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Perfil - Como ele fez tudo isso?

2015 . Ano 12 . Edição 83 - 19/06/2015

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Mesmo 75 anos depois de sua morte, ainda é difícil entender a vastidão da obra de Adolfo Lutz, o brasileiro que embasou a epidemiologia nacional

Caetano Manenti

Entre seu nascimento, no Rio de Janeiro de 1855, e sua morte, no mesmo Rio de Janeiro de quase um século depois, parece que o mundo inteiro passou sob os pés e os microscópios de Adolfo Lutz. É tarefa quase impossível escolher o primeiro predicado para contar a carreira de um profissional tão especial. Talvez seja melhor recorrer a ele mesmo, ainda com 15 anos de idade, quando revelou seus sonhos em uma carta para sua mãe:

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“O que sempre desejei em criança e, sem refletir devidamente, ainda o desejo agora é ser pesquisador em ciências naturais. (...) Também penso muitas vezes que talvez seja preciso um estudo para ganhar o pão. Ocorre-me a medicina. (...) De minha parte, contentar-me-ei em viver muito modestamente se puder ser um bom pesquisador”. Mesmo com tantas pretensões, todas foram cumpridas com louvor. Mas antes, para entender essa jornada por inteiro, voltemos à sua biografia mais remota. Adolfo é o terceiro dos dez filhos do casal suíço Gustav Lutz e Mathilde Oberteufeer, que, em 1850, chegou ao Rio para apostar no ramo de importação e exportação de produtos agrícolas.

O contexto do nascimento de Adolfo Lutz, no Rio de Janeiro do segundo reinado, tomado por epidemias, ainda iria influenciar sobremaneira a vida do cientista. Mas não seria no Brasil que o gênio cresceria e estudaria. Com apenas dois anos, foi levado para o país de seus antepassados. Aos nove, permaneceu na Europa enquanto seus pais retornaram ao Brasil. Foi nessa época que Adolfo, morando na Basileia, no cantão alemão da Suíça, trocou cartas com sua irmã mais velha, Helena, que também retornara à América. Numa delas deixou claro que, mesmo sendo tão jovem, já estava apaixonado pelas coisas da natureza.

“Mandamos fazer uma casinhola para lagartas e vamos criá-las, mas também vamos apanhar borboletas e esperamos obter muitas para nossa coleção. (...) Também queremos começar uma coleção de plantas secas, e precisamos de folhas e flores brasileiras secas, de preferência com os nomes”.

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Ainda imberbe, aos 13 anos Adolfo leu a Bíblia do naturalista Charles Darwin, publicada naquela mesma década. Se A Origem das Espécies ainda é capaz de impactar um leitor leigo mesmo um século e meio depois, dá para imaginar a potência do estudo na cabeça do nosso entusiasmado personagem.

Aos 18 anos, Lutz trocou a Basileia por Berna para iniciar os estudos universitários. Como havia antecipado à sua mãe alguns anos antes, decidiu-se pela medicina. As universidades de língua alemã tornavam-se referência em toda Europa. Por isso, ainda antes de se formar médico, Lutz teve a oportunidade de entrar em contato com importantes inovações tecnológicas e conhecer bem de perto alguns dos mais consagrados cientistas da efervescente segunda metade do século XIX. Talvez o mais célebre desses encontros tenha sido com Robert Koch – descobridor do bacilo da tuberculose, Nobel de Medicina e um dos pais da microbiologia. A excelência da Universidade de Berna ainda possibilitou que Lutz peregrinasse por outros importantes centros científicos da Europa central, como Leipzig, Estrasburgo e Praga. Já médico formado, viajou para Viena, referência em estudos dermatológicos. Em Londres, acompanhou o conceituado Joseph Lister, um inovador da assepsia em procedimentos cirúrgicos. Por fim, esteve em Paris, em contato com os estudos de Louis Pasteur, outro cientista fundamental da história da medicina moderna. Em resumo: Adolfo Lutz não poderia ter uma formação mais robusta quando, no final de 1881, retornou à sua caótica terra natal.

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“Ele esteve na Europa no momento das grandes descobertas. Naquele momento, ainda não se sabia bem que existia parasita e vetor. É o momento em que se descobre que o mosquitinho pode transmitir uma doença, que o caramujo transmite uma doença, que você tem um hospedeiro intermediário, que você tem um bichinho que vive dentro de outro, que se reproduz dentro daquele outro e que ele acaba o ciclo no corpo do homem. Isso foi fundamental para a formação dele. Foi um diferencial”, conta Magali Romero Sá, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e autora de um amplo estudo sobre a vida de Lutz.

Nos 24 anos que Lutz ficou longe do Brasil, o país se tornara ainda mais insalubre do que quando ele partiu – especialmente, o Rio de Janeiro. A febre amarela mantinha sua mortal virulência. A tuberculose, a diarreia e a malária pressionavam as autoridades do Império a buscar novas soluções de saúde para a população.

Em 1882, Adolfo Lutz deixou o Rio em direção a Limeira, onde já estava sua irmã Helena. No interior de São Paulo, inaugurou a primeira fase de sua carreira, que iria até 1891, trabalhando especialmente como clínico, embora também dedicado a publicar trabalhos originais de biologia das espécies que se relacionavam com os humanos e suas patologias. O dia a dia de Lutz era incessantemente registrado em diários e relatórios. A reunião desse material permite aos pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz recontar com segurança a carreira do cientista. Pedro Antonio Federsoni Junior trabalha no museu do instituto e garante que Lutz não folgava sob hipótese nenhuma.

“Ele trabalhava aos domingos, no feriado de Natal. Existem registros que mostram que ele trabalhava mesmo no ano novo! Em seu diário, há uma passagem que mostra que, num mesmo dia, ele realizou cinco necropsias na Santa Casa. Duas na estalagem dos imigrantes. Depois ele vai para o Hospital dos Inválidos. Ainda escreve sobre os sabiás e sobre o burro da cocheira”.

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Nos primeiros anos em que atuou no interior de São Paulo, Lutz se surpreendeu com a precária situação de saúde dos escravos brasileiros. A filha de Adolfo, Bertha Lutz, escreveu sobre uma das primeiras experiências médicas de seu pai em fazendas cafeeiras. Adolfo teria dito a um feitor:

“Se o seu escravo é de valor, posso examiná-lo, mas o senhor terá que colocá-lo numa cama, pôr um cobertor para que eu possa auscultá-lo e ter a cabeça um pouco mais alta. Depois, já que é um escravo de valor, é preciso tratá-lo bem”.

Já nesta época, ficava nítido o caráter liberal do cientista, o que viria a influenciar severamente a própria Bertha, outra Lutz de biografia notável. Em pouco tempo, o médico ganhou reputação de grande diagnosticador e passou a ser chamado para missões longínquas, muitas realizadas a cavalo. Nas horas vagas, escrevia e logo figurava em algumas das principais publicações do mundo. A essa altura, o estudo dos vermes, ou a helmintologia, já encantava Lutz, que viria a se tornar um dos maiores cientistas do ramo.

Ancilostomíase, oxiuríase, ascaridíase e tricocefalose: se os nomes já são difíceis, é possível imaginar como era complexo descobrir suas causas e efeitos na incipiente medicina epidemiológica das últimas décadas do século XIX. Lutz conseguiu e tornou-se pioneiro no Brasil no estudo das doenças de animais.

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“Ele estudava algo, descobria, mas não parava num mesmo assunto. Logo passava para outro”, diz Magali Romero Sá, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz.

Foi com essa inquietação que Lutz prosseguiu sua carreira. Primeiro em Hamburgo, na Alemanha, onde se aprofundou na dermatologia, especialmente no bacilo da lepra. Logo se transformaria na maior autoridade brasileira no assunto. Em 1889, retornou para o Brasil e foi fundamental em outra grande missão: conter a epidemia de febre amarela em Campinas (SP), que registrou duas mil mortes num único ano.

No dia em que o marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República brasileira, Lutz já desembarcava em Honolulu, no Havaí. No paradisíaco arquipélago, o cientista trabalhou no leprosário local e ainda inaugurou estudos que seriam fundamentais para tratar, anos mais tarde, a esquistossomose e a malária no Brasil. A estadia nos Estados Unidos durou quatro anos, contou com uma temporada na Califórnia e ainda resultou em casamento, com a enfermeira inglesa Amy Fowler.

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Em 1893, Lutz voltou em definitivo a viver no Brasil e iniciou talvez a mais marcante fase da sua carreira, como diretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo, cargo que ocupou por intensos 15 anos. De dentro de seu laboratório, o cientista liderou desafiadoras batalhas contra as mais perigosas epidemias de sua era: a cólera, a febre tifoide e a malária, por exemplo. Ainda como diretor do instituto, Lutz realizou uma de suas mais importantes descobertas, a malária silvestre e seu mosquito transmissor, que se reproduzia em águas armazenadas em bromélias. Outro feito notável de seu período em São Paulo foi a criação de laboratórios para a fabricação de soro e vacina contra a peste bubônica. O mais famoso deles foi montado na fazenda Butantan, onde atualmente funciona, justamente, o Instituto Butantan.

“Lutz teve a sorte de ter Emílio Ribas como diretor de serviço sanitário aqui em São Paulo, o que seria hoje o secretário da saúde. Ribas era outro lutador. Isso tudo é uma conjunção dos deuses. Os melhores homens no tempo mais preciso. Deu tudo certo”, conta Pedro Antônio, do museu do Instituto Adolfo Lutz.

A carreira de Lutz, no entanto, não seria só de conquistas. Avesso à política, até mesmo àquela fundamental em seu próprio ramo, o cientista colecionou desafetos e teve dificuldade de triunfar com alguns de seus estudos. Gostava mesmo de trabalhar em seu laboratório, nunca acompanhado por uma grande equipe. Teria sido pela dificuldade em transitar em alguns círculos paulistanos que Lutz deixou o Instituto Bacteriológico em 1908 e voltou ao Rio de Janeiro.

Em sua cidade natal, Lutz não poderia encontrar instituição mais receptiva do que o Instituto Soroterápico de Manguinhos, onde já trabalhava o sanitarista Oswaldo Cruz. Os conhecimentos zoológicos de Lutz foram fundamentais para transformar o centro em referência em doenças tropicais. Logo, o instituto seria rebatizado com o nome de Oswaldo Cruz.

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Já como um senhor acima dos 60 anos, Lutz organizou diversas expedições científicas. Percorreu o vale do rio São Francisco, no Nordeste. Acompanhou o leito do rio Paraná para conhecer as condições sanitárias do Paraguai, Argentina e Uruguai. Em 1925, esteve também na Venezuela para organizar o departamento de parasitologia da Universidade de Caracas.

Depois dessa viagem, Lutz iniciou a última fase de sua prodigiosa carreira. Agora ao lado de um fiel auxiliar chamado Joaquim Venâncio, se resguardou em seu laboratório justamente para aprofundar estudos sobre a prática laboratorial e a microscopia. Já com problemas na visão, o cientista migrou para o estudo dos anfíbios. Muitas vezes, utilizava o próprio tato para as averiguações.

Os estudos de Lutz no Brasil ainda identificaram o mosquito aedes aegypti como um dos vetores da febre amarela e consolidaram o processo conhecido como pasteurização como fundamental para o leite industrializado. No entanto, o entendimento da vastidão da obra de Lutz não pode ser reduzido às suas “aplicações”, como conta Magali Romero Sá.

“Ele era um cientista da ciência pura, da ciência básica. Ele contribuiu para o conhecimento em si. As aplicações, digamos assim, ele deixava para outras pessoas fazerem.”

Adolfo Lutz morreu aos 84 anos, vítima de uma pneumonia. Deixou dois filhos: Gualter Adolpho e Bertha Lutz. Bertha teve proeminência na luta feminista brasileira no século XX. Lutou pelo voto feminino e chegou a ser deputada federal por um ano. Além da prole, Lutz, incansável colecionador, deixou vasto material de estudo. Como maior homenagem, logo após sua morte, o Instituto Bacteriológico de São Paulo passou a se chamar Instituto Adolfo Lutz. Hoje, com cerca de mil funcionários, ainda é referência em análises físicas, químicas e biológicas.

 
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