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Tecnocracias à moda da União Europeia?

2012 . Ano 9 . Edição 71 - 08/05/2012

Foto: Dreamstime

Pedro Estevam da Rocha Pomar - de São Paulo

A crise europeia, especialmente na Grécia e na Itália, resultou na queda de governos democraticamente eleitos. Em seu lugar, tomaram posse administrações tidas como “técnicas” e “distantes das paixões políticas”. Quatro especialistas – Carlos Eduardo Carvalho (PUC-SP), Ladislau Dowbor (PUC-SP), Tullo Vigevani (UNESP) e Franklin Trein (UFRJ) – debatem as consequências econômicas e políticas de tais eventos

Enquanto a crise europeia segue seu caminho, é possível divisar, entre as perdas mais óbvias, os reveses causados à democracia e à soberania de algumas nações. Tanto a Grécia, obrigada a cancelar um referendo popular, como a Itália, em que a crise acelerou a saída de Sylvio Berlusconi do poder, possuem novos governos desde o final de 2011. Os dois países contam com administrações tidas como “técnicas” ou “tecnocráticas” – termo que o Financial Times, por exemplo, emprega para classificar a atual administração italiana. Eles resultam de pressões da Alemanha, França, Banco Central Europeu (BCE) e de outros atores do jogo das finanças mundiais.

Os primeiros-ministros Lucas Papademos (Grécia) e Mario Monti (Itália) são egressos da área econômica. Papademos é ligado ao setor financeiro, exerceu a presidência do Banco Nacional da Grécia e foi vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE). Monti, embora de origem acadêmica, foi comissário europeu e neste cargo assumiu a tarefa de controlar monopólios. Mas em que medida seria aceitável classificá-los como meros “técnicos” ou “tecnocratas”? Afinal de contas, que significado tem tais palavras?

QUESTÕES OCULTAS Carlos Eduardo Carvalho, economista e professor da PUC-SP, pensa que o emprego de tais termos é mistificador. Estariam ocultas as questões centrais que levam à aprovação desses dirigentes políticos por jornais como o Financial Times e pelas instâncias decisórias da UE. “O objeto das decisões que deverão tomar é essencialmente político, no sentido de que estão envolvidas escolhas que afetam interesses sociais e econômicos diferenciados e por vezes contraditórios. Afinal, quem pagará a conta do ajuste, quem deverá ser castigado pelos problemas que geraram a situação atual, e outras escolhas semelhantes?”. Para Carvalho, “aqueles são dois governos tão ‘técnicos’ e políticos quanto os anteriores”.

A segunda questão que se procura escamotear, prossegue ele, “É que não há saber ‘técnico’ a ser utilizado para resolver os problemas. O que há são pessoas de confiança dos setores dominantes na UE para garantir a aplicação de medidas que não afetem os bancos e o capital financeiro”.

Franklin Trein, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), enxerga nesse cenário uma espécie de intervenção direta da alta finança, destinada a afastar os intermediários habituais: “Papademos e Monti são muito mais agentes do capital do que de forças políticas tradicionais, organizadas em partidos internos a cada um dos dois países”, opina. “Monti, embora tenha tido atividades acadêmicas, sempre foi consultor do sistema financeiro. Como disse Bill Gates, em recente entrevista ao periódico espanhol El País, os técnicos são mais frios e assim estão em condições de tomar medidas mais duras com menos problemas de consciência”.

Foto: Arisson Marinho/Agecom

“A irresponsabilidade
dos grupos financeiros
levou a uma primeira fase
da crise, com transferência
de dinheiro público
para os bancos.
E agora está na segunda fase,
com transferência do déficit
público assim criado para
as populações”

Ladislau Dowbor,
economista e professor da Puc-SP


ALTA FINANÇA O professor de Ciência Política Tullo Vigevani, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), acredita porém que a designação não é totalmente desprovida de sentido, pois explica parte das razões pelas quais estas pessoas foram escolhidas. “Tanto Papademos quanto Monti – e não apenas eles, mas boa parte dos seus ministérios e altos cargos – têm fortes ligações com a alta finança, sobretudo europeia. Não se tratam de escolhas originadas normalmente do jogo político”, argumenta. “Creio que possam ser considerados como técnicos com formação em altos escalões da administração financeira da UE”.

Ao mesmo tempo, continua Vigevani, é mais difícil caracterizar a relação desses personagens com o mundo político. “Na Itália, o presidente Giorgio Napolitano, ocupante de um cargo normalmente institucional e protocolar, teve um papel na escolha de Monti. Os partidos políticos têm de se adaptar a esses governantes, calculando que apenas eles poderiam tomar as medidas antipopulares e, em alguns casos, anticorporativas, que a UE e especialmente o governo alemão estão determinando”.

Além dos partidos de centro-esquerda que dão suporte aos governos grego e italiano, observa ainda o professor da Unesp, “Boa parte da opinião pública ilustrada, inclusive da classe média, também os apoia, pois os consideram o caminho da salvação nacional”.

ULTIMATO À DEMOCRACIA A hipótese de que tais governos supostamente técnicos seriam a consequência política de ultimatos da Alemanha e da França é só parcialmente correta, pois não explica toda a equação. “São governos de confiança, que irão procurar soluções que não contrariem os interesses dominantes da Alemanha e da França, mas são também o resultado de um ultimato das elites financeiras dos dois países contra suas próprias instâncias democráticas, de modo a evitar o surgimento de políticas que penalizem os seus próprios bancos e os seus próprios interesses financeiros dominantes”, diz Carvalho, da PUC-SP.

Vigevani concorda: “Deve-se considerar que essas imposições resultam também de boa convergência com grupos econômicos e políticos locais”. E ressalta: “A convergência de conservadores e socialistas dá base palamentar ao governo de Papademos, na Grécia”.

Crise coloca em risco União Europeia

A explicação para o descarte dos interlocutores usuais (os líderes partidários) e sua substituição por “técnicos” de confiança pode ser encontrada no processo de crescente e brutal concentração do capital, como sustenta o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP. “O poder econômico se deslocou claramente, nas últimas décadas, das mãos dos governos para as grandes corporações. Um balanço recente do insuspeito ETH (Instituto Federal Suíço de Tecnologia) de Zurique conclui que 80% do controle do mundo corporativo planetário está nas mãos de 737 corporações, e que neste grupo restrito 147 corporações densamente estruturadas (tightly nit) controlam 40% do total. Dessas, três quartos são grupos de intermediação financeira”. Nesse contexto, afirma Dowbor, não é preciso recorrer a teorias conspiratórias para entender as raízes da crise financeira mundial. Isso é demonstrado através da “facilidade com que foi sendo desmontado o marco jurídico que assegurava a estabilidade, da generalização das reduções de impostos sobre as grandes fortunas e, sobretudo, do movimento geral de transferência do custo das irresponsabilidades para as populações”. Em suas palavras, “foram emitidos, em derivativos, 601 trilhões de dólares, para um PIB mundial da ordem de 60 trilhões de dólares”.

Foto: Divulgação

“Na Itália, o presidente
Giorgio Napolitano, ocupante
de um cargo normalmente
institucional e protocolar, teve
um papel na escolha de Monti.
Os partidos políticos têm de se adaptar a esses governantes,
calculando que apenas eles
poderiam tomar as medidas
antipopulares e, em alguns
casos, anticorporativas, que a
UE e especialmente o governo
alemão estão determinando”

Tullo Vigevani,
professor de Ciência Política, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)

MOTIVOS DA INSTRANSIGÊNCIA Trein, da UFRJ, vê na composição majoritariamente externa da dívida pública grega, de 236 bilhões de euros, os motivos da intransigência da Alemanha e França: “Alemanha e França são credores de dívidas privadas e têm grandes investimentos no país, a começar pelo setor de turismo, que necessita de estabilidade política e tranquilidade social para continuar produzindo bons resultados”.

Algumas declarações do primeiro-ministro Monti dão a entender que ele considera excessiva a receita de austeridade imposta à Grécia. Haveria diferenças de enfoque importantes entre os dois países?

Não é bem assim, sugere Trein. “Monti está se antecipando à prescrição de um remédio amargo que pode ser imposto também à Itália. Ainda que o PIB italiano seja quase cinco vezes maior do que o da Grécia, e mesmo que sua dívida pública de 1,4 trilhão de euros não esteja majoritariamente em mãos estrangeiras – são 56% internos, contra 44% externos –, a França é credora de 511 bilhões e a Alemanha de 119 bilhões de euros”. A dívida em mãos da França representa algo em torno de 20% de seu PIB.

Segundo ele, o primeiro-ministro italiano sabe que se houver a necessidade de alguma negociação da dívida, será muito difícil se chegar a qualquer entendimento que contemple os interesses de seus concidadãos.

A opinião de que os remédios receitados à Grécia são demasiado fortes é comum na Europa e no mundo, assinala Vigevani, da Unesp. “O próprio presidente do BCE, o italiano Mario Draghi, sinalizou algumas perplexidades. A explicação para a receita deve ser encontrada em diferenças de opiniões no BCE e, sobretudo, na Alemanha”, afirma ele.

“Hoje a Alemanha se encontra em dificuldades para rever a política financeira para a Europa, pois sustenta um modelo de austeridade internamente e, por outro lado, sua força e prosperidade dependem em boa medida da própria UE”.

DISTORÇÕES NO CRÉDITO Dowbor, da PUC, define a situação com um aparente paradoxo: “A irresponsabilidade dos grupos financeiros levou a uma primeira fase da crise, com transferência de dinheiro público para os bancos. E agora está na segunda fase, com transferência do déficit público assim criado para as populações”

Foto: Giorgos Michalogiorgakis

Grafite em muro na Grécia. Crise tem levado população ao desespero e à revolta

A rigidez das medidas de contenção impostas por vários governos europeus – como os da Espanha, Portugal, Itália, França, Bélgica, e, claro, da Grécia em particular – contrasta com as ações que continuam a ocorrer no mercado financeiro, com o beneplácito das autoridades monetárias. “Neste momento, foi amplamente divulgado por Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, que os intermediários financeiros estão tomando a recente linha de crédito que lhes foi aberta pelo BCE a 1% e emprestando este dinheiro aos governos em dificuldade, na linha de 6%, um gigantesco carry-trade com dinheiro público”, critica Dowbor.

Segundo ele, montou-se um impressionante sistema de transferência de recursos das populações para os bancos através dos governos.

PERDAS DE DIREITOS As medidas estipuladas por Alemanha e França aos países da UE em dificuldades parecem ser substancialmente as mesmas formuladas pelos teóricos do neoliberalismo desde sempre: compressão salarial, cortes nas aposentadorias e pensões, redução dos investimentos públicos e programas de privatização.

“Em geral nesses pacotes a ofensiva maior é contra os direitos sociais. Mas não se pode desconhecer que esse ataque é quase sempre acompanhado de medidas que deveriam tornar mais transparente o sistema econômico e financeiro”, exemplifica o professor Vigevani.

Franklin Trein é mais pessimista. “No mundo globalizado deste início de século, a crise da economia norteamericana de 2008 contribuiu significativamente para o agravamento da situação na Europa”. E ele ironiza ao dizer que com frequência se ouvem denúncias sobre as contas falsas apresentadas pelos governos gregos. Mas nunca se fala onde foram parar “aqueles bilhões malversados, que mesmo tendo passado pelo bolso dos trabalhadores da Grécia não estão escondidos embaixo dos colchões. Sabe-se, mas não se diz, que através de gastos públicos e privados aqueles bilhões voltaram para as mãos dos prestamistas”, fustiga.

“O salário mínimo é rebaixado, as aposentadorias e pensões são cortadas, os investimentos públicos em setores básicos para as populações mais carentes e ainda indispensáveis à manutenção da produtividade e da produção da própria economia são cortados ou adiados, funcionários públicos são demitidos aos milhares, tudo em nome de uma austeridade que deve permitir ao Estado grego pagar aos capitais financeiros interesses impostos sob condições em que não há qualquer equidade de negociação da dívida presente e futura”, relata o professor da UFRJ.

O dinheiro que está sendo entregue à Grécia não é para dar condições de recuperação de sua economia, mas para pagar seus credores. “O custo deste dinheiro é de tal ordem que nenhum cidadão grego com mais de 45 anos viverá em uma Grécia livre das restrições que lhes são impostas neste momento”, completa ele.

Protesto em Tessalônica, segunda maior cidade grega, em março último

APETITES FINANCEIROS Setores empresariais sofrerão perdas indiretas, admite o professor Carvalho, da PUC-SP, mas a isso se resumiria a socialização dos prejuízos: “Parte do empresariado vai sofrer perdas, caso daqueles ligados ao mercado doméstico e à demanda dos trabalhadores. Para a elite do capital e do empresariado, não há medidas penalizadoras, pelo que eu sei”.

Cáustico, o professor Dowbor chama atenção para a cegueira dos apetites financeiros. “Tanto na Grécia como na Itália, os governos estavam na mão dos grupos financeiros europeus, e tiveram todo o apoio possível para reduzir impostos sobre os mais ricos e substituir uma política fiscal responsável por dívidas contraídas nestes bancos. Eles ignoravam os déficits que estavam sendo criados, e o aumento da dívida pública destes países? Foram enganados?”, provoca.

“Empréstimos deste tipo envolvem sempre a cláusula de disclosure, que obriga os países que recebem o dinheiro a manter os livros de contas abertos. Esqueceram de olhar?” Dowbor é bastante contundente em sua apreciação do problema colocado por Desafios do Desenvolvimento: “Hoje considera-se lamentavelmente como técnico alguém que tenha participado ativamente do mercado financeiro, como se não fosse uma atividade fortemente política, em defesa dos interesses dos grupos financeiros”.

 
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