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Sistema - Penitenciário Crime e castigo

2005. Ano 2 . Edição 7 - 1/2/2005

Conheça o drama que envolve a outra face da questão da segurança, um problema que tanto preocupa os brasileiros: a vida nas prisões.
 


Por Andréa Wolffenbüttel*, de São Paulo

crimeJardins procuram humanizar o ambiente dentro dos presidios

Quando o sol desaparece na fronteira oeste do país, um grupo de 350 mil brasileiros, espalhados de norte a sul, contabiliza um dia a menos em sua pena e se prepara para enfrentar outra noite dentro de celas insalubres. Esse contingente imenso de homens e mulheres, maior do que a população de Vitória, capital do Espírito Santo, é uma parcela ínfima de todos os que alguma vez praticaram atos contra a lei, mas é uma carga muito maior do que a estrutura penitenciária tem condições de abrigar. Existem hoje, mais especificamente, 116 mil excedentes no sistema. Gente que vive amontoada.

E se o fluxo se mantiver no mesmo ritmo, a projeção é que chegaremos a 2007 com 476 mil pessoas encarceradas no Brasil. Considerando que o custo médio mensal de manutenção de um preso é de três salários mínimos, a conta a ser paga, ao final do ano, será de 4,5 bilhões de reais. A situação é dramática em muitos sentidos. Os brasileiros reclamam, com razão, da falta de segurança nas cidades e da baixa eficiência da polícia. O Estado não tem sequer os instrumentos necessários para arcar com o número atual de presidiários - que dirá de uma população que cresce a taxas superiores a 12% ao ano.

E os presos, nas condições em que vivem, têm reduzidíssimas possibilidades de recuperação e reintegração à sociedade ao final do cumprimento da pena. É uma contabilidade em que a coluna das perdas cresce rapidamente. Para todos. A dos ganhos é mínima.
"O mais preocupante é que não existe uma política penal definida para resolver o problema", alerta Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A avaliação de Cerqueira tem o apoio de praticamente todos os administradores e estudiosos da questão. "A ausência de diretrizes é um reflexo da forma como a sociedade encara a questão. Ninguém gosta de bandido.

O crime representa o que deu errado no nosso modelo. A população quer segurança, quer ver o criminoso atrás das grades e ponto. Não quer saber o que acontece no interior das cadeias", diz Ângelo Roncalli, que foi diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, de 1998 a 2002. Mas a indiferença da sociedade vem sendo profundamente abalada por uma série de acontecimentos violentos que se encadearam desde o início da década de 90 e não pararam desde então. Primeiro houve o massacre do Carandiru, em 1992. Depois veio a megarrebelião organizada através de aparelhos de telefone celular, que envolveu 20 unidades prisionais do estado de São Paulo, em 2001. E no ano passado ocorreu o caso dos 31 mortos no motim em Bangu, no Rio de Janeiro.

Entre cada uma dessas memoráveis rebeliões, centenas de outros distúrbios ocuparam diariamente os noticiários e dividiram as opiniões entre os que defendem um maior recrudescimento no trato do preso e aqueles que acreditam que a solução passa necessariamente pela melhoria das condições de vida dos presidiários. Entre os que trabalham dentro do sistema penal, a segunda opção é unanimidade. E essa postura está totalmente respaldada pela lei que rege a estrutura penitenciária do país, a Lei de Execução Penal, sancionada há vinte anos. "O Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo, que serviu de modelo para a lei de execução penal da Argentina e da Espanha. O problema é que ela simplesmente não é cumprida", explica Sérgio Mazina, vice-presidente da entidade civil Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Direitos A Lei de Execução Penal estipula em seu primeiro artigo que o Estado tem de buscar a ressocialização do criminoso, e para isso precisa garantir alguns direitos fundamentais a quem perdeu a liberdade. Entre eles, o direito ao trabalho e à educação. Como as penitenciárias não foram construídas prevendo essas atividades, pouquíssimos detentos estudam ou trabalham. Em outras palavras, eles continuam tão fora-da-lei, atrás dos muros da prisão, quanto estavam antes. Com o agravante de que, nesse caso, o Estado também descumpre a legislação.

Alguns trechos da Lei de Execução Penal parecem beirar o absurdo, como por exemplo o artigo em que está escrito que o condenado será alojado em celas individuais. Na prática, a obediência a esse item obrigaria o país a construir sete unidades penais de 500 celas individuais todos os meses, só para os novos presos. Um estudo realizado por Clayton Nunes, atual diretor do Depen, no ano passado, calculava que o investimento necessário para colocar em ordem o sistema seria de 1,2 bilhão de reais, enquanto o Fundo Penitenciário Nacional detém apenas 200 milhões de reais. Para piorar a situação, o governo federal costuma reter as verbas do fundo, repassando apenas uma pequena parte para o Depen, que financia a construção de novas unidades prisionais. Em 2004, apenas 12% do valor foi entregue.

O ambiente dentro das penitenciárias não poderia deixar de refletir o agravamento da tensão social e da profissionalização do crime fora delas. A atual chefe de pesquisa do Instituto Rui Barbosa, Elizabeh Sussekind, que já foi secretária nacional de Justiça, tesmunhou a transformação da vida nos bolsões de pobreza, como as favelas do Rio de Janeiro. "Fiquei chocada quando entrei num barraco e vi uma senhora de 70 anos enrolando trouxinhas de maconha. Estava morta de vergonha e fingiu que não me viu, mas eu sei que ela não tem alternativa. Ou se submete ao tráfico ou passa a ser tratada como inimiga", conta Sussekind.

"Onde o Estado se ausenta, alguém toma o controle. Isso aconteceu nos morros cariocas, e acontece dentro dos presídios, onde o número de condenados aumentou enormemente e não houve crescimento proporcional de vagas nem de funcionários." Ela lembra que a situação dos agentes também é desesperadora porque a falta de recursos os deixa indefesos. Com suas declarações, Sussekind aponta para mais um dos elementos que compõem a problemática do sistema penitenciário: o altíssimo nível de corrupção entre os que deveriam estar lá para controlar e apoiar os presos.

"Antigamente o detento tinha medo do guarda, hoje em dia, a situação se inverteu." Uma demonstração da gravidade da situação foi verificada pelo Secretário da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, Nagashi Furukawa. Ele descobriu que na prisão de Avaré, no interior do estado, os visitantes pagavam uma taxa ao entrar no presídio, e que o dinheiro arrecadado era depositado na conta de um dos detentos. "Penso que muitas vezes não é corrupção, mas é algo pior, a anuência de quem não tem as condições necessárias para controlar a situação", diz.

Alternativas Visto como um todo, o problema é tão grande que parece insolúvel, porém iniciativas bem-sucedidas vêm acontecendo. Algumas delas estão exatamente onde o desafio é maior, no estado de São Paulo, que abriga 40% da população carcerária do país, 131 mil presos, e onde se registraram as mais organizadas e violentas rebeliões dos últimos tempos. Os chamados Centros de Ressocialização (CR) são unidades prisionais pequenas, com capacidade para 210 detentos, administradas em conjunto pela SAP e por organizações não-governamentais.

A custódia, a segurança e a disciplina dos presos são de responsabilidade do governo, enquanto toda a parte administrativa e de apoio, como advogados, médicos e as oficinas de trabalho, fica por conta da ONG. Atualmente existem 20 CRs no estado de São Paulo, que conseguem abrigar somente 4.200 presos, ou seja, pouco mais de 4% de todo o contingente, mas eles indicam que há alternativas para o caos atual. O primeiro grande diferencial é que dentro de um CR nunca há mais detentos do que a estrutura pode comportar.

Cada presidiário tem sua cama, seu colchão, seu armário, ou seja, um espaço para sua individualidade. Além disso, todos os condenados são de regiões próximas, o que faz com que tenham um contato estreito e constante com a família e a comunidade. E, por fim, a característica determinante para o sucesso do modelo é que todos os presos trabalham. "Preferimos pensar no CR como uma espécie de internato", diz Maura Batista da Cruz, diretora do CR de Sumaré.

 

O objetivo é criar um ambiente que ajude o resgate da dignidade e do amor-próprio do detento, que aliás não é chamado de detento e sim de reeducando. As celas também não são celas, senão alojamentos, cujas portas estão sempre abertas porque o trânsito é livre dentro do CR. Por sinal, o trânsito também é quase livre para fora do CR, já que a estrutura de segurança é mínima. "Não é tão difícil subir na grade do gol, pular para o teto e ir embora", diz Robson Moreira, presidente da ONG que cuida do CR de Sumaré. E será que isso acontece? Sim, já ocorreu algumas vezes. Mas na avaliação geral concluiu-se que as escapadas só serviram para valorizar a atitude dos que optam por permanecer, mesmo quando a tentação é grande.

Os CRs são uma forma de evitar que quem cometeu pequenos delitos acabe freqüentando o que se convencionou chamar de "escola do crime". Desnecessário dizer que há uma fila imensa de pedidos de transferência para os CRs, mas lá só entra um quando outro sai - a única forma de manter o controle. Celso Antunes conseguiu ser admitido no CR de Sumaré e está lá há um ano e dez meses. "Existem as pessoas que cometeram crimes e existem os que são criminosos. Eu sou do primeiro grupo. Quero pagar pelo meu erro e voltar para a minha vida", diz ele, que não gosta de lembrar do que classifica como a "panela de pressão" da Penitenciária de Ribeirão Preto, onde cumpriu a primeira parte de sua pena.

Não há estatísticas exatas que mostrem o nível de reincidência dos egressos dos CRs, mas estima-se que esteja por volta de 15%, um índice baixo se comparado à média nacional, que gira em torno dos 70 a 80%. Para Furukawa, o fato de um condenado comprovar sua determinação em cumprir a pena demonstra que está apto a voltar à sociedade. Baseado nesse princípio, ele propôs que seja concedida a liberdade a todo preso que tenha saído cinco vezes para visitar a família e voltado para a penitenciária. Esse benefício contempla os presos de regime semi-aberto, que têm direito a sair cinco vezes por ano, por sete dias, para visitar a família. "Uma pessoa com auto-disciplina para retornar à prisão depois de passar uma semana fora dela por cinco vezes, não precisa mais estar preso", declara Furukawa. O presidente Luiz Inácio Lula da Sila acatou a sugestão, que foi incluída no último decreto de indulto.

Terceirização Algumas iniciativas vão ainda mais longe do que os CRs em termos de compartilhar a responsabilidade pelos detentos com a iniciativa privada: são as penitenciárias terceirizadas. A prática é muito difundida nos Estados Unidos e na Inglaterra, porém as quatro unidades terceirizadas instaladas no Brasil geram debates acalorados entre os especialistas. Os que apóiam o projeto, como é o caso de Sussekind, enumeram uma longa lista de vantagens: não há superlotação, os agentes são profissionais treinados, as condições de ambiente são muito melhores, não há fugas nem rebeliões, e, sobretudo, o nível de reincidência é baixo.

Dilza Sbrissia dirige desde 1999 o Presídio Industrial de Guarapuava, no Paraná, uma das unidades terceirizadas. Ela estima que a reincidência entres os presos que passaram por lá, e trabalharam primeiramente para uma fábrica de móveis e atualmente para uma fábrica de calçados, gira entre 5 e 7%.Para os defensores do sistema terceirizado, só esse dado já seria suficiente para provar o sucesso da receita, mas os críticos questionam muitos pontos. O primeiro deles é o custo do preso que fica sob custódia privada: no mínimo, 70% mais alto do o custo médio nacional. Depois, há a possibilidade do descompromisso por parte dos funcionários, que podem trocar de emprego a qualquer momento, ou mesmo deflagrar greves, já que são trabalhadores de empresas privadas.

E há até os que questionam a constitucionalidade do modelo. "A privatização de prisões é inaceitável sobretudo sob o ponto de vista ético e moral. Numa sociedade democrática, a privação da liberdade é a maior demonstração de poder do Estado sobre seus cidadãos e, como tal, só pode ser exercida pelo próprio Estado", diz Julita Lemgruber, ex-diretora geral do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Mas a ameaça mais velada e perversa da terceirização das penitenciárias é a possibilidade de que as empresas tenham interesse em manter encarcerados justamente os "melhores" presos, ou seja, aqueles que rendem mais no trabalho.

A questão é amplamente discutida nos Estados Unidos, onde existem diversas empresas cuja atividade é exclusivamente a construção e a manutenção dos presídios. No Brasil, o assunto ainda está restrito aos círculos de especialistas, mas certamente virá à tona caso o modelo comece a se generalizar. Por enquanto, as penitenciárias terceirizadas abrigam cerca de mil condenados, e as atenções continuam voltadas aos problemáticos estabelecimentos tradicionais.

A situação é tão preocupante que despertou o interesse de diplomatas ingleses no Brasil. A Embaixada britânica criou, em 2003, um programa para implantar, dentro das penitenciárias brasileiras, o Manual de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). "O projeto procura fundamentalmente trabalhar a postura dos funcionários, a forma como eles enxergam a si próprios e aos detentos, transformar essa relação tão difícil e desgastada em algo mais humano e mais respeitoso", explica Rosane Zachetti, gerente de ciência e sociedade do Conselho Britânico. Por insistência do secretário Furukawa, o programa foi implantado inicialmente em quatro penitenciárias do estado de São Paulo.

 

Os diretores foram convidados a conhecer o Manual, a participar de workshops e a avaliar o que seria possível fazer dentro de cada uma das unidades para adequar o funcionamento aos padrões de respeito aos direitos humanos. "As alterações externas foram pequenas", conta Luis Carlos Catirce, diretor da Penitenciária de Casa Branca, uma das quatro participantes do projeto, "o mais notável foi a mudança que ocorreu com os funcionários, que passaram a ter mais respeito pelo próprio trabalho e pelo preso.

Por exemplo, mudamos a forma de receber os condenados que chegam à prisão. Passamos a fazer revistas individuais, em vez da constrangedora revista coletiva. Também damos palestras explicando aos novatos as regras de funcionamento da casa e promovemos entrevistas individuais com o assistente social e o psicólogo. Isso tranqüiliza quem está totalmente assustado". Após dois anos, o programa está passando por uma avaliação externa, pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. Caso se comprovem resultados positivos, será estendido a outros estados.

Para muitos especialistas, entre eles Cerqueira, do Ipea, a solução está, de fato, fora dos presídios. "É preciso encontrar um meio de frear essa máquina que abarrota cada vez mais as cadeias", diz ele. Um desses "freios" são as penas alternativas, a atual menina dos olhos do Ministério da Justiça. Elas têm a vantagem de não afastar o condenado da sociedade e não onerar as contas do sistema penitenciário.

O custo de manutenção de um criminoso em pena alternativa é de cerca de 10% do valor da pena tradicional. Mas a idéia ainda enfrenta restrições por parte da opinião pública e dos magistrados. Sussekind visitou todos os estados montando núcleos de penas alternativas e ouviu muitas críticas de juízes. "Eles dizem que não têm como saber se o condenado está cumprindo a pena, e que muitas vezes é o mesmo que absolvê-lo." Apesar de todas as dificuldades, a aplicação de penas alternativas vem crescendo. Nos últimos três anos elas saltaram de 2,7% para 11% das condenações.

Está visto que punir criminosos não é tarefa simples, barata nem eficiente. E ainda há um problema adicional. Os obstáculos que retardam a saída dos presos são muitos, sobretudo a conhecida lentidão da Justiça, que faz com que, só no estado de São Paulo, mais de 8 mil pessoas permaneçam encarceradas depois do cumprimento de suas penas. Outra imensa pedra no caminho da liberdade é a Lei dos Crimes Hediondos (LCH), criada no início dos anos 90 para conter a onda de seqüestros e reprimir o tráfico de drogas.

Os condenados pelos crimes previstos na LCH cumprem toda a sentença em regime fechado, não podendo jamais evoluir para o sistema semi-aberto. Com o passar do tempo, novos crimes foram incluídos à LCH, vista pelos especialistas em ciências criminais como excessiva. "Essa lei é um equívoco. Não tem eficiência alguma. Surgiu para combater o narcotráfico e ele jamais cresceu tanto como nos últimos dez anos", diz Lemgruber.

Ela não está sozinha na avaliação. Recentemente, o coro dos insatisfeitos ganhou uma adesão importante, a do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que prometeu rever a LCH. "Acho que nós precisamos saber quanto custa a Lei dos Crimes Hediondos para o Brasil, para o sistema prisional e qual o benefício que ela trouxe", declarou o ministro na época.

Se os caminhos que levaram à atual situação do sistema prisional brasileiro são diversos, complexos e nasceram no cerne dos problemas sociais, a rota de saída parece passar necessariamente por três pontos: a eliminação da superlotação, a valorização dos funcionários e a redução das condenações.

O Ministério da Justiça fez um estudo do sistema e divulgará nos primeiros meses de 2005 um relatório apresentando a realidade que a sociedade não gosta de ver, mas não pode mais ignorar. Nunes, atual diretor no Depen, resume o problema numa questão: "No Brasil não temos pena de morte e não temos prisão perpétua, portanto todo homem que entra numa prisão um dia sairá dela. Que homem você quer que saia?"

* Com Pedro Ivo Alcântara, de Brasília

 
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