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O Brasil e o Ano Internacional dos Afrodescendentes

2011 . Ano 8 . Edição 70 - 29/12/2011

Silvio José Albuquerque e Silva

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“A história da África é importante para nós, brasileiros, porque ajuda a explicar-nos. Mas é importante também por seu valor próprio e porque nos faz melhor compreender o grande continente que fica em nossa fronteira leste e de onde proveio quase a metade de nossos antepassados... Ainda que disto não tenhamos consciência, o obá do Benim ou o angola a quiluanje estão mais próximos de nós do que os antigos reis da França para o Brasil”.

(Alberto da Costa e Silva, “A história da África e sua importância para o Brasil”, em Um rio chamado Atlântico, 1996.)

Celebra-se em 2011 o Ano Internacional dos Afrodescendentes, declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 2009 por meio da resolução 64/169. Sua adoção consensual representou um marco e uma exceção nas deliberações internacionais sobre a questão da promoção da igualdade racial e o combate ao racismo.

O fim do regime do apartheid, em 1994, coincidiu com o agravamento das tensões nacionais e internacionais sobre como lidar com o fenômeno estrutural do racismo e da discriminação racial, presente, sob diferentes roupagens, em todos os países do mundo. A superação da aberração política representada no regime segregacionista sul-africano colocou as Nações Unidas diante de um dilema. Diferentemente de outros temas da agenda internacional, o racismo e a discriminação racial a combater originam-se no interior dos Estados e são percebidos e enfrentados pelos governos de forma diferenciada.

Esse dilema viria a revelar-se com todas as suas contradições durante a Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, na África do Sul, há pouco mais de dez anos. A excessiva importância atribuída por alguns a fatos vinculados ao passado, à reparação e ao Oriente Médio relegou a segundo plano o consenso alcançado em torno de uma série de propostas objetivas destinadas à superação do racismo e da discriminação racial. A mesma distorção interpretativa sobre os fatos ocorridos na África do Sul em 2001 e suas conclusões levaram os Estados Unidos e diversos países europeus a boicotarem as celebrações do décimo aniversário da Declaração e Plano de Ação de Durban, durante a 66ª Assembleia Geral da ONU, em 22 de setembro deste ano.

Um dos avanços conceituais e políticos mais importantes de Durban encontra-se no segundo título da Declaração. Pela primeira vez, um documento internacional de proteção dos direitos humanos reconheceu expressamente a condição de vítima de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata de afrodescendentes, entre outros grupos. Posteriormente, o Grupo de Trabalho (GT) de Especialistas sobre Afrodescendentes, instituído em cumprimento a dispositivo previsto no Plano de Ação de Durban e integrado por curto período pelo professor Roberto Martins, ex-presidente do Ipea, definiria o sentido do termo afrodescendente. Para o GT das Nações Unidas, este é a vítima histórica e continuada do tráfico de escravos, nos oceanos Atlântico e Índico e no Mediterrâneo, e do regime escravocrata.

O Ano Internacional dos Afrodescendentes é herdeiro direto desse processo gerado a partir da Conferência Mundial de Durban. Seu propósito declarado é fortalecer a ação nacional e a cooperação regional e internacional em benefício dos afrodescendentes. Busca ainda conferir visibilidade às contribuições sociais, culturais, políticas e econômicas que os afrodescendentes têm dado ao mundo.

A decisão do governo brasileiro de sediar, por convite da Secretaria Geral Iberoamericana, o Encontro de Chefes de Estado e de Governo, em 19 de novembro, além de reunião da sociedade civil e mesas redondas temáticas, nos dias 16, 17 e 18, justifica-se pela magnitude da contribuição africana na construção da formação social e econômica do País. O Brasil, que recebeu cerca de 40% de todos os africanos escravizados enviados para as Américas, foi o último país a abolir a escravidão. E quando esta foi finalmente extinta, não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem terras, educação e direitos civis plenos aos descendentes de escravos.

Há ainda no gesto brasileiro a expressão política do desejo de contribuir para a superação dos resquícios do que a historiadora Marina de Mello e Souza, em artigo publicado na Revista de História, em dezembro de 2008, intitulou “distanciamento radical entre o Brasil e a África”, ocorrido, em sua interpretação, “não só devido ao fim do tráfico de escravos, em 1850, e à interrupção do fluxo de entrada de africanos, mas também devido à adoção, por parte da elite política e intelectual brasileira, das ideias evolucionistas e racistas então predominantes na Europa”. Denunciada a falácia da exaltação da mestiçagem, como valor em si, e da democracia racial, como virtude civilizatória consolidada e não como ideal a ser alcançado, o Estado brasileiro começou, em especial a partir de Durban, a instituir políticas públicas que têm buscado superar as flagrantes desigualdades ainda existentes entre negros e brancos no País.

No plano regional, a realização das celebrações em Salvador adquire importância maior pelo fato de a América Latina e o Caribe possuírem a maior população afrodescendente do mundo (150 milhões a 200 milhões) e terem sido a principal região receptora da diáspora africana. No caso brasileiro, de acordo com dados do censo de 2010, 97 milhões de pessoas ou 50,7% da população declaram-se negras. Ou seja, aproximadamente metade da população afrodescendente da América Latina e do Caribe é composta por cidadãos brasileiros. Porém, estudos de institutos de pesquisa independentes ou vinculados aos Estados revelam que os afrodescendentes representam a parcela da população mais excluída na região nos planos social, econômico e político.

Os países da América Latina têm muito a ganhar economicamente com a superação das barreiras a integração dos afrodescendentes à suas sociedades. Em 2004, o BID publicou estudo em que revelava que a ausência de políticas públicas destinadas a eliminar a exclusão social de afrodescendentes e indígenas em quatro países estudados (Brasil, Bolívia, Guatemala e Peru) gerava um alto custo econômico pago pelas respectivas sociedades. Com base na análise dos dados desagregados por raça/etnia, o autor concluiu que as economias de Brasil, Bolívia, Guatemala e Peru cresceriam pelo menos 12,8%, 36,7%, 13,6% e 4,2%, respectivamente, com o fim da exclusão social desses grupos. O estudo é de Jonas Zonistein e intitula-se The Economic Case for Combating Racial and Ethnic Exclusion, publicado em Social Inclusion and Development in Latin America.

Encerraria este texto com uma reflexão do historiador Manolo Florentino sobre a importância do resgate da memória da África, em toda a sua riqueza e diversidade, na formação social brasileira e, em consequência, do valor da educação como meio de superação dos preconceitos que ainda vitimam os afrodescendentes em nosso país. Essa reflexão representa uma síntese quase perfeita do que espero que venha a representar o Ano Internacional dos Afrodescendentes para o Brasil:

“A principal lacuna da história da escravidão brasileira é, paradoxalmente, a África. Nas últimas décadas, muitos historiadores mostraram o quão estéril é encarar o africano escravizado só como ‘Pai João’ ou como ‘Zumbi dos Palmares’. É tempo de deixar de pensá-lo como um marciano negro que de repente desembarcava nos portos coloniais. Enquanto, implicitamente, continuarmos a considerar que ser escravo era uma espécie de destino manifesto dos africanos, seguiremos abrindo mão de compreender parcela substantiva de nós mesmos” (Colombo, Silvia, “Florentino quer história da África na escola”, Folha de S. Paulo, 17/4/2000).

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Silvio José Albuquerque e Silva é Albuquerque e Silva é ministro da carreira de diplomata, chefe da Divisão de Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores. As opiniões expressas neste artigo refletem a posição pessoal do autor sobre o tema, e não obrigatoriamente as do Itamaraty.

 
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