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Saúde - Males sem remédio

2004. Ano 1 . Edição 3 - 1/10/2004

Moléstias típicas de países em desenvolvimento fazem milhões de vítimas, mas não despertam o interesse da indústria farmacêutica. A solução para o problema é o desenvolvimento de boas políticas públicas para salvar vidas.
 

Por Andréa Wolffenbüttel*, de São Paulo

noticias-21-ImagemNoticiaA população que vive às margens do rio Negro tem as águas à altura de suas janelas: a incidência de doenças negligenciadas em áreas assim é grande.

Tuberculose, hanseníase malária, dengue, leishmaniose, filariose, esquissostomose e mal de Chagas. Muita gente pode pensar que elas fazem parte do catálogo de moléstias que foram erradicadas. Mas estão presentes e matam milhares de pessoas em todo o mundo, especialmente nas regiões mais pobres. E quase não atraem o interesse dos grandes laboratórios farmacêuticos, capazes de produzir soluções para enfermidades complexas, especialmente se elas atingem um público com poder aquisitivo para pagar caro pelos remédios. Um estudo divulgado pela organização não-governamental Médicos sem Fronteira constatou que nos últimos 25 anos foram registradas somente 15 novas drogas contra doenças negligenciadas e 179 para distúrbios cardiovasculares.

O levantamento dá a exata medida de quão esquecida anda essa categoria de doenças, sobretudo quando se observa o volume de investimento na busca de soluções de problemas como a calvície, a celulite ou a obesidade. Nada menos do que 90% dos recursos destinados a investigações farmacológicas são voltados a problemas que atingem apenas 10% da população mundial. E não é só a pesquisa que vem sendo posta de lado. Como o consumo de remédios contra doenças negligenciadas é relativamente pequeno, sua produção não compensa para indústrias acostumadas à produção em larga escala com grande margem de lucro.

Recentemente, a decisão da Hoffman- La Roche, um dos gigantes da indústria farmacêutica, de suspender a fabricação do principal medicamento contra o mal de Chagas, acabou por transferir para o Brasil a responsabilidade de abastecer o mercado mundial. No ano passado o laboratório doou ao governo do estado do Acre todos os direitos ligados à produção do Rochagan, medicamento que estava incluído entre os projetos sociais da empresa. Como o Acre não dispõe da tecnologia necessária para a formulação do remédio, ele será fabricado, a partir do ano que vem, pelo Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (Lafepe).

No caso da leishmaniose, provocada por um parasita que causa lesões na pele, na mucosa ou nas vísceras, as primeiras dificuldades surgem no momento do diagnóstico. O método mais usual exige o uso de microscópio de fluorescência, um equipamento caro e difícil de ser encontrado, sobretudo nas regiões onde há maior incidência da doença. Às vezes o resultado leva até oito semanas para ficar pronto e a leishmaniose pode matar em menos da metade desse tempo. A outra forma de diagnóstico custa oito dólares por teste, preço muito alto para o único comprador que é a União. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o valor aceitável para esse tipo de produto é inferior a um dólar. A preocupação com a detecção aumentou na última década, quando a doença começou a avançar em áreas urbanas.

Em 1994 foi registrado o primeiro caso na região metropolitana de Belo Horizonte (leia quadro na página 58). O controle geográfico é difícil porque a leishmaniose fica hospedada principalmente em cachorros, que migram para zonas urbanas e disseminam a moléstia."O primeiro passo para atacar de verdade o problema da leishmaniose seria o desenvolvimento de um novo modelo de diagnóstico, que fosse mais barato e que dispensasse o uso de equipamentos caros ou condições especiais", diz Ana Rabelo, chefe de pesquisas clínicas do Centro de Pesquisas René Rachou, uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro que está em vias de ser credenciado como laboratório de referência para leishmaniose visceral, a mais letal das formas da doença.

O desejo de Rabelo ainda está distante de ser alcançado, já que as pesquisas para a criação de outras formas de diagnóstico estão em fase inicial. Mas há alguma novidade positiva nessa área. Uma iniciativa da OMS, reunindo um laboratório farmacêutico alemão, o Zentaris, e o ministério da saúde da Índia, testou com sucesso a aplicação de um novo remédio para combater a leishmaniose que é a maior esperança para suas vítimas. A miltefosine, uma molécula usada inicialmente no combate ao câncer de mama, mostrou-se muito eficaz no tratamento da leishmaniose. Quem coordenou o trabalho foi um brasileiro, o médico recifense Carlos Morel, ex-presidente da Fiocruz, que na época era diretor da Tropical Diseases Research, a divisão da OMS responsável pelas doenças tropicais. "Esse caso é exemplar porque aponta dois caminhos possíveis para a solução das doenças negligenciadas. O primeiro é a parceria de governos com a iniciativa privada, e o segundo é o aproveitamento de drogas já existentes, que foram desenvolvidas com outros objetivos", diz Morel. O governo da Índia cedeu quatro hospitais equipados para os teste. O Zentaris destinou quatro milhões de dólares ao projeto. No momento, um tratamento com mitelfosine ainda custa 300 dólares, mas há um esforço para que o preço caia até 40 dólares. Só a partir desse momento o Brasil começará a pensar em adotá-lo em larga escala.

Falhas "A situação em que se encontram as doenças negligenciadas decorre basicamente do que consideramos duas falhas: uma de mercado e outra de políticas públicas", explica Morel. A falha de mercado foi provocada pela ilusão de que a livre economia seria capaz de resolver todos os problemas. Essa perspectiva entregou à iniciativa privada a responsabilidade total pelo desenvolvimento de novas drogas e o resultado é que só há remédios para quem pode comprá-los. Para os outros existem antigos medicamentos, de aplicação lenta, efeitos colaterais dolorosos e para os quais muitos já desenvolveram resistência. Dos dois bilhões de dólares gerenciados anualmente pela OMS, apenas 30 milhões são destinados ao combate às doenças negligenciadas. "Estamos usando as armas de ontem para os problemas de amanhã. Enquanto as terapias não evoluem, as doenças progridem muito e rapidamente, ganham novos contornos e ficamos defasados."

Uma das enfermidades que mostrou seu poder de fogo no Brasil foi a malária (leia quadro na página 56). Restrita ao ambiente inóspito da Amazônia, a doença estava relegada a segundo plano nas políticas públicas quando a instalação dos garimpos em Serra Pelada, no começo da década de 1980, fez o número de vítimas saltar de cem mil para seiscentos mil em menos de sete anos. Atualmente a doença é alvo de pesquisas realizadas pelo laboratório alemão Bayer e também pelo suíço Roche. A Embrapa lançou em julho um inseticida que promete ajudar o combate ao mosquito transmissor.

O caso mais exemplar da força de retorno de uma doença é o da tuberculose (leia quadro na página 57). Ela também estava sob controle até os anos 80 e não despertava grandes preocupações, porém, com a epidemia de Aids, voltou com violência. Atualmente é considerada uma das grandes causas de mortalidade, com um saldo de mais de um milhão e meio de vítimas fatais por ano. Quando o mundo precisou cuidar novamente da tuberculose, deparou-se com um tratamento demorado, sofrido e caro. O alto custo não vem exatamente do preço do remédio, mas da necessidade de acompanhamento, já que muitos pacientes abandonam a medicação antes da cura completa, e quando ocorre a recaída o bacilo desenvolveu resistência à química.

Tuberculose O problema da tuberculose, porém, tem uma peculiaridade que acabou por estimular a busca de uma solução: ao contrário de muitas das doenças negligenciadas, restritas a países pobres e em desenvolvimento, a moléstia está presente em todo o mundo. Apesar de 80% das ocorrências se concentrarem nas regiões mais carentes, as mortes no Leste Europeu e na Ásia Central sensibilizaram as corporações. Em 2001, a Fundação Bill Gates dos Estados Unidos doou dez milhões de dólares para o desenvolvimento de um novo método de diagnóstico que substitua o velho teste feito a partir da secreção das vias respiratórias, e no ano passado a Novartis, um dos maiores laboratórios farmacêuticos do mundo, inaugurou um centro de pesquisas em Cingapura especificamente para a busca de um tratamento melhor para tuberculose e para a dengue.

Enquanto as inovações não chegam, a Novartis, fabricante do remédio usado atualmente, doa tratamentos por meio da OMS. Em novembro de 2003 firmou um acordo comprometendo-se a bancar não só os remédios, mas todo o acompanhamento necessário para cem mil vítimas, durante cinco anos. Esse número é quase insignificante diante dos mais de oito milhões de casos registrados anualmente em todo o globo, mas demonstra um processo de tomada de consciência por parte da indústria. "Não há mais como negar o descaso em relação às doenças negligenciadas, os números estão aí para provar", admite Sálvio di Girólano, diretor de assuntos corporativos da Novartis, "A pressão apelando para a responsabilidade social dos grandes laboratórios é imensa e nos sentimos na obrigação de dar uma resposta."

A pesquisa da Novartis poderá beneficiar o Brasil, vítima de epidemias de dengue há mais de vinte anos (leia quadro na página 55). O tratamento para todas as variações de dengue é relativamente simples: basta hidratar o paciente para que ele reponha a perda de soro sangüíneo provocada pelo vírus. O problema é que quando ocorrem os surtos, a quantidade de vítimas é tão alta, que não é possível fornecer sequer o atendimento básico. "Às vezes há mais de duzentas pessoas num pequeno posto de saúde e não há como cuidar nem sequer da metade", relata Schatzmayr. Como a doença pode matar em poucas horas, o número de vítimas fatais é altíssimo para um mal que pode ser combatido com recursos tão simples. "Para combater o mosquito seria necessário manter um exército de 15 mil pessoas dedicadas exclusivamente a visitar as casas em busca de possíveis nascedouros. Com isso, eliminaríamos 99,9% dos casos", diz Hermman Schatzmayr, pesquisador da Fiocruz especializado em dengue.

Também é necessário que a política industrial do governo - anunciada em março e que definiu a área de fármacos como prioritária - estimule a descoberta e a produção de medicamentos. "Temos muitos laboratórios que fazem a formulação, mas não temos laboratórios que desenvolvem o princípio ativo. A relação importação/exportação na área farmacêutica representa para o Brasil um déficit de dois bilhões de dólares por ano", observa Adelaide Maria Antunes, coordenadora do Sistema de Informação sobre a Indústria Química (Siquim) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ministério da Saúde Para virar o jogo, o governo acionou o Ministério da Saúde, que pela primeira vez está assumindo um papel importante na definição de diretrizes na área de ciência e tecnologia. "O ministério está na coordenação de pesquisas, que antes eram fragmentadas. É um esforço político para aumentar o rendimento dos trabalhos", declara Reinaldo Guimarães, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. Nesse ano os recursos para pesquisa são da ordem de 70 milhões de reais. Boa parte dessa verba foi destinada a parcerias com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambos órgãos ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que ainda estão em fase de seleção de projetos. Um dos critérios que deve nortear a escolha é a sua aplicabilidade na indústria.

O Brasil tem urgência em conseguir que suas pesquisas básicas evoluam e transformem-se em produtos finais. "Nós e a Coréia temos praticamente a mesma estrutura científica, mas em termos de patentes eles ganham de dez a zero", diz Morel, baseado em na experiência de quem passou quatro anos dirigindo uma das divisões da OMS e conhece profundamente os processos que levam um país a conquistar um lugar de destaque em termos científicos. "Nesse sentido, a lei de inovação pode ser determinante", declara.

Competitividade Ainda que o governo consiga identificar e apoiar os melhores projetos, qualquer iniciativa no sentido de implantar a fabricação nacional de medicamentos e princípios ativos para as doenças negligenciadas esbarra num grande obstáculo: a competitividade. O maior e praticamente único comprador desses fármacos é o governo e ele é obrigado, por lei, a obedecer ao critério de preço na hora de selecionar os fornecedores. Como é pouco provável que uma indústria incipiente consiga vender por um valor inferior ao dos grandes laboratórios mundiais, é quase certo que a indústria nacional perderá a concorrência e não terá clientes para seus produtos. Isso já aconteceu com os fabricantes de insulina, que não conseguiram competir com fornecedores estrangeiros e abandonaram a atividade. Por outro lado, a lei existe para evitar a corrupção em licitações internacionais. "Temos de achar um modo de flexibilizar a lei para que ela continue sendo eficaz no combate à corrupção, mas permita que a indústria brasileira dispute em pé de igualdade com outros países", diz Guimarães.

Enquanto o governo se debate nesse impasse, algumas instituições conseguem encontrar caminhos alternativos. Uma delas é o Instituto Butantan, ligado à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e capitaneado pelo professor Isaías Raw. Criador do Centro de Biotecnologia do instituto, Raw conseguiu elevar a produção brasileira de soros e vacinas a um nível de qualidade internacional, e aos 87 anos de idade ainda batalha para que o Butantan desenvolva novos produtos. Aproveitando as boas relações, cultivadas durante o período em que trabalhou no Instituto Massachusetts de Tecnologia (MIT) e na Universidade Harvard, ambos nos Estados Unidos, o professor conseguiu firmar uma parceria com o governo norte-americano para a criação de uma vacina contra o rotavírus, que ataca principalmente crianças, e também contra a dengue. "Cada vez mais os Estados Unidos se preocupam com a prevenção de doenças tropicais porque têm militares espalhados por todo o mundo e porque recebem um número altíssimo de turistas e imigrantes vindos de toda a parte. Precisamos aproveitar esse momento", diz Raw. Normalmente, uma nova vacina leva cerca de dez anos para ser desenvolvida, mas com a experiência de quem responde por 80% da produção nacional, o Instituto Butantan espera conseguir disponibilizar a vacina contra a dengue dentro de três anos.

Legislação Apesar dos imensos problemas enfrentados por aqueles que dependem do governo para cuidar da saúde, o Brasil tem uma das melhores legislações do mundo em termos de atendimento aos doentes, ainda que constantemente descumprida. Por isso, acabou atraindo a atenção da ONG Médicos sem Fronteira. Eles estabeleceram aqui a representação para a América Latina da Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, em inglês), um programa realizado em parceria com a OMS e a Fundação Rockefeller. Criada há um ano, ela está selecionando pesquisas que possam se transformar em novos remédios. "Muitos projetos têm grande potencial, mas não conseguem passar da pesquisa básica. Nós queremos dar apoio técnico e financeiro para que eles atinjam a maturidade industrial", explica Cristina Zackiewicz, assessora da DNDi para a América Latina. Além disso, a DNDi também realiza campanhas de sensibilização junto às gigantes da indústria farmacêutica. "Vamos a todos os congressos do setor e tentamos despertar a consciência social das empresas. Se cada uma delas tivesse só um projetinho para as doenças negligenciadas seria uma grande vitória", diz Zackiewicz.

Com Lia Vasconcelos, de Brasília 

 
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