2004. Ano 1 . Edição 3 - 1/10/2004
"Incentivos econômicos adequados são fundamentais para determinar a eficiência na alocação dos fatores de produção"
Paulo Levy
Em seu último Boletim Conjuntural, o Ipea afirma que para sustentar taxas de crescimento do PIB de 5% ao ano a taxa de investimento teria de ser da ordem de 25% do Produto Interno Bruto (PIB), valor que se compara a uma taxa de 18% do PIB em 2003. A análise que conduz a tal resultado enfatiza que a economia brasileira investiu muito pouco nos últimos anos, em média 19,5% do PIB entre 1995 e 2002, e que isso tende a criar desequilíbrios diante de uma aceleração forte do crescimento como a que se observa na atual recuperação.
A relação entre investimento e crescimento, no entanto, é mais complexa do que o mecanismo automático subjacente àquela análise. De fato, no contexto do ressurgimento do interesse sobre os determinantes de longo prazo do crescimento econômico a partir da segunda metade dos anos 80, boa parte das novas abordagens procura exatamente questionar o automatismo dessa relação, e destacar em seu lugar outras variáveis ou características do sistema econômico cujo papel no crescimento de longo prazo seria mais importante que o do simples investimento em capital fixo.
Um livro recentemente traduzido no Brasil1 traça um histórico da evolução da teoria do crescimento econômico a partir dos anos 40, e mostra que a percepção de uma relação automática entre investimento e crescimento é uma herança de circunstâncias específicas que prevaleceram no período imediato pós-II Guerra Mundial. A principal crítica a análises do tipo "dada uma meta de crescimento do PIB per capita, qual a taxa de investimento necessária para atingi-la" é que elas ignoram o papel dos incentivos econômicos nas decisões de produção e de investimento. Por exemplo, nessas análises as decisões relativas à técnica de produção não são influenciadas pela disponibilidade relativa de fatores de produção, ou seja, não são influenciadas pelos seus preços relativos. Essa questão dos incentivos apropriados - dos quais os preços relativos em geral são uma dimensão fundamental - é crucial para entender por que o crescimento não pode ser pensado apenas como decorrência da acumulação do capital físico.
Incentivos econômicos adequados são fundamentais para determinar a eficiência na alocação dos fatores de produção. Isso significa que taxas de investimento elevadas são perfeitamente consistentes com baixas taxas de crescimento do PIB, e vice-versa. O Brasil já teve períodos em que se investiu muito, porém mal - seja porque o investimento era determinado na esfera estatal, sem maiores considerações quanto à sua eficiência econômica, seja porque os preços relativos encontravam-se distorcidos por excesso de proteção tarifária ou, no sentido contrário, por um câmbio sobrevalorizado. Em qualquer caso, os resultados foram investimentos com baixo impacto sobre o crescimento a longo prazo. Durante a crise de energia, mais recentemente, investiu-se muito apenas para substituir equipamento movido a energia elétrica por geradores e caldeiras a óleo combustível ou gás.
O atual arcabouço da política econômica tem se mostrado capaz de prover sinais adequados de preços relativos que levem a um maior eficiência econômica do investimento. As reformas estruturais dos anos 90, especialmente a abertura comercial e as privatizações também aumentaram a eficiência da economia, o mesmo acontecendo com a estabilidade macroeoconômica. Para frente, a aprovação das reformas - especialmente as relacionadas à regulação de setores de infra-estrutura e aquelas voltadas para a remoção dos obstáculos que hoje dificultam o funcionamento do sistema de crédito e que impedem uma distribuição mais eficaz do risco - também deve contribuir para esse aumento de eficiência. Assim, pode-se esperar que mesmo que o investimento cresça apenas gradualmente, o crescimento do PIB poderia se manter em patamares sustentados, com aceleração também gradual ao longo do tempo.
Paulo Levy é diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no RJ
William Easterly, "O Espetáculo do Crescimento - Aventuras e desventuras dos economistas na incessante busca pela prosperidade nos trópicos", Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. O título é uma tradução algo infeliz de "The Elusive Quest for Growth". O autor passou boa parte de sua vida profissional no Banco Mundial e o livro propõe-se também a fazer uma crítica das práticas e abordagens dessa instituição aos problemas do desenvolvimento econômico.
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