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Entre o público e o privado

2014 . Ano 10 . Edição 79 - 23/05/2014

Foto: Heraldo Limma
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ONGs estão prestes a ganhar marco regulatório que promete dar mais transparência nas relações com governos. Pesquisa do Ipea revela um universo de 10 mil entidades que receberam mais de R$ 30 bilhões de repasses federais nos últimos 10 anos

Letícia Oliveira*

Organizações não governamentais, mesmo que não houvesse essa terminologia, são tão antigas quanto a própria coexistência de governos constituídos e empresas. Porém, somente a partir da segunda metade do século 20, quando as entidades que pertencem à esfera da iniciativa privada, mas com fins não lucrativos, passaram a ser chamadas em todo o mundo de terceiro setor, aqueles serviços prestados por cidadãos comuns ganharam mais atenção e espaço na sociedade. As ONGs, então, passaram a ser vistas por muitos setores como solução para muitos dos problemas que o Estado brasileiro e suas instituições eram incapazes de resolver. Em 2010, já havia mais de 290 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos no país.

De duas décadas para cá, as ONGs se tornaram onipresentes e grande parte delas recebe recursos do Estado para desempenhar as mais diversas funções sociais. Porém, em um país patrimonialista como o Brasil, onde a linha divisória entre o público e o privado nunca foi muito clara, também houve envolvimento de algumas ONGs em desvios de recursos públicos para atender a interesses privados. A boa notícia é que o Congresso Nacional está prestes a aprovar um novo marco legal para as ONGs, que dará maior clareza e transparência às parcerias celebradas entre organizações civis e o governo federal. Falta só a aprovação da Câmara dos Deputados e a sanção da presidenta Dilma Rousseff para a proposta virar lei.

A principal mudança do projeto de lei aprovado pelo Senado está na criação de dois tipos de contrato entre governo e organizações da sociedade civil: “termo de colaboração” e “termo de fomento”. Os gestores públicos serão obrigados a realizar um “chamamento público”, uma espécie de edital de concorrência entre ONGs. Para receber verbas públicas, as organizações precisarão ter, no mínimo, três anos de existência e comprovar experiência no serviço a ser prestado. Elas serão ficha limpa e poderão cobrir despesas como remuneração da equipe dimensionada no plano de trabalho, diárias referentes a deslocamento, hospedagem e alimentação e a aquisição de equipamentos e materiais permanentes com recursos da parceria com o governo.

MUNDO BILIONÁRIO Dois estudos divulgados pelo Ipea em 2013 são fundamentais para se entender o universo das Organizações Não Governamentais no Brasil. No mais recente, publicado em novembro último, As entidades sem fins lucrativos e as políticas públicas federais: tipologia e análise de convênios e organizações, os pesquisadores Felix Lopez e Leonardo Barone fazem um levantamento pioneiro sobre os recursos transferidos voluntariamente pela União a 10 mil entidades sem fins lucrativos (ESFLs), entre 2003 e 2011, que chegam à soma de aproximadamente R$ 29 bilhões em repasses.

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Isso representa 15% do total das transferências feitas pelo governo federal no período. O recorde foi em 2005 – R$ 6,2 bilhões em repasses. Cerca de 36 mil convênios foram analisados. Fora os financiamentos da administração indireta e os incentivos ao esporte e à cultura, que não entraram no estudo. Os pesquisadores do Ipea destacam a escassez de informações sobre convênios firmados antes de 2003, o que restringiu o período da pesquisa.

Conforme explicam os pesquisadores, no valor apurado não estão incluídos incentivos à cultura, ao esporte e nem outro mecanismo de transferência que não seja por convênios. Os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Saúde (MS) respondem, juntos, por 46,2% do gasto total do governo federal em convênios com as ESFLs. O estudo demonstrou ainda que as parcerias firmadas entre o governo federal e as entidades tiveram múltiplas finalidades: desde a manutençã o de serviços de saúde, assistência social ou educaçã o até a realizaçã o de eventos, financiamento de atletas em competiçã o esportiva e construçã o de infraestrutura para organizaçã o ou realizaçã o de estudo técnico.

“Apesar de o universo de organizações e objetivos dos convênios ser bastante heterogêneo, há grande previsibilidade no tipo de organização e objetivos de convênios em cada área da política e nos órgãos do governo federal”, afirma Felix Garcia Lopez. “Sem as organizações da sociedade civil a execução de várias políticas públicas federais seria inviável”. Lopez lembra que as parcerias entre o governo e as ESFLs suprem deficiências da burocracia estatal em diferentes políticas públicas.

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“Sem as organizações
da sociedade civil a
implementação de várias
políticas públicas federais
seria inviável”




Felix Garcia Lopez, pesquisador do Ipea

VIA DE MÃO DUPLA Em outro estudo do Ipea, também publicado em 2013, Estado na visão das ONGs: uma sociologia das percepções, o sociólogo Fernando Lima Neto foca a relação das entidades da sociedade civil com o Estado, mas do ponto de vista das entidades. Vale lembrar que, em todo mundo, a ascensão do neoliberalismo a partir da década de 1980 abriu espaço para maior atuação das entidades da sociedade civil. No Brasil, o Estado tem aumentado o volume de recursos destinados às parcerias com ONGs, se somarmos os recursos dos três níves de governo.

O estudo parte do pressuposto de que as ONGs, criadas a partir dos anos 1980, mudaram sua relação com o Estado na década seguinte, deixando a situação de oposição para a postura de cooperação. Lima Neto destaca que as organizações veem a relação com o governo como uma “via de mão dupla”, na qual o governo, ao mesmo tempo, amplia e limita a atuação da entidade civil. Amplia na medida em que financia as ações das organizações. E limita ao fazer exigências burocráticas e administrativas na prestação de contas dos serviços prestados.

O estudo divide o trabalho das ONGs em quatro funções: servir, articular, representar e transformar. De acordo com a percepção majoritária dos dirigentes das organizações civis, a tarefa primordial delas é oferecer serviços à população, desde os que são tradicionalmente de competência do Estado, como saúde e educação, até aqueles que promovem capacitação profissional e momentos de lazer, além de serviços de assessoria técnica e jurídica a setores específicos da sociedade. Os dirigentes das organizações também se preocupam com as “ONGs de fachada”, isto é, aquelas que apenas se interessam pelos recursos públicos. É nelas que imperam a corrupção e o clientelismo e isso reforça um dos aspectos mais discutidos pelo novo marco legal: a exigência de que as organizações sejam ficha limpa – apesar da burocracia – para que recebam verbas públicas.

AS MUDANÇAS QUE ESTÃO POR VIR

O projeto de marco regulatório aprovado pelo Senado em dezembro de 2013 foi resultado de um grande acordo feito entre governo e oposição para dar maior clareza quanto às regras de cooperação entre Estado e ONGs. O principal articulador do acordo foi o senador Rodrigo Rollemberg, relator do marco regulatório em três diferentes comissões do Senado: de Meio Ambiente, de Economia e de Constituição e Justiça. Primeiro Rollemberg alterou completamente o texto apresentado por Aloysio Nunes. Depois, incorporou propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho do Governo, criado em 2011 pela presidenta Dilma Rousseff. Por fim, atendeu às reivindicações feitas pelas ONGs. Veja abaixo o que muda, segundo o texto que foi para a aprovação na Câmara:

• Os órgãos do governo terão que selecionar ONGs para parcerias por meio de chamadas públicas;

• Os valores dos projetos a serem desenvolvidos por ONGs terão de ser publicados anualmente;

• Em vez de convênios, haverá dois tipos de contrato: “termo de colaboração” e “termo de fomento”;

• As organizações poderão cobrir despesas como remuneração da equipe dimensionada no plano de trabalho, diárias referentes a deslocamento, hospedagem e alimentação e a aquisição de equipamentos e materiais permanentes com recursos da parceria com o governo;

• Parcerias do governo com organizações civis dirigidas por ocupantes de cargos em órgãos ou entidades da administração pública serão proibidas, assim como as dirigidas por pessoas com contas rejeitadas pela administração pública nos últimos cinco anos ou consideradas responsáveis por atos de improbidade.

Lima Neto assinala que, no plano ideal, os papéis das ONGs mais mencionados pelos dirigentes das organizações foram complementar a ação do Estado, fiscalizar o Estado, representar a sociedade, influenciar a opinião pública, influenciar as políticas públicas e articular a sociedade. “Todas estas variáveis possuem uma frequência próxima e reiteram uma espécie de dupla necessidade das ONGs: colaborar com o Estado sem deixar de manter um distanciamento crítico em relação a este”, explica o pesquisador.

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Mesmo entidades fortes, como a Pastoral da Criança (foto), queixam-se do excesso de exigências burocráticas

CONTABILIDADE SIMPLIFICADA O marco regulatório também possui raízes em duas Comissões Parlamentares de Inquérito criadas no Senado para investigar relações promíscuas de organizações sociais civis com o Estado. A partir das conclusões das CPIs, o senador Aloysio Nunes Ferreira apresentou um projeto de lei para regular a questão da contratualização. Mas as discussões vão além e também tratam de questões que visam à criação de um fundo patrimonial, à sistematização das informações, à regulação do Estado para o melhor aproveitamento das políticas públicas e ao estímulo para contribuições da iniciativa privada e das pessoas físicas com o repasse de recursos. “Um bom marco regulatório é uma relevante conquista para que as organizações da sociedade civil possam continuar a desenvolver o seu trabalho”, afirma o senador Rodrigo Rollemberg, relator da nova legislação nas comissões de Economia e de Constituição e Justiça do Senado.

Além da falta de um marco regulatório para o terceiro setor, as ONGs reclamam das dificuldades de se enquadrarem nos formulários do Siconv, sistema criado pelo governo federal para atender aos repasses da União para os demais entes da Federação, e adaptado para atender às entidades. “O ideal seria as organizações transferirem suas contabilidades para o governo, para que se efetivasse a redução das contrapartidas, algo já estabelecido, por exemplo, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014”, diz Sílvio Sant’Anna, membro da Fundação Esquel e tesoureiro da Pastoral da Criança. Ele observa que “existem organizações que não possuem a infraestrutura de informática e alcance tecnológico para acessar o Siconv e para digitalizar as informações requeridas pelo sistema, e que este acaba gerando um retrabalho para muitas ONGs”.

Para o secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência da República, Diogo de Sant’Ana, o governo tem ciência de que só o marco regulatório não basta para tornar as relações entre Estado e ONGs livres de irregularidades. Ele aventa a instituição do Simples Social e a criação de um fundo patrimonial para atender a projetos desenvolvidos pelas ONGs, como já existe em outros países desenvolvidos. Defende a sistematização das informações para melhor aproveitamento das políticas públicas, a exemplo do que já acontece com a iniciativa privada. O foco do Planalto hoje, informa Sant’Ana, é o eixo da sustentabilidade econômica, que, segundo ele, se constrói com incentivo às doações individuais, melhoria do planejamento, padronização, habilitação e aperfeiçoamento dos editais por parte da administração pública.
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* Leticia Oliveira é especialista em Política e Gestão de ONGs, pela Universidade de Brasília, com a tese “Captação de Recursos e Financiamento lnternacional de Projetos”.

 
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