2005. Ano 2 . Edição 15 - 1/10/2005
José Aparecido Carlos Ribeiro
A contribuição do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para a formulação e a avaliação de políticas já é bastante conhecida. Mas, para que tal interlocução seja realmente fértil, é necessário que, paralelamente ao cotidiano do monitoramento e dos debates urgentes, exista também o esforço reflexivo.
Essa é a proposta dos autores do livro Questão Social e Políticas Sociais no Brasil Contemporâneo, que se divide em duas partes: uma dedicada à recuperação da "questão social" brasileira; a outra dedicada à análise da atuação social do nosso Estado - especificamente da esfera federal. Os quatro primeiros capítulos convidam o leitor a uma reflexão histórica, revelando as causas profundas dos atuais problemas sociais do Brasil. O leitor perceberá que este país é "um museu de grandes novidades", como dizia o compositor Cazuza, no que diz respeito às suas desigualdades e injustiças.
O problema da agricultura familiar de subsistência, incapaz de se integrar à economia formal e dinâmica, foi sempre considerado como residual. Mantida à margem da economia latifundiária-escravista-exportadora, continuou marginal durante a industrialização do século XX e continua alheia ao dinamismo do atual agribusiness. Alheia, marginal, residual, mas de modo algum insignificante, pois ainda hoje envolve cerca de 3 milhões de famílias. Aos homens livres que viviam da agricultura de subsistência, juntaram-se no final do século XIX os escravos libertos.
O baixo dinamismo das atividades rurais de então - exceção feita ao café e à borracha - já estimulava a migração de parcelas dessa população para as áreas urbanas. Surge assim uma população urbana e trabalhadora, confinada "a ocupações instáveis ou mesmo a não-ocupação". O modelo "nacional-desenvolvimentismo" do século XX esquivou-se de enfrentar diretamente o desafio da integração desses contingentes populacionais, tanto no campo como na cidade - o crescimento econômico por si só seria suficiente para aborvê-los.
A segunda parte do livro se inicia com uma análise da atual configuração do Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS), um mecanismo "amplo, ainda que certamente heterogêneo, incompleto e muitas vezes ineficaz, mas dotado de instituições, recursos humanos e fontes de financiamento estáveis que garantem sua implementação em caráter permanente". O livro analisa a abrangência das políticas e dos programas sociais de esfera federal, seu gasto e financiamento. Revela as distintas trajetórias de expansão ou estagnação da cobertura e do gasto das ações na área de proteção social, em especial no período de 1995 a 2002. Discute o financiamento das políticas sociais: a elevada carga tributária arrecadada em nome do social, mas que atende também a outras prioridades e, mais ainda, tem um perfil extremamente regressivo, com um grande esforço contributivo dos mais pobres. Analisa também a atuação, no interior do SBPS, dos Conselhos Nacionais de Política Social e das organizações não-governamentais, como parceiras na execução das políticas. Com apropriado realismo, são discutidos criticamente seus defeitos e virtudes, limites e superações.
Os autores concluem a publicação reafirmando a filiação a uma nova agenda. Apenas o compromisso com o desenvolvimento social poderá gestar uma sociedade brasileira menos desigual e excludente, em um entendimento amplo, que abrange desde o "Projeto para o Brasil", de Celso Furtado, até o desenvolvimento humano com eqüidade, de autores como John Rawls e Amartya Sen. Retomar a via estrita do crescimento econômico ou propor um sistema de proteção social que se restrinja à "gerência da miséria" são opções claramente insuficientes para superar a questão que limita, há séculos, a construção de uma nação mais cidadã.
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