2007 . Ano 4 . Edição 38 - 10/12/2007
Camillo de Moraes Bassi
Lançadas no réquiem do Plano Cruzado, a princípio como Letras do Banco Central (LBC), as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) foram um engenhoso antídoto ao risco de não rolagem da dívida pública.Na época, as instituições financeiras - as grandes detentoras dos títulos públicos, assim como na atualidade - defrontavam-se com um nítido descompasso entre sua estrutura ativa e passiva, que não podia perpetuar-se: a primeira das dimensões, abarrotada de títulos públicos, indexados aos índices de preço e com prazos superiores a um ano; a segunda,majoritariamente de depósitos à vista, com liquidez diária e indexados à taxa de juros básica overnight - era clara, vale frisar, a preferência por liquidez, por parte do público, diante da incerteza que permeava o cenário nacional.Assim, a introdução das LFTs, além de evitarem o mencionado risco de não rolagem, também agiram, de maneira a evitar um colapso financeiro, com repercussões de difícil mensuração.
Entretanto, apesar de hoje o problema do refinanciamento da dívida ser desprezível - e os aperfeiçoamentos do modus operandi da Autoridade Monetária, associado à solidez de nosso sistema financeiro, respaldam nossa assertiva -, persistem as LFTs no menu de títulos públicos, só que agora como uma anomalia e, por conseguinte, repleta de disfunções. De forma não exaustiva, listamos as seguintes: a) têm prazo de duração, independentemente do vencimento, igual a zero, já que a taxa que remunera é a mesma que desconta - Selic overnight; ou seja, nada mais destoante da necessidade, reconhecida por todos, de se alongar a maturidade da Dívida Pública Federal (DPF) e criar uma "curva de rendimentos", onde rentabilidade e maturidade caminham lado a lado; b) garantem rentabilidade, liquidez e segurança aos que nelas investem, trinca, no mínimo, fraternal na esfera financeira; c) particularmente via a primeira das disfunções listadas, não exerce qualquer "efeito riqueza" a seus possuidores - comum em títulos préfixados, sujeitos a risco de taxas -, o que, a alguns, fragiliza os mecanismos de transmissão da política monetária; e d) imiscui dívida pública com política monetária, ocorrência esta sem muitos similares.
Evidentemente, depois de toda esta série de efeitos deletérios, torna-se quase imperativo apresentar alguma proposta que permita eliminá- las do cardápio de títulos.Mais pontualmente, de realizar a tarefa sem artificialismos, como, por exemplo, empurrando ao mercado títulos pré-fixados e de longo prazo: a coisa dificilmente funcionaria.Com efeito, ao que tudo indica, o caminho não artificial com maior externalidade positiva está exatamente no instrumento que viabiliza basicamente as três primeiras disfunções listadas - duração zero e os empecilhos de se criar uma "curva de rendimentos", a "trinca fraternal"e o "efeito riqueza"- pelas razões a seguir.
É através da excessiva Selic overnight que se têm títulos com duração zero, uma "curva de rendimentos inexistente", rentabilidade significativa, liquidez, segurança e imunidade ao "efeito riqueza".Nessas circunstancias, sempre haverá demanda por tais papéis, além, acredito, até uma certa resistência do mercado em abolir sua existência. Deste modo, a redução de nossa taxa de juros básica - é obvio, não de maneira atabalhoada, mas sempre atento a seus benefícios -seria um meio de mitigar a atratividade das LFTs, induzindo os investidores a migrarem para papéis mais perfilados à sua relação com o risco.Dito de outro modo: as LFTs, com a redução da Selic, deixam de ser o nirvana; se quero maior rentabilidade, procuro papéis com maior maturidade e risco - supondo taxas pré-fixadas; se quero maior liquidez - também supondo taxas pré-fixadas -,procuro papéis com menor maturidade e risco. Na verdade, alguns economistas argumentam que as LFTs têm uma faceta positiva, essencialmente por facilitar a rolagem da dívida, mas, convenhamos, não é missão do Brasil ser um paraíso financeiro; é sim construir uma sociedade mais isonômica, pujante e harmoniosa.
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