de 2,5%. Em quarto lugar, a contenção da violência urbana, dada a magnitude que essa questão tem assumido, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde o problema é mais dramático. Mas, para alcançar esses objetivos, será preciso mexer na estrutura dos gastos públicos e, especialmente, fazer a reforma do sistema previdenciário. O Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) é uma das instituições mais criticadas do país, mas ao mesmo tempo uma das mais democráticas, pois tem prejuízo com três dos maiores agrupamentos humanos do Brasil, quando comparamos o valor que arrecada com o valor dos benefícios que paga. Leva prejuízo com a classe média, que contribui durante longo período de tempo, mas se aposenta cedo, tendo uma expectativa de vida muito parecida com a dos países desenvolvidos. Leva prejuízo com os pobres, que se aposentam por idade, mas só precisam contribuir para o INSS durante 12 anos. E, finalmente, leva prejuízo com os excluídos, que recebem o benefício mensal de um salário mínimo a partir de 65 anos e, assim, deixam de ser excluídos sem nunca terem contribuído para a Previdência. Deveríamos caminhar rumo a uma reforma da Previdência que aumente de maneira gradual a idade de aposentadoria, passando por um período de carência. Temos de aprovar uma reforma da Previdência que comece a vigorar dentro de alguns anos, com a adoção de uma idade mínima para aposentadoria, de 60 anos para os homens e 55 para as mulheres, igual à que já vigora no caso dos funcionários públicos federais e para quem se aposenta pelo INSS. Mas a reforma deve prever que essa idade mínima aumente gradativamente ao longo do tempo, pois também cresce a expectativa de vida das pessoas. Além disso, será preciso ampliar o período de contribuição para a Previdência, pois a regra atual determina que aumente seis meses a cada ano para chegar a 15 anos em 2011. Temos de aumentar o tempo de contribuição para 25 anos, mantendo a regra de aumentar seis meses a cada ano, mas estendendo o período de transição até 2031. Também será necessário aumentar a idade mínima para que as mulheres se aposentem, procurando conciliar as mudanças demográficas com a necessidade de pagar a dívida social para com as mulheres, devido à dupla jornada de trabalho. É comum nos países desenvolvidos que as mulheres se aposentem mais cedo do que os homens, mas não há aposentadoria por tempo de serviço. Isso significa que as mulheres se aposentam com 60, 62 ou 63 anos, enquanto no Brasil a idade média é 52 anos.

Bonelli - Acho que a sua proposta de reforma da Previdência deveria ser suavizada, pelo menos quanto à garantia de um benefício mensal às pessoas portadoras de deficiências e aos idosos que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção, como prevê a Constituição. Isso funciona como uma necessária rede de proteção social para uma parte da população muito pobre. Podemos até discutir se esse benefício deveria ser igual ao salário mínimo. Acho mais importante garantir que seja corrigido por um indicador ligado ao custo de vida, e não ao salário mínimo. Também temos de lembrar que houve um razoável achatamento do poder de compra das pessoas. Quem se aposenta cedo não necessariamente fica vivendo da aposentadoria. Muita gente tenta buscar outra colocação, outro emprego, até mesmo no setor informal. Isso é só para qualificar um pouco seus comentários, com os quais concordo no geral.

 

Piancastelli - É preciso ter uma estratégia de longo prazo para reformar o sistema previdenciário, pois o déficit deverá chegar a 39 bilhões em 2005. Além disso, a busca de uma construção institucional que garanta o crescimento sustentado exigirá uma reforma do sistema tributário, que envolverá a estrutura federativa do país. A Constituição foi aprovada há 17 anos, e inúmeros artigos que se referem à questão federativa ainda não foram regulamentados. Será preciso enfrentar o problema dos desequilíbrios regionais, pois assusta o vazio econômico do Norte, do Nordeste e um pouco do Centro-Oeste. Temos de aprender com o exemplo da União Européia, que foi muito bem-sucedida ao mudar o padrão de desenvolvimento econômico de países como Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda. Os países desenvolvidos também têm regiões deprimidas, mas não pretendem igualar o padrão da atividade econômica, mas sim criar uma rede social para minimizar as diferenças.

De Negri - É fundamental cobrir o déficit da Previdência, mas temos de atuar em várias frentes. Na questão do comércio exterior, é evidente que salário, taxa de juro e câmbio influem no desempenho das exportações. Mas é importante levar em conta que um terço das exportações brasileiras, excluindo as commodities, é feito por empresas que inovam e diferenciam, e seus produtos são colocados em segmentos mais estáveis do mercado internacional, menos sensíveis às variações do câmbio. A política econômica deveria servir para potencializar a atuação externa dessas empresas, fortalecendo investimentos em tecnologia e qualificação da mão-de-obra. A Medida Provisória do Bem, editada no mês passado, funciona nessa direção, mas talvez seja necessário mudar os mecanismos de financiamentos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fortalecer as empresas e as atividades que são inovadoras, porque representam a única fonte de financiamento de longo prazo disponível no Brasil.

Belluzzo - Concordo com De Negri e acho fundamental criar um sistema adequado de financiamento da inovação no Brasil. O pessoal do BNDES me procurou quando fui secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo. Queriam ajudar as empresas de base tecnológica que surgiam nas incubadoras existentes nas regiões de Campinas e São Carlos. Mas o banco não tinha estrutura, formas de avaliação de risco para atender a esse tipo de demanda. O Estado não pode abrir mão desse papel. É assim que funciona em todo o mundo. Onde tem inovação tem a atuação direta ou indireta do Estado. Na Europa, existem fundos nacionais e da União Européia para financiar a pesquisa e o desenvolvimento nas indústrias.

Concordo também com Piancastelli quanto à necessidade de criar mecanismos compensatórios que impeçam o aprofundamento dos graves desequilíbrios sociais entre as regiões brasileiras. Quem foi a Portugal ou Espanha há 20 anos e voltou agora percebe as vantagens dos mecanismos compensatórios, pela qualidade da infra-estrutura. Os trens portugueses ou espanhóis eram deploráveis, ficavam muito abaixo da qualidade do sistema ferroviário francês. Tudo mudou.

Também chamo a atenção para o fato de o Brasil ser o único país do mundo em que os municípios são uma entidade federativa, são contemplados na Constituição. Daí a enorme multiplicação dos municípios, dado o atrativo dos repasses federais (leia reportagem sobre corrupção nos municípios na pág. 51). Precisamos repensar essa questão federativa seriamente. Talvez os municípios de determinada região devessem ser agrupados em função de uma vocação comum, que receberia os recursos federais.

Quanto ao problema da Previdência Social, acho que deveria servir como um importante fator de redistribuição de renda, sobretudo num país com tanta desigualdade social. Eu fui francamente a favor da cobrança da contribuição dos inativos no meio da minha comunidade, que não era propriamente a favor, mas acho que o modelo previdenciário bismarkiano, inspirado no exemplo da Alemanha do século XIX, está esgotado. É um modelo pelo qual você recebe benefícios porque contribui. Tenho notado que o financiamento dos sistemas previdenciários europeus está recaindo cada vez mais em cima de impostos gerais, por causa de fenômenos como o envelhecimento da população, o aumento da expectativa de vida e o desemprego. Nós também teremos problemas, no longo prazo, de manter o modelo previdenciário bismarkiano, por causa do aumento da expectativa de vida e do crescimento mais lento do número de empregos, pois quem está financiando os aposentados é quem está trabalhando agora.

Giambiagi - Não conheço em detalhes a reforma do sistema previdenciário europeu, mas faz sentido que se migre progressivamente para um modelo que aumente o financiamento por meio de imposto, especialmente por causa do aumento da expectativa de vida da população. No entanto, temos de manter os três regimes atuais, com a aposentadoria por tempo de contribuição, a aposentadoria por idade e a garantia de benefícios assistenciais, mas com requisitos diferentes, com aumento gradativo da idade de aposentadoria e do tempo de contribuição. Faço questão de ressaltar que concordo em gênero, número e grau com os argumentos de Bonelli, pois assegurar o benefício assistencial aos idosos faz parte do processo civilizatório, já que esse mecanismo de solidariedade serve para distinguir uma sociedade mais civilizada de outra que está em estágio mais primitivo. Mas acho que a idade mínima para receber esses benefícios deveria aumentar progressivamente para 70 anos, o que também serviria para incentivar uma maior formalização do emprego.

Levy - Vamos partir para uma rodada final, voltando ao tema dos fatores que podem assegurar a sustentabilidade do crescimento econômico.

Bonelli - Eu gostaria de retomar o tema da minha intervenção inicial de outro ângulo. Acho que os pontos fundamentais do debate sobre a sustentabilidade do crescimento podem ser descritos com uma fórmula resumida pela economista Dany Rodrik num trabalho recente. Para ele, existem três variáveis fundamentais que afetam o crescimento econômico. Primeiro, de forma positiva, temos a taxa de retorno social do capital em sentido amplo, de modo a incluir capital humano, capital físico, tecnologia, empreendedorismo e recursos naturais. Em segundo lugar, também positivamente, a maneira como esse retorno é apropriado pelo setor privado: quanto maior a margem de apropriação, mais alto o crescimento. E em terceiro, negativamente, o custo de financiar a acumulação. Eu acredito que o retorno social do capital no Brasil - a produtividade social, por assim dizer - é muito alta. Isso é ótimo, mas grande parte desse retorno não é apropriada pelo setor privado por vários motivos, com destaque para a elevadíssima carga tributária e para o fato de que os direitos de propriedade não são bem protegidos. 

 
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