resep nasi kuning resep ayam bakar resep puding coklat resep nasi goreng resep kue nastar resep bolu kukus resep puding brownies resep brownies kukus resep kue lapis resep opor ayam bumbu sate kue bolu cara membuat bakso cara membuat es krim resep rendang resep pancake resep ayam goreng resep ikan bakar cara membuat risoles
Melhores Práticas - As margens do desenvolvimento

2012 . Ano 9 . Edição 74 - 31/10/2012

Foto: Pascalle Cavernes

Daniella Cambaúva – de São Paulo

Projeto realizado por associação comercial em comunidade de difícil acesso no Amazonas cria entrepostos de comercialização e melhora geração de renda em comunidades ribeirinhas. O desafio agora é equipar centros de comércio e dotá-los de rede de internet

O rio Juruá é um dos mais sinuosos do mundo. O nome, em guarani, quer dizer “rio de boca larga”. Nasce no Peru e atravessa o estado do Acre até desaguar no Solimões. É o 12º maior rio brasileiro, e se estende por 3.350 quilômetros. A parte navegável serve como hidrovia para diversas cidades, comunidades e povoados. Um trecho que vale como cartão postal em um lugar no qual rodovias e ferrovias são praticamente inexistentes. Em uma de suas margens, está a cidade de Carauari (Amazonas), localizada em um terreno acidentado onde há uma ribanceira íngreme, constantemente assolada pelo impacto das águas.

O difícil acesso à cidade – distante 540 quilômetros da capital Manaus – e a parca infraestrutura ali existente – em muitas das comunidades, não há nem mesmo energia elétrica – fez da região um local pouco atrativo para o desenvolvimento de uma rede mínima de comércio.

Foto: Vihh

Vista aérea do rio Juruá, que se estende por mais de três mil quilômetros. A parte navegável serve como hidrovia para diversas cidades, comunidades e povoados

Ao tentar reverter essa situação de subordinação econômica, a ASPROC (Associação dos Produtores Rurais de Carauari) desenvolveu o projeto “Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário”, responsável pela criação de 15 pequenos mercados distribuídos entre as 55 comunidades situadas à beira do Juruá que formam a cidade de Carauari. O objetivo principal é viabilizar oportunidades de geração de renda, “elevando os ganhos familiares e promovendo a cidadania na região, através de processos de organização, gestão e comercialização da produção sustentável”, de acordo com documento divulgado pela Associação.

Foto: Sidney Murrieta

“Hoje, com 51 reais
é possível comprar no
comércio ribeirinho
o que se comprava com
100 reais no regatão.
Isto é praticamente dobrar
o poder de compra da
população”.

Adevaldo Dias,
coordenador da iniciativa

A iniciativa é inédita no local e, por conta do êxito empreendido, o Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário figura entre as 50 práticas finalistas da quarta edição do prêmio ODM Brasil, realizada em 2011. O prêmio incentiva ações, programas e projetos que contribuam para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e conta com o apoio do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e de um conjunto de empresas e associações do setor privado. A Coordenação técnica do Prêmio é de responsabilidade do Ipea(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

UMA NOVA REALIDADE A falta de uma rede de comércio sempre foi um impeditivo para o desenvolvimento de Carauari. Contando com 26.130 habitantes, de acordo com o censo de 2010, e com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,575 (considerado médio, sendo que o índice nacional é de 0,718), a cidade possui uma densidade demográfica de apenas um habitante por quilômetro quadrado. Na maioria das comunidades ribeirinhas, a energia elétrica fica a cargo de geradores que só funcionam algumas horas por dia.

O cerne do projeto Comércio Ribeirinho da Cidadania e Solidário são os chamados entrepostos de comercialização, ou cantinas. Suas 15 unidades estão dispostas ao longo da Região do Médio Juruá e cada uma conta com uma casa de madeira equipada com uma escrivaninha, uma cadeira, uma impressora, um computador e sistema de comunicação por radiofonia. Em cada cantina, há 132 produtos como arroz, feijão, enlatados, sabão em pó, água sanitária, achocolatado, leite em pó, balas, leite condensado, absorvente e preservativos. Ali, as familias ribeirinhas podem comprar seus produtos e também levar sua produção para ser vendida.

Segundo o coordenador da iniciativa, Adevaldo Dias, a ideia é garantir a comercialização da produção sustentável das comunidades ribeirinhas da região. O projeto garante a comercialização nas próprias comunidades, pagando à produção local o preço de mercado e oferecendo produtos industrializadas aos ribeirinhos, com preços menores do que aqueles verificados na sede do município.

Se antes podiam levar até 52 horas para comprar seus os produtos, hoje os cidadãos de Carauari os encontram a menos de duas horas de um entreposto. Dona Maria, uma das moradoras da Comunidade Novo Horizonte, a 11 horas de Carauari, lembra que, antes da criação das cantinas, quando acabava um produto em casa, “[a gente] se destacava daqui pra ir em Caruari fazer uma despesa, comprar umas coisinhas, e ver o dinheiro da gente. Chegava lá, não dava quase nada, né? E hoje a gente só faz pegar a produção da gente, vende aqui, né? Aí compra as coisinhas”.

Foto: Ipam

Se antes podiam
levar até 52 horas para
comprar seus os produtos,
hoje os cidadãos de Carauari
os encontram a menos de
duas horas de um entreposto,
o que facilitou a vida

PERFIL DE CONSUMO De acordo com Dias, os produtos industrializados disponíveis nas cantinas são comprados em mercados atacadistas de Manaus e a Associação arca com os custos do frete. A compra demora, em média, sete dias para chegar a Carauari, onde é feita uma lista para organizar a distribuição pelos entrepostos.

A única opção que restava aos ribeirinhos além de ir a Carauari fazer compras e vender sua produção era comprar, vender ou fazer trocas com os regatões. O problema era o preço cobrado por eles. “[Hoje], com 51 reais é possível comprar no comércio ribeirinho o que se comprava com 100 reais no regatão. Isto é praticamente dobrar o poder de compra da população”, afirmou Dias.

Para se ter uma ideia da diferença entre os preços, um quilo de açúcar, que custa R$ 1,70, não saía por menos R$ 2,60; um quilo de feijão, que custa R$ 2,90, custava R$7,50; e um pacote de bolacha, que pode ser comprado por R$ 2,00, custava R$ 5,00. Já o preço da gasolina, que era de R$ 6,50, passou a R$ 3,50 por litro. O diesel era R$ 4,50 e hoje é R$ 2,95.

Ainda de acordo com Dias, além da possibilidade de se oferecer produtos industrializados com preços melhores, uma prova evidente dos resultados do projeto é a característica das demandas: “Hoje, eles compram DVD, antena, motor rabeta, que funciona para eles como uma motocicldeta, coisas que você dificilmente via antes. Isso coincide com o Bolsa Família, porque muitas famílias, talvez a maioria delas, é beneficiária”. Nas cantinas, não há eletrônicos ou eletrodomésticos, mas é possível comprá-los por encomenda.

Foto: Sidney Murrieta

“Eu fiquei muito bem
impressionado com o trabalho
que eles desenvolvem lá. A
coisa é bem gerenciada e muito
organizada. Estão tentando
informatizar o estoque, a
produção”

João Paulo Viana,
pesquisador do Ipea

PRODUÇÃO RIBEIRINHA A produção dos ribeirinhos é liderada essencialmente pela farinha de mandioca e pela borracha natural produzida a partir do látex, vendida a uma pequena usina da região. Outros artigos são o açaí e a piaçava usada na confecção de vassouras. Antes, o problema não era apenas a dificuldade para comprar mercadoria. Havia falta de oportunidade para comercializar a produção, inviabilizando a geração de excedentes e minando as possibilidades de adquirir artigos essenciais para uma vida saudável.

A solução para driblar a falta de alimentos era, algumas vezes, encontrada em atividades ambientalmente não recomendáveis, como a pesca predatória, a caça comercial de animais silvestres, a extração ilegal de madeira e a pesca de quelônios – produtos com mercado certo entre os regatões. Nas palavras de Dias, havia um “sistema de trocas injustas que deixava as famílias em situação de insegurança alimentar pela exploração a que estavam submetidas”.

João Paulo Viana, um dos pesquisadores do Ipea que visitou Carauari, enaltece a prática. Para chegar até lá, desembarcou no aeropoto de Manaus e recorreu à unica alternativa aos sete dias de barco: um avião turboélice bimotor que sai da capital duas vezes por semana. A passagem sai por R$ 400.

Em sua opinião, um dos aspectos mais relevantes da prática é a eficiência do modelo de administração desenvolvido no local. “Eu fiquei muito bem impressionado com o trabalho que eles desenvolvem lá. A coisa é bem gerenciada e muito organizada. Estão tentando informatizar o estoque, a produção”.

ORIGENS DA ASSOCIAÇÃO Adevaldo Dias conta que os ribeirinhos – populações que vivem naquela região há mais de três gerações – eram completamente submissos aos “patrões”, pessoas que se apossavam das terras da região, controlando os recursos naturais. Em uma região tradicionalmente extrativista e dependente da agricultura de subsistência nos moldes da agricultura familiar, os moradores da zona rural tinham necessidades básicas, como a alimentação, saúde e transporte, dependentes de uma injusta política de troca.

Foto: Chico Ferreira

“Além de fazer o atendimento
diário aos ribeirinhos, nós
fazemos um rigoroso sistema
de prestação de contas. O
registro é feito em um sistema
de computador, mas não há
internet para transmissão dos
dados. Não tem internet nas
cantinas, então nós pegamos os
dados em um pen drive”

Adevaldo Dias,
coordenador da iniciativa

Neste contexto, foi criada a Associação pelos próprios trabalhadores ribeirinhos e pela sociedade civil de Carauari com objetivo de organizar e comercializar a produção da Região do Médio Juruá. “Tudo começou na década de 1990, com a conscientização das pessoas sobre a necessidade de se organizar e de comercializar a produção de forma justa. A ASPROC teve suas primeiras experiências em 1992. Em 1994, começou a funcionar oficialmente”, contou Dias.

A ideia de desenvolver um comércio que proporcionasse independência econômica e geração de renda para as comunidades ribeirinhas surgiu junto da ASPROC, mas nem sempre o projeto obteve sucesso. Entre 1992 e agosto de 2009, o modelo de comercialização feito pelas Associação era itinerante. Um barco com capacidade para 15 toneladas percorria o rio Juruá levando as mercadorias industrializadas e comprando a produção. Como havia um barco só, era possível passar em cada uma das 55 comunidades apenas uma vez a cada dois meses.

“Gerava muitas despesas e as pessoas não tinham muito para vender. Ou porque já tinham vendido para os regatões ou porque produziam pouco. Não existia um planejamento da produção como se tem hoje”, afirmou Dias.

Também na nova gestão, foram criados os entrepostos e capacitados dois jovens para cada um deles. Assim, acabaram os gastos com combustível e os moradores de todas as comunidades passaram a ter acesso às mercadorias constantemente.

RESULTADOS E PARCERIAS Com a prática, em 2010, foram atendidas 450 famílias, o que totaliza 2.269 pessoas. Já em 2011, foram 600 famílias, o equivalente a mais de três mil pessoas.

Outro benefício foi a capacitação de 225 famílias no processo de fabricação de farinha, 42 pessoas no processo de comercialização e gestão, além de 12 diretores no gerenciamento da organização. Por conta desse resultado, além do Prêmio ODM Brasil, o projeto também recebeu o Prêmio de Tecnologia Social 2011 da Fundação Banco do Brasil.

Atualmente, o Comércio Ribeirinho conta com parceria da Petrobras; da Fundação Banco do Brasil; da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento); da Prefeitura Municipal de Carauari; do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS); da Associação dos Moradores Agroextrativistas da RDS Uacari – AMARU; do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (IDAM); da Secretaria de Estado de Articulação de Políticas Públicas aos Movimentos Sociais e Populares (SEARP); da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

O FUTURO Natural de Caruari, Adevaldo Dias morou em Manaus por seis anos, até 2009, quando foi chamado para coordenar o projeto. Conhece bem as peculiaridades de cada comunidade, sabe de cor todos os números referentes ao comércio ribeirinho e se mostra satisfeito com os resultados. No entanto, não esconde a necessidade de aprimorar alguns aspectos: “Conseguimos comprar um barco de 40 toneladas e conservamos o barquinho antigo, com capacidade para 15 toneladas. Mas hoje a nossa grande dificuldade é a estrutura do transporte”.

Segundo ele, outra meta é aperfeiçoar o atual modelo de gestão. “Além de fazer o atendimento diário aos ribeirinhos, nós fazemos um rigoroso sistema de prestação de contas. O registro é feito em um sistema de computador, mas não há internet para transmissão dos dados. Não tem internet nas cantinas, então nós pegamos os dados em um pen drive”, disse. Professor com especialização em gestão ambiental, Adevaldo tem uma vontade: “fazer economia para ajudar no projeto”.

 
Copyright © 2007 - DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação sem autorização.
Revista Desafios do Desenvolvimento - SBS, Quadra 01, Edifício BNDES, sala 1515 - Brasília - DF - Fone: (61) 2026-5334