Colhendo cidadania no sertão |
2011 . Ano 8 . Edição 65 - 05/05/2011 Projeto mostra como usar criatividade para mudar a paisagem e a realidade do semiárido nordestinoAs imagens tradicionais sobre o sertão do Nordeste brasileiro remetem à paisagem predominantemente desértica, de miséria, fome e analfabetismo. Isso porque a região concentra 70% dos municípios com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. E foi para começar a mudar esta percepção que na cidade de Teixeira, na Paraíba, bem próxima à divisa com Pernambuco que, em 1986, foi criado o Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS). O CEPFS tem como principal objetivo transformar a paisagem e a vida das pessoas que vivem no semiárido. Com o projeto Convivência com a realidade semiárida, promovendo acesso à água, solidariedade e cidadania, o centro trabalha diretamente com 1.200 famílias agrícolas, divididas em 39 comunidades, de Teixeira e de quatro cidades próximas, na construção de cisternas, armazenamento de sementes, educação ambiental e outras muitas atividades. O projeto, que venceu a 3ª edição do prêmio de Objetivos do Milênio (ODM), é financiado basicamente por Organizações não-governatentais estrangeiras, a partir de Fundos Rotativos Sociais (FRS) que, desde 2003, têm uma gestão descentralizada nas associações das famílias do projeto. Como o próprio nome já diz, os FRS devem receber de volta os recursos empregados, em prazos compatíveis. Caso o agricultor não tenha dinheiro, é possível efetuar o pagamento a partir de um trabalho combinado entre os associados. Buscando o primeiro dos oito ODM ("erradicar a fome e a miséria"), o Centro já construiu, desde sua criação, 199 cisternas, com capacidade para 16 mil litros de água potável cada uma, e já trabalhou com 46.177 pessoas nos cinco municípios em que atua. Para desenvolver técnicas de plantio, irrigação, reciclagem e captação de água de chuva, o CEPFS possui uma espécie de sítio laboratório, na zona rural de Maturéia, também na Paraíba. Com muita criatividade e poucos recursos, o Sr. José Dias, coordenador do projeto, mostra, por exemplo, como captar água da chuva do telhado, separando água limpa do que eles chamam de água de lavagem, ou primeira chuva, que é sempre muito suja, com uma garrafa PET e dois canos de PVC (Para entender outros mecanismos desenvolvidos no sítio laboratório, veja o esquema ao lado). O acesso constante à água e o desenvolvimento de uma economia agrícola sustentável trazem mais do que qualidade de vida e saúde para as pessoas que participam do CEPFS. "Essas pessoas não dependem mais de carro pipa, enviado por políticos, para ter água limpa. Elas começam a se sentir fortes e independentes, o que melhora sua auto-estima. Essa é a questão transformadora do projeto, que traz mais dignidade e cidadania para as comunidades", explica o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Cleandro Krause, que visitou o CEPFS em janeiro de 2010. O pioneirismo feminino na gestão dos Fundos Rotativos é outro ponto marcante do projeto. Dona Francisca Barbosa da Silva, da comunidade Coronel, por exemplo, é quem cuida dos recursos da sua associação, que soma 20 associados. "Não precisamos mais buscar água na cacimba e andar com balde na cabeça. Com as cisternas, temos água de qualidade e não temos mais diarréia", conta. Além da construção de cisternas, o dinheiro do fundo também é empregado na compra de remédios e de alimentos. Francisca explica que muitos da comunidade Coronel pagaram ao fundo auxiliando na construção da sede da associação. "Também aceitamos doações de cimento, pias e vasos sanitários, como forma de pagamento", finaliza Dona Francisca. A mobilização dessas pessoas, que trabalham em associação de forma organizada e contam com a transferência de tecnologia do CEPFS, transformou o solo pobre do semiárido nordestino em terra fértil e próspera. Lá, existem plantações de feijão, milho, caju e, pelo visto, cidadania e sustentabilidade também dão aos montes por essas bandas. |