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Olhares cruzados - Projeto promove inclusão social ao aproximar crianças de diversos continentes

2007 . Ano 4 . Edição 38 - 10/12/2007

Por Jorge Luiz de Souza, de São Paulo

A simples troca de cartas e fotografias entre crianças brasileiras de comunidades em situação de grande dificuldade e crianças de países africanos de língua portuguesa que vivem em áreas de grande carência - uma idéia tão singela, concebida para acrescentar uma pitada de inclusão social para as pessoas envolvidas - tornou-se um ingrediente de caráter permanente no intercâmbio entre os governos do Brasil e de diversos países, e não só da África.

Freqüentadora do continente africano subsaárico desde 1996, quando tinha uma agência de comercialização de fotografias, a arquiteta gaúcha Dirce Carrion, conta que, conversando com um amigo especialista em geopolítica africana, ouviu um emocionado relato sobre Cabinda, uma das províncias de Angola que se constitui um exclave (parte separada do território principal do país).

"Ninguém consegue entrar lá. O Exército angolano, armado até os dentes e sem limites para cometer atrocidades, proíbe fotos, imagens e reportagens. O mundo não sabe o que acontece em Cabinda", disse o amigo. Ela resolveu ir lá, e só conseguiu com cobertura da Igreja Católica - o padre Raul Tati, vigário geral da diocese de Cabinda.Vigiada pelo Exército angolano, entrou numa sala de aula e 50 crianças levantaram-se e disseram:" bom dia,professora".Ela,que nunca tinha sido professora na vida, conta que sentiu uma enorme responsabilidade sobre o que estava fazendo.

Seu projeto era fornecer às crianças máquinas fotográficas para que elas próprias retratassem suas vidas e, via troca de cartas, as mostrassem às crianças nundo outro continente, revelando as semelhanças das duas realidades. No Brasil, escolheu a favela do Morro da Chacrinha, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, fez outra ligação com crianças que moram num lixão de Maputo, em Moçambique, e filhos de catadores de papel que também moram numa zona de lixão, a Vila dos Papeleiros, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, também com fotos tiradas por elas próprias, retratando sua vida.

FÓRUM SOCIAL O resultado foi uma exposição no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, e depois no livro Brasil-África Olhares Cruzados Cabinda- Rio de Janeiro, Porto Alegre-Maputo.Agora, o projeto já publicou mais três livros e tem outros três sendo planejados. "Esse intercâmbio contribui para o fortalecimento dos laços culturais e acima de tudo é um material que se enquadra na nossa lei atual que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileiras desde o ensino fundamental. Então, é um projeto que mantém viva essa relação histórica", diz a ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) do governo federal, que apóia e patrocina o projeto desde o seu início.

"Já constatamos que o Brasil e o continente africano não se conhecem", prossegue a ministra."Temos muita proximidade cultural, de formas de organização, na culinária e na música, mas efetivamente há uma distância entre nós, a considerar o que foi o processo de escravidão aqui no Brasil e a forma como a população negra foi tratada ao longo da história, de maneira invisível e sem fazer parte efetiva da vida social, econômica e política do país", acrescenta. "Esse projeto reativa esse intercâmbio, considerando o olhar das crianças em especial e também considerando as realidades culturais."

Mas,para chegar até lá,houve também a ajuda do acaso. Das viagens de Dirce Carrion para a África surgiu a exposição fotográfica Brasil e África - Similaridades. "Nessa ocasião o Brasil comemorava os 500 anos de seu descobrimento e seguia dando as costas para a África", diz ela. Com pequenos aportes de pessoas amigas e recursos próprios, o trabalho é exposto na África do Sul, Zimbábue e Quênia, e depois em estação do metrô da cidade de São Paulo e na Semana de Consciência Negra em Rio Branco, no Acre. Mas, por um engano, o material é despachado do Acre para Moçambique, onde acaba ganhando mais uma exposição.

Foi então que a arquiteta conheceu o trabalho Os olhos do bairro, do fotógrafo Mauro Pinto, com crianças do bairro de Hulene, em Maputo, em meados de 2004. "Ampliamos a idéia inicial e viabilizamos a troca de fotografias. E, por sugestão da educadora Gisele Gama, pesquisadora da Fundação Cesgranrio, introduzimos as oficinas de redação", diz Dirce. A exposição Similaridades acabou visitando a África outras vezes, em dois países de língua portuguesa - Angola e São Tomé e Príncipe -, com patrocínio do governo brasileiro.

São Tomé e Príncipe era o único dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que não contava com uma representação diplomática fixa do Brasil e ganhou a exposição por ocasião da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para abrir a embaixada. Em seguida, em Angola, o presidente inaugurou a Casa de Cultura Brasil- Angola e o Centro de Estudos Embaixador Ovídio de Andrade Melo.

HAITI Mas o projeto Olhares Cruzados encontrou uma forma de prosseguir no seu escopo original, ligando comunidades de afro-descendentes, sem atravessar o oceano Atlântico. Em março de 2006 sai o livro Brasil-Haiti Olhares Cruzados, unindo crianças do bairro de Bel Air, de Port au Prince, capital do Haiti, com as de Frechal, comunidade remanescente de um quilombo, no Maranhão, com patrocínio da Seppir e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), conhecido como Itamaraty. A barreira da língua (fala-se francês no Haiti) foi transposta associando-se fotografias e oficinas de artes.

A presença do Itamaraty se deve ao fato de o Brasil ter passado a integrar com expressivo efetivo a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). "Religião e cultura dos dois países, com suas raízes comuns no continente africano,também irmanam Haiti e Brasil", diz o ministro das Relações Exteriores,embaixador Celso Amorim,no prefácio do livro." A Minustah parte do princípio de que a paz não é um bem gratuito.E o preço da paz é a participação", acrescenta.

No projeto seguinte, chegou a vez das crianças do Senegal.As comunidades da Ilha de Gorée e de Dakar, capital do Senegal, cruzariam seus olhares com a comunidade de São Lourenço, remanescente de um quilombo no município de Goiana, em Pernambuco.O livro foi feito com material produzido pelas crianças senegalesas e brasileiras.A idéia partiu da embaixadora do Brasil no Senegal, Kátia Gilaberte. O livro Brasil-Senegal Olhares Cruzados São Lourenço-Dakar-Ilha de Gorée saiu em outubro de 2006, com o apoio da Seppir, do Itamaraty, do Ministério da Cultura (Minc) e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH).

"As crianças buscam sempre ser retratadas ao lado daquilo que para elas é mais valioso: a família, os amigos, a televisão, os brinquedos, a comida, a parte mais bonita da casa. Mesmo onde elas convivem com uma realidade muito difícil, suas imagens, cartas, desenhos e objetos de arte são permeados pela alegria e esperança de um futuro melhor. Procuramos sempre mostrá-las por uma ótica otimista e digna, para que tenham uma chance de ser incluídas no mundo que dá certo", diz Dirce na apresentação desse trabalho.

O trabalho é desenvolvido pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Imagem da Vida, presidida por Dirce. Oscip é um título fornecido pelo Ministério da Justiça (MJ) com a finalidade de facilitar parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (federal, estadual e municipal) e permite que doações realizadas por empresas possam ser descontadas no Imposto de Renda.A lei que regula as Oscips é a nº 9.790, de 23 março de 1999.

CONGO Em março deste ano, a equipe do projeto Olhares Cruzados se preparava para fazer o trabalho com as crianças do bairro de Kimbansheke, em Kinshasa, no Congo, quando houve uma tentativa de golpe. Em uma eleição inédita em mais de 40 anos, a República Democrática do Congo (ex-Congo Léopoldville ou Congo Belga) escolheu seu presidente, Joseph Kabila, em outubro de 2006, mas meses depois houve choques entre forças leais ao candidato derrotado nas eleições, Jean- Pierre Bemba, e as tropas do governo eleito. Dirce Carrion e o fotógrafo Ricardo Teles ficaram três dias retidos na embaixada do Brasil, de onde podiam ver e ouvir os bombardeios a poucos metros dali.

Tiveram que esperar que as coisas se acalmassem, mas seu trabalho, com a troca de fotos e desenhos com as crianças da comunidade de Eldorado, no município de Diadema,em São Paulo, resultou no livro Brasil-Congo Olhares Cruzados Regards Croisés Diadema-Kinshasa, com patrocínio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da SEDH e da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),e apoio da Seppir, do Itamaraty, da Prefeitura de Diadema e do governo do Congo.

A secretária municipal de Educação de Diadema, Ana Lúcia Sanches, conta que coordenava no município o projeto Ação Compartilhada, que busca resgatar na sociedade civil o afeto das pessoas às suas localidades. "Nosso currículo contém como eixo pedagógico o tema dignidade e humanismo, que inclui a história da África e a auto-estima de negros e negras, em diferentes projetos desenvolvidos nas escolas municipais", diz.

"Discutimos o perfil do melhor local e escolhemos o bairro de Eldorado, ao sul da cidade, divisa com o município de São Paulo e banhado pela represa Billings. Diadema é uma cidade adensada, a segunda maior densidade em um município do Brasil, com cerca de 400 mil habitantes para cerca de 30 quilômetros quadrados e 24 quilômetros quadrados de área ocupada. A característica deste bairro é que apresenta os menores indicadores sociais de crianças e jovens", acrescenta.

Ela explica que, de imediato, demonstraram não compreender bem o que se propunha. "Estudaram o mapa-múndi, olharam um continente africano que existia materialmente. Foi o primeiro contato com uma África habitada de crianças ainda não conhecidas, com um diálogo do qual não se tem resposta imediata. É interessante como as crianças mostraram seu país pelo desenho e pelo afeto. Foi também construída uma arca e decorada para que pudesse abrigar as lembranças brasileiras."

FARTURA Ao receberem as lembranças que as crianças congolesas confeccionaram, trazidas pelo fotógrafo congolês Simon Tshimala, conta Ana Lúcia,"o que encantou as crianças foi seu olhar doce. Ele fez amizade sem dialogar pela língua, mas pelo gesto. Jogou futebol e aconselhou nas fotos e nos trabalhos artísticos". Segundo ela, "Tshimala fotografou a alegria das pessoas, seu amontoado de casas de alvenaria, orgulho de uma cidade que urbanizou favelas. Fotografou os iguais em suas diferenças".

Foram três dias intensos de trabalho para as crianças, em produção artística, e principalmente em fotos, feitas em grupos pelo bairro."Depois, cada criança levou sua máquina para casa. Alguns tiravam fotos de seus animais, familiares, outros de sua farta cesta de frutas, numa demonstração de que em sua casa havia bananas e limões, ou mesmo de sua geladeira cheia, sinal de fartura."

Rogério Sottili, chefe de gabinete da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que também participou desse projeto, afirma que "antes de um livro, Olhares é um processo e uma experiência de contato e conhecimento sincero do outro". Segundo ele,"é dado ao leitor entrar em contato com a interpretação que essas crianças fazem da própria experiência de estar no mundo, mas de um modo novo: a partir da auto-representação fotográfica e artística; do olhar pessoal, sem mediação de um fotógrafo externo, sobre amigos, espaços afetivos, do lugar onde vivem". E acrescenta que, "à medida que nos relembra da importância de garantir a dignidade e a voz do outro para que compreendamos nossa própria experiência, é uma celebração dos direitos humanos e um passo emblemático no sentido de sua renovação e atualização".

Dirce Carrion tem muitos planos. Acredita que seu projeto deva ser estendido para crianças em situação de perigo de todo o mundo. Segundo a ministra Matilde Ribeiro,"da nossa parte,nós procuraremos, nos próximos anos, vinculálo a uma experiência de trabalhar com os cinco países africanos de língua portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), para a implementação da Lei nº 10.639, que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileiras. Pretendemos realizar ações com educadores por meio das estruturas educacionais do Brasil e desses países, dentro de um intercâmbio que se dará entre governos".

E 2008 começará com vários novos projetos dessa série já em franco andamento." São muitas possibilidades", acrescenta Dirce, explicando que busca "alternativas de sustentabilidade para o projeto". Já viabilizados, e só faltando publicar os livros, estão os intercâmbios entre crianças da tribo dos Dogons, da aldeia Songho, no Mali, com as de Serra da Capivara, no Piauí; entre crianças indígenas da etnia Terena, no Mato Grosso do Sul, com as de Aymaras da Ilha do Sol, na Bolívia (patrocínio do Itamaraty); e entre crianças senegalesas de Oussouye com as das comunidades quilombolas Kalungas de Ema, Tinguizal e Vão do Moleque, em Goiás (patrocínio da Seppir e do Itamaraty).

Além disso, uma parceria com a seção da Noruega da ONG internacional Save The Children viabilizou o intercâmbio entre crianças de Miteme e Matole Boque, província de Manica, em Moçambique, com as gaúchas de Porto Alegre e da região de Morro Alto, comunidade quilombola de origem moçambicana no Rio Grande do Sul. E há ainda na programação um novo projeto na África, em Cabo Verde, e outro no continente americano, na Costa Rica.Diz um provérbio africano que "o pé não vai aonde o coração não quer". O coração de Dirce Carrion quer muito e por isso seus pés nunca param.

 
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