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Porões da Modernidade - O trabalho escravo da economia global

2011 . Ano 8 . Edição 70 - 29/12/2011

Foto: Bianca Pyl/Repórter Brasil

Confecção clandestina em Americana (SP), que empregava trabalhadores imigrantes em condições degradantes

Maurício Hashizume - de São Paulo

Fiscalização do Ministério do Trabalho desmonta rede de trabalho cativo na maior metrópole da América Latina. Vítimas são, em sua maioria, imigrantes pobres. Grifes de luxo valem-se de empreiteiras que terceirizam mão de obra para maximizar lucros e aumentar escala de produção. Projeto de emenda constitucional sobre a matéria pode coibir abusos

Foto: Bianca Pyl/Repórter Brasil

Oficina em São Paulo: trabalhadores submetidos a jornadas extensas


Um rumoroso flagrante realizado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), em plena capital do estado em meados de agosto, trouxe à baila, mais uma vez, a persistência da exploração do trabalho escravo no País. Um grupo de 15 pessoas, formado por imigrantes indígenas sem documentação vindos da Bolívia e do Peru, foi encontrado em condições de escravidão contemporânea na cidade mais rica do Brasil, em duas oficinas de costura que fabricavam peças de roupa da conhecida grife Zara. O quadro descortinado pela fiscalização trabalhista incluía trabalho infantil, contratações completamente ilegais, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16 horas diárias, cerceamento de liberdade (seja pela cobrança e desconto irregular de dívidas dos salários, o chamado truck system, seja pela proibição de deixar o local de trabalho sem prévia autorização) e até discriminação racial. Foram colhidos ainda fortes indícios (anotações em cadernos de cobranças) de tráfico de pessoas. Apesar do clima de medo, uma das vítimas confirmou que só conseguia sair do local com a autorização do dono da oficina, concedida apenas em casos urgentes, como quando teve de levar seu filho ao médico. Instaladas em sobrados – um na região central e outro próximo à divisa com o município de Guarulhos (SP) –, as oficinas de costura serviam também de moradia para famílias inteiras. Os ambientes superlotados eram sujos e sem ventilação. Crianças circulavam entre as máquinas de costura, e a fiação elétrica ficava toda exposta. Era iminente o perigo de incêndio, que poderia tomar grandes proporções devido à quantidade de tecidos espalhados pelo chão e à ausência de janelas, além da falta de extintores. Após um dia extenuante de trabalho, os costureiros e seus filhos eram obrigados a tomar banho frio, pois os chuveiros permaneciam desligados para evitar a sobrecarga nas instalações elétricas, feitas sem nenhum cuidado.


DISPARIDADE DE PREÇOS Para cada peça feita, um dos donos da oficina, também boliviano, alegou receber R$ 7. Os costureiros, por sua vez, ganhavam R$ 2, repartidos entre eles. Constatou-se no dia seguinte à operação que uma blusa feita na Espanha, semelhante à que estava sendo produzida pelos escravizados, era vendida em uma loja de um shopping center da capital paulista por R$ 139. Ao todo, foram lavrados 48 autos de infração dirigidos à representação da grife no Brasil, que tinha total controle da qualidade dos produtos e chegava a absorver 91% da produção da intermediária (AHA Indústria e Comércio de Roupas Ltda.)

Foto: Maurício Hashizume

O quadro descortinado pela fiscalização trabalhista incluía trabalho infantil, contratações completamente ilegais, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16 horas diárias, cerceamento de liberdade e até discriminação racial

 

Definição e incidência do trabalho escravo no Brasil
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Previsto no art. 149 do Código Penal, o crime de submeter alguém à condição análoga à escravidão é passível de pena de dois a oito anos de reclusão e de multa correspondente à violência praticada. O quadro de escravidão contemporânea é caracterizado pela sujeição a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e restrições da liberdade de ir e vir, muitas vezes associadas à servidão por dívida. Dados de 1995 até o primeiro semestre de 2011, compilados pela Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), revelam que o Pará continua sendo o recordista absoluto em termos de incidência desse tipo de trabalho. Foram mais de 12 mil pessoas submetidas a condições desumanas, o que equivale a quase 30% de todas as libertações realizadas durante o período. Em seguida, aparecem Mato Grosso (com 5,7 mil libertações, que representam 13,7% do total), Goiás (3,3 mil, 7,8%), Bahia (2,9 mil, 6,9%), Maranhão (2,8 mil, 6,8%) e Tocantins (2,5 mil, 6%). Por meio de dados recolhidos entre 1995 e 2006, o estudo “Geografias do Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil” (edição julho/dezembro de 2010), publicado na revista Nera, da Unesp, mostrou que um número significativo de libertados da escravidão nasceram nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará, na região conhecida como Bico do Papagaio. Outra região que se destaca nesse quesito é o Polígono das Secas, principalmente na faixa do norte de Minas Gerais e do centro e oeste da Bahia. Com base nesses números, é possível dizer que o trabalho escravo contemporâneo vem sendo encontrado e combatido ao longo da última década e meia no meio rural, em especial nas áreas de fronteira agrícola. Ocorre que, nos últimos anos, esse tipo de crime também vem sendo verificado, diante do cerco e da atenção dispensada ao tema por parte da fiscalização trabalhista, com uma frequência preocupante e crescente no meio urbano – principalmente nos setores de confecção e de construção civil.

Tais elementos foram destacados pela fiscalização para demonstrar a responsabilidade da rede varejista de fast fashion sobre a base da cadeia produtiva. Divulgada conjuntamente por um programa transmitido pela TV Bandeirantes e pela ONG Repórter Brasil, por meio de seu canal de reportagens na internet, a notícia ganhou destaque imediato e cruzou fronteiras. Ocupou espaço de destaque em diversos portais e veículos de comunicação e foi catapultada rapidamente ao topo das listas de assuntos mais comentados das redes sociais. Poucos dias após a divulgação do ocorrido, as ações da espanhola Inditex – que comanda a marca Zara, detém outras nove redes e é considerada a mais valiosa empresa têxtil do mundo – caiu mais de 4% na Bolsa de Valores de Madri. Para Giuliana Cassiano, auditora da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), que esteve à frente da fiscalização, a superexploração dos empregados, que têm seus direitos laborais e previdenciários negados, é motivada essencialmente pela ânsia de aumento das margens de lucro. “Com isso, há uma redução do preço dos produtos, caracterizando o dumping social, uma vantagem econômica indevida no contexto da competição no mercado, uma concorrência desleal”, aponta.

Foto: Maurício Hashizume

O diretor-presidente da Zara Brasil, Enrique Huerta González, e o diretor global de comunicação da companhia, Jesus Echevarria, em depoimento na Camara dos Deputados, em Brasília

 

A lei atual
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Escravidão é crime, segundo o Código Penal

Art. 149 - Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo- -o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.



EXPLICAÇÃO DA EMPRESA Desde que a polêmica assumiu proporção global, a Zara vem tachando o quadro desvendado pelos agentes públicos do Estado brasileiro como “terceirização não autorizada” por parte da fornecedora, que acabou arcando com as verbas rescisórias dos libertados.

A empresa sustenta que todos os fabricantes da marca são obrigados a assinar um código de conduta, exigindo que as subcontratações sejam comunicadas e submetidas à rede varejista. Declara ainda que mantém um programa de monitoramento da cadeia produtiva com padrões internacionais, mas vem se recusando a dar mais detalhes sobre as auditorias realizadas nos últimos anos. Para além da enxurrada de mensagens e comentários na rede mundial de computadores, a ampla divulgação do episódio provocou reações de diversos órgãos públicos e organizações da sociedade civil.

Foto: Maurício Hashizume

Ministra Maria do Rosário: “O Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo define metas. Não se trata apenas de repressão, mas também de ações de prevenção e reinserção”

O Sindicato dos Comerciários de São Paulo, ligado à União Geral dos Trabalhadores (UGT), organizou, no final de agosto, uma manifestação pública na Rua Oscar Freire, no coração das grifes de moda dos Jardins, bairro nobre da capital paulista, para protestar contra o trabalho escravo no setor de confecções. De acordo com a entidade, diversos problemas trabalhistas (relacionados ao banco de horas, a desvios de função e a quebras de contrato acerca de comissões) também vêm sendo registrados nos últimos anos pelos funcionários que atuam nas empresas envolvidas. Diante do alcance e da gravidade dos fatos apresentados à sociedade, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) também decidiu intervir e chamou representantes da Zara Brasil e da fornecedora AHA para a prestação de esclarecimentos. Logo de início, as duas empresas declinaram dos convites, sob a justificativa de que não teria sido possível encaixar o compromisso nas respectivas agendas. As ausências serviram para dar um impulso extra à proposta de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dedicada ao combate da escravidão, de autoria do deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), que ainda precisa vencer limites impostos pelo regimento para ser instalada.

Pobreza aflige mais quem vive no campo
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Pesquisas mostram que populações mais vulneráveis e sem recursos se tornam presas preferenciais de aliciadores de mão de obra

O trabalho escravo anda de mãos dadas com a pobreza. Nesse sentido, pesquisa em nível nacional realizada com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a elaboração do programa Brasil Sem Miséria, um dos carros-chefe do governo Dilma Rousseff, mostrou que o drama da exclusão aguda é bem mais intenso no campo. Foram identificadas 16,2 milhões de pessoas que sobrevivem em condições de extrema pobreza (com renda familiar mensal per capita de até R$ 70), das quais 8,6 milhões vivem na área rural e 7,5 milhões nos perímetros urbanos. Como a proporção da população das cidades é bem maior que a do campo, um morador da zona rural tem cinco vezes mais chances de ser miserável que quem vive em ambientes considerados urbanos. Essa disparidade é corroborada pelo recuo, nos últimos oito anos, do número de pessoas de baixa renda nas seis principais regiões metropolitanas do país – São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Recife (PE) e Porto Alegre (RS). Cerca de 5,7 milhões de pessoas deixaram a faixa considerada de baixa renda (até meio salário mínimo mensal de rendimento médio familiar per capita) entre julho de 2003 a julho de 2011. A queda de 30,9% (18,4 milhões para 12,8 milhões de pessoas) foi confirmada no Comunicado nº 114 – Trajetórias da população de baixa renda no mercado de trabalho metropolitano brasileiro, do Ipea.

ORIGEM DOS LIBERTOS De acordo com levantamentos acerca da origem dos resgatados de condições análogas à escravidão, as vítimas são oriundas, em grande medida, do meio rural. No que se refere às ocorrências de trabalho escravo urbano, as vítimas normalmente são migrantes – tanto as que são oriundas de regiões empobrecidas do Nordeste para atuar país afora em setores como o da construção civil, como as de origem estrangeira. É o caso dos sul-americanos, que quase sempre também chegam do campo e se lançam em jornadas fora de seus países em busca de melhores condições de vida. No que se refere às iniciativas direcionadas à redução da miséria rural, analistas reconhecem a relevância de metas previstas no Brasil Sem Miséria, como a de quadruplicar o número de agricultores familiares beneficiados pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – dos atuais 66 mil para 255 mil até 2014. A criação do Bolsa Verde, que consiste em pagamentos trimestrais de R$ 300 por família para a preservação do meio ambiente onde esta vive e produz o seu sustento, também mereceu menções positivas.

ACESSO À TERRA No artigo “O Plano Brasil Sem Miséria não contempla as especificidades da pobreza rural”, Ademir Antonio Cazella e Fábio Luiz Búrigo, professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadores do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA/CPDA/UFRRJ), pontuaram que duas áreas de ação estratégicas de enfrentamento à pobreza rural não foram priorizadas: as microfinanças específicas para essa faixa mais vulnerável de pequenos produtores e, em especial, o acesso à terra. De acordo com eles, as medidas prioritárias dificilmente atenderão “agricultores que não são proprietários de seus estabelecimentos agrícolas e as famílias rurais que vivem da prestação de serviços sazonais, e em regime de precariedade social”. Esse contingente é comumente aliciado pelos chamados “gatos” (intermediadores de mão de obra) e acaba sendo presa fácil para a ação de quem não está disposto a respeitar a dignidade dos empregados. Paralelamente a isso, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) firmaram um acordo de cooperação técnica. Através dele, materiais relacionados à prevenção do trabalho escravo fornecidos pela Secretaria são distribuídos pela capilaridade das ações do Ministério. Ainda no bojo do Brasil Sem Miséria, agentes contratados para executar o programa na área rural receberão formação e distribuirão conteúdo específico sobre a escravidão nesse meio. Segundo a ministra do SDH, Maria do Rosário, também serão executadas, por meio do acordo, ações dedicadas à reintegração dos trabalhadores resgatados. “É importante ressaltar que o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo define metas. Não se trata apenas de repressão, mas também de ações de prevenção e reinserção“.

DEPOIMENTO NA CÂMARA Duas semanas depois de faltar à comissão no Legislativo estadual, executivos da Inditex compareceram à reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), para se pronunciar sobre o caso. Jesus Echevarria, diretor global de comunicação da companhia, pediu desculpas públicas “por não termos tido conhecimento desta situação antecipadamente, de modo a evitá-la”. Ladeados por um representante da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Echevarria e o diretor-presidente da Zara Brasil, Enrique Huerta González, aproveitaram a ocasião para anunciar uma série de medidas tomadas pela empresa diante do ocorrido. Ressalte-se que, além da Zara, a rede Pernambucanas, as lojas Marisa, a Collins e a marca de moda jovem 775 também se envolveram em flagrantes semelhantes realizados pela SRTE/SP desde março de 2010.

COMISSÃO ESTADUAL O barulho gerado ajudou a chamar atenção para a importância do envolvimento das administrações estaduais e dos governos locais no enfrentamento ao problema. O contexto acabou servindo para acelerar o processo de constituição oficial da Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae/SP), que vinha em ritmo moroso. Por meio do Decreto nº 57.368, de 26 de setembro de 2011, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) determinou o funcionamento da instância ligada à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania que assumirá a tarefa de elaborar um Plano Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo, com referências e metas “para a prevenção e o enfrentamento do trabalho escravo no Estado de São Paulo”. A comissão reúne membros de sete secretarias estaduais, indicados de outras 16 instituições públicas (do Executivo federal, do Judiciário, do Ministério Público e de organismos internacionais) e representantes de entidades da sociedade civil. No texto do decreto, o governador frisou que a instituição da Coetrae/SP se deu em atendimento à ratificação da Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, que foi apresentada pela Frente Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, ainda durante a campanha eleitoral do ano passado, a todos as candidatas e candidatos que estavam concorrendo aos governos estaduais e à Presidência da República. Durante o processo eleitoral, 12 governadoras e governadores que venceram em seus respectivos estados e a presidenta Dilma Rousseff assinaram o documento, que incorpora diretrizes e estabelece obrigações relacionadas ao combate à escravidão contemporânea. Há Coetraes no Rio de Janeiro, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia. No Mato Grosso, além da instância de participação que reúne poder público e sociedade civil, existe também um fundo para apoiar iniciativas de combate à escravidão.

CONFISCO DE PROPRIEDADE A repercussão do caso envolvendo a Zara também chamou atenção para medidas que poderiam ser tomadas para endurecer a punição a escravagistas. A principal delas é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de propriedades em que houver trabalho escravo. A matéria está estacionada à espera de votação em segundo turno no plenário da Câmara dos Deputados desde agosto de 2004. Naquele ano, a PEC foi aprovada em comissão especial e em primeiro turno no mesmo plenário, muito em função do clima de comoção gerado pelo assassinato de três auditores fiscais do trabalho – Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva – e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, no caso conhecido como “Chacina de Unaí”. A espera pela aprovação da emenda se estende por 16 anos. O primeiro projeto que sugeriu a mudança da lei para efetivar a expropriação como punição pelo crime de escravidão foi protocolado ainda em 1995 pelo ex-deputado federal Paulo Rocha (PT/PA). A proposição acabou sendo apensada à PEC 438/2001, de autoria do então senador Ademir Andrade (PSB/PA), que foi aprovada no Senado Federal e, com isso, progrediu com maior celeridade. Todavia, a proposta se depara, na Câmara, com uma poderosa e articulada resistência liderada pela bancada ruralista, que perpassa a divisão entre governistas e oposicionistas e engloba congressistas de praticamente todos os blocos, coalizões e partidos.

Em audiência pública realizada no final de setembro na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados, Homero Pereira (PR/ MT) expressou sua discordância com relação aos termos da PEC do Trabalho Escravo, como é conhecida. Do ponto de vista do ruralista, a propriedade correria o risco de ser confiscada “à luz da interpretação de um fiscal”, com a aprovação da emenda. “Não concordamos com o conceito de trabalho escravo”, ratificou. Em vários momentos de diferentes legislaturas ao longo dos últimos anos, a PEC chegou a ser lembrada na reunião do colégio de líderes, encontro rotineiro em que a pauta de votações é negociada. Neste segundo semestre, o presidente da Casa, Marco Maia (PT/RS), incluiu a emenda na fila para possível votação. Mas não há previsão de sua entrada em pauta para votação.

Glossário
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PEC do trabalho escravo (PEC 438/2001)

Emenda constitucional que prevê o confisco de propriedades onde houver escravidão contemporânea. Já aprovada no Senado, aguarda votação em segundo turno no plenário da Câmara dos Deputados.

“LISTA SUJA ” DO TRABALHO ESCRAVO Cadastro de empregadores que foram flagrados pelo governo federal explorando mão de obra escrava. É mantido por portaria conjunta entre o Ministério do Trabalho e a SDH

OBSTÁCULOS AO COMBATE Segundo o deputado federal Domingos Dutra (PT/MA), presidente da Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo, mesmo que vá à votação, a chance de rejeição da PEC do Trabalho Escravo existe. “Estamos tentando viabilizar uma pesquisa para checar o posicionamento dos congressistas acerca da expropriação”, acrescenta.

Foto: Bianca Pyl/Repórter Brasil

Denúncias de trabalho escravo obtiveram repercussão internacional

Toda emenda à Constituição requer a concordância de pelo menos três quintos (308) dos 513 membros eleitos da Casa. Dutra reconhece que, mesmo com o apoio de distintos ministérios como o da Justiça (MJ), o Desenvolvimento Agrário (MDA) e o de Direitos Humanos (SDH), a proposta “ainda não conseguiu penetrar no coração do governo”. Quando se trata das disputas em torno das terras, adiciona, “as coisas não avançaram muito”. Um dos sinais disso é que sequer a função social da propriedade (que trata, por exemplo, da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, bem como da observância das disposições que regulam as relações de trabalho e da exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores), que consta na legislação, é cumprida. De 1995 até hoje, mais de 40 mil trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão no País. Operações na área urbana como a que resgatou imigrantes sul-americanos que costuravam blusas, vestidos e calças da Zara ajudaram a mostrar a complexidade e o alcance desse tipo de crime. E o conjunto de segmentos engajados no combate à escravidão é unânime quanto à necessidade de maior rigor na punição dos responsáveis – seja um fazendeiro da fronteira agrícola ou uma rede varejista repleta de pontos de venda – para que essa vergonha não se repita indefinidamente.

 
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