2009 . Ano 6 . Edição 52 - 05/07/2009
Por Liliana Lavoratti, de São Paulo
China se torna o principal comprador de produtos brasileiros, deixando os Estados Unidos em segundo lugar. Será uma mudança duradoura?
Desde abril deste ano, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Os chineses desbancaram a liderança de mais de 80 anos dos norte-americanos na corrente de comércio com os brasileiros. Esse novo cenário foi formado por fatores estruturais, provocados pelas mudanças de ambas as economias, e também pela crise financeira mundial."Esse é um desenho que se formou diante da atual conjuntura, mas não podemos afirmar que uma mudança de paradigma possa interferir no ordenamento dos parceiros comerciais do Brasil", diz o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Welber Barral.
O espaço ocupado pela China nas relações exteriores do Brasil hoje tem despertado vivo debate e marcadas divergências. Para compreender o quadro formado pela perda do status dos EUA e ascensão dos chineses é útil uma retrospectiva histórica, remetendo-se à mudança de regime no Brasil - do Império para a República -, momento em que se deu início ao processo de americanização do País."É oportuno olhar para o passado, porque suscita interessantes questionamentos sobre o presente, sobre os caminhos que o Brasil vem trilhando e sobre as possíveis consequências de suas escolhas", afirma Arnaldo Cardoso, pesquisador de Política Externa Brasileira e professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie.
Para aqueles que desbravaram a República, a americanização significava o fim da herança colonial, a industrialização e o progresso da democracia."O então Governo Provisório lançou-se à tarefa de sincronizar o Brasil com o tempo e romper com tudo que lembrasse o passado", conta Cardoso. Em 1889, a Conferência Pan-Americana, realizada em Washington (EUA), teve pela primeira vez representação brasileira, e o norte do evento era o ideal norte-americano de formação de China se torna o principal comprador de produtos brasileiros, deixando os Estados Unidos em segundo lugar. Será uma mudança duradoura? uma União Aduaneira Americana.
Segundo o pesquisador do Mackenzie, o processo conhecido como"republicanização da diplomacia" do Brasil foi marcado pela aplicação de medidas para a elevação do comércio exterior ao lugar em outro momento ocupado pelas questões da grande política, valorizadas na política externa do Império."Algumas ações, como o fechamento de delegações na Europa e abertura de consulados em pontos estratégicos para o comércio - anos depois, abertura da primeira embaixada brasileira em Washington -, expressavam o novo ideário orientador da política externa do Brasil", lembra.
A partir daí, a assinatura de um acordo aduaneiro com os norte-americanos seria o passo decisivo para o estabelecimento de novas bases para o relacionamento entre os dois países. Para o Brasil, o acordo deveria garantir uma posição de privilégio ao açúcar e ao café do Brasil no mercado americano. O tratado comercial firmado em janeiro de 1891 expressava o princípio da reciprocidade. Ao atender a reivindicações do setor agrícola brasileiro, foram estabelecidas também condições especiais para a entrada de manufaturas americanas no mercado brasileiro.
Para a economia brasileira, os EUA foram durante a 1ª República (1889-1930) o mais importante polo dinamizador, tendo no café (isento de tarifas no mercado americano) seu principal produto."E no começo da década de 1920, os EUA tornaram- se simultaneamente os principais compradores e fornecedores do Brasil. Também nesse período os EUA se tornaram o principal investidor estrangeiro no Brasil, registrando em 1928, o volume de US$ 476 milhões."
Foi justamente a partir da crise econômica, iniciada em 1929 em solo norteamericano, que ficaram explícitas as fragilidades do modelo de desenvolvimento nacional, ancorado na agroexportação e na concentração de destino das exportações em um único país. De lá pra cá muita coisa mudou, mas não são poucos os paralelos com o presente momento.
O futuro - Como os Estados Unidos, a questão de fundo sobre a corrente de comércio sino-brasileira está na qualidade da relação estabelecida e nas chances de sua continuidade depois da turbulência econômica."Essa parceria tem a ver com a crise: por causa dela outros países relevantes para o comércio brasileiro, como Estados Unidos, estão em retração", diz Júlio Almeida, diretor- executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi)."Mas há um lado estrutural que não pode ser ignorado, como o próprio fato de a China almejar ser a fábrica do mundo", acrescenta.
Parece cedo, indicam especialistas, para prever o futuro dessa parceria."A China é o principal país no qual o governo brasileiro deposita suas fichas, mas é preciso saber se essa aposta será correspondida", frisa o professor de comércio exterior da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Francisco Cassano."A aproximação entre Brasil e China pode ser vista por dois ângulos: um é o geopolítico, ambos miram o aumento da interlocução nas decisões mundiais. Outro é de cunho comercial", frisa.
A estratégia de explorar um mercado de proporção inequívoca - demanda pressionada por um contingente de 1,3 bilhão de habitantes - não deve excluir, segundo Cassano, a relação com a União Europeia e Estados Unidos."Conseguir trabalhar para derrubar as barreiras tarifárias com os EUA imprimiria uma vantagem comercial muito proveitosa para o Brasil", destaca. O secretário de Comércio Exterior do MDIC não descarta que uma possível recuperação da economia norte-americana, no futuro próximo, aliada aos contínuos esforços de conquistar mercados naquele país para produtos brasileiros, possa aumentar bastante a corrente de comércio com os Estados Unidos.
A China é considerada parceira estratégica do Brasil desde 1993, quando foi assinado um acordo entre os países durante o governo Itamar Franco. Desde então, a importância comercial do país asiático para o Brasil vem crescendo significativamente. No plano quinquenal de ação conjunta para o período de 2010 a 2014, foram estabelecidas metas para o crescimento do comércio bilateral, dos investimentos e de outros pontos da cooperação entre os países.
Na área comercial, a principal preocupação do Brasil é com a diversificação da pauta de exportações para a China. Hoje, as matérias-primas - soja e minério de ferro - concentram mais de três quartos das vendas brasileiras, enquanto as importações são basicamente de produtos manufaturados, com maior valor agregado."A China é complementar ao Brasil das commodities, mas é preciso trabalhar para conseguir uma participação maior no Brasil industrializado", indica Júlio Almeida. Segundo estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES), as exportações responderam por metade da queda na produção industrial nos seis meses seguintes ao agravamento da crise, e por mais da metade (55%) da retração da indústria de transformação.
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