2005. Ano 2 . Edição 11 - 1/6/2005
"A exposição o Brasil Índio não diz respeito ao nosso modo ' índio' de ser, influências ou origem de uma cultura nacional, mas sim à realidade de povos com organização política e cultural profundamente diversa da sociedade brasileira"
Regina Polo Müller
Brésil Indien é o título que os franceses deram à exposição de objetos, imagens e música produzidos por povos indígenas que vivem no Brasil para aquele que foi o evento inaugural do "Ano do Brasil na França", calendário de eventos denominado Brésil, Brésils. Trata-se da temporada cultural que tem o nosso país como convidado, cuja programação tem como finalidade divulgar a arte e a cultura brasileiras, de modo a incrementar as relações entre os dois países, neste e em outros âmbitos.
O principal objetivo do projeto curatorial cuja autoria divido com Luis Donisete Benzi Grupioni é apresentar, mais do que o lugar das culturas indígenas no "mosaico multicultural" brasileiro, aquilo que as torna particulares, autônomas e sobreviventes às transformações históricas que vêm sofrendo, da conquista aos tempos da globalização. O "Brasil Índio" de que trata essa exposição não diz respeito ao nosso modo "índio" de ser, influências ou origens de uma cultura nacional, mas sim à realidade de povos com organização política e cultural profundamente diversa da sociedade brasileira. Não aceitamos as idéias de sincretismos e amálgamas tão caros à construção do conceito de cultura nacional, como o título francês poderia sugerir, mas o aceitamos por sua dubiedade que problematiza a questão da pluralidade cultural.
Antes de mais nada, e retomando as considerações da antropologia contemporânea, considero que uma das melhores maneiras de abordar a diferença essencial que torna esses povos particulares e únicos, cada um com seu modo próprio de ser, é apresentar o lugar que a arte, tal como a concebemos, ocupa nessas sociedades. E para fazer isso nosso projeto não é uma discussão convencionalmente formulada no âmbito das ciências antropológicas e etnológicas, mas uma apresentação sensível de informações apreendidas pela fruição estética, segundo partido que tomamos no projeto curatorial, dessa vez em conjunto com a cenografia de Daniela Thomas e Felipe Tassara.
Estou falando aqui de uma aproximação entre universos estéticos, de modo que o conhecimento possa se realizar a partir de uma experiência humana comum. São exibidos, assim, por meio de uma cenografia concebida nesses termos, objetos de grande impacto artístico. Urnas marajoaras, estatuetas antropomórficas e vasos cariátides de coleções arqueológicas brasileiras e européias, para os tempos pré-históricos, bem como máscaras e plumária do século 18, de museus europeus, são reunidos para evidenciar, na primeira parte da exposição, as tradições estéticas desses povos. A plumária contemporânea e os objetos trançados, cuja matéria-prima principal, a folha de palmeira, é um signo dos trópicos, emprestados principalmente de museus e coleções brasileiras, abrem a segunda parte. Dezenas de culturas estão aqui representadas, por meio de exemplares belíssimos e únicos, pelo uso e significado, e que reúnem, por outro lado, estilos técnicos diversos e matéria-prima comum.
Objetos, imagens em movimento e sons devem proporcionar experiências cinestésicas que conduzem o público a deparar com o conhecido - música, teatro, dança e artes plásticas - e também com a religião, ética e relações de reciprocidade social e econômica, muito diferentes de nossos sistemas ocidentais.
O projeto curatorial busca, em suma, demonstrar que se encontra nas culturas indígenas apresentadas uma verdadeira busca estética na confecção de objetos utilitários - do conforto pessoal aos equipamentos de processamento de produtos alimentares -, nas cerimônias de troca econômica e de socialização dos indivíduos e nos rituais religiosos, ocasião reflexiva sobre a história e a cosmologia e mecanismo de transmissão de valores éticos e morais.
Regina Polo Müller é antrópologa, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da diretoria do Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
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