Excelência da semente ao prato - Em 30 anos, as pesquisas da Embrapa trouxeram mais qualidade aos alimentos |
2006. Ano 3 . Edição 18 - 1/01/2006 Em 30 anos, as pesquisas da Embrapa resultaram na produção de alimentos em maior quantidade e qualidade, ajudaram no desempenho da balança comercial, criaram oportunidades de trabalho e, por conseqüência, contribuem para a redução das desigualdades no Brasil
Plantação de girassol: no Paraná os campos são dizimados por pombos silvestres. A Embrapa pesquisa uma forma de controlar a população de aves Se você, leitor, é uma pessoa essencialmente urbana, que nunca se preocupou com a origem do frango, da verdura, dos ovos e da farinha que vão ao prato nas refeições, certamente não terá prestado, também, muita atenção no trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O que se divulga a respeito dela, em geral, está relacionado à soja, importante produto da pauta de exportações brasileiras, que alcançou o padrão atual porque a Embrapa, cerca de 20 anos atrás, começou a desenvolver sementes que permitissem o cultivo da planta em ambiente tropical, já que ela é de origem asiática e só vingava em clima temperado. Essa é, de fato, uma marca na história da empresa, que, porém, é muito maior do que a soja. Em 30 anos, a Embrapa desenvolveu e disponibilizou mais de 9 mil espécies de sementes, de outros insumos e de tecnologias. A oferta de carne bovina e suína triplicou. Da mesma forma, cresceu a produção de hortaliças, de ovos, de leite e de frango. Programas desenvolveram sistemas para aumentar a eficiência da agricultura familiar e incorporar pequenos produtores ao agronegócio. Mas, mesmo na faceta mais conhecida, que é a soja, há detalhes que valem a pena esmiuçar. Hoje há mais de 230 espécies (ou cultivares) de soja adaptadas a diferentes tipos de solo e clima, resistentes a doenças e a intempéries, e altamente produtivas, em terras que vão do Rio Grande do Sul a Roraima. Em alguns estados, como o Paraná, que tem 40 microclimas, são cultivados 40 tipos de soja. E, como a metade das sementes plantadas no país vem da Embrapa, que é uma empresa do governo, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o custo do insumo é baixo - inferior ao que se verifica em outras regiões do mundo. Não é a toa que o Brasil é o segundo maior produtor desse grão no planeta - perde apenas para os Estados Unidos.
A atuação da Embrapa ocorre nas mais diversas áreas. Nas fotos, acima, um campo de cultivo familiar de batata e, abaixo, pescadores em Maceió. Não se ara mais a terra, assim como não se usam mais redes de pesca com tramas muito estreitas. Os objetivos, nos dois casos, são a preservação e a sustentabilidade. O trabalho não tem fim. Somente nos dez últimos anos surgiram cinco novas doenças que ameaçam o negócio, entre elas a ferrugem. As pragas devem ser combatidas de forma eficiente, rápida, a custo baixo e com o menor dano possível ao meio ambiente para que os indicadores do agronegócio do país continuem a ser positivos. Para desenvolver suas pesquisas, a Embrapa Soja, que tem sede no estado do Paraná, mantém um banco de germoplasmas, um enorme galpão com temperatura controlada que guarda mais de 8 mil espécies, das mais selvagens às mais frágeis, para fazer cruzamentos e experimentos e solucionar os problemas que se apresentam. São sementes que têm de ser plantadas de tempos em tempos para que os exemplares não se percam. "Graças ao trabalho da Embrapa e de outros centros de pesquisa a ela associados, o Brasil possui, hoje, um modelo avançado de agricultura tropical, com alta produtividade inclusive em solos peculiares, como os do cerrado", diz Rogério de Freitas, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Esse é um marco importante, pois o país tem potencial para usar uma área agriculturável maior do que o de países como a China e a Índia, por exemplo." Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Embrapa Porteira Até aqui vimos, então, que engenheiros agrônomos, biólogos e técnicos têm muito a fazer em laboratórios, em campos experimentais e no contato com os agricultores para repassar as tecnologias desenvolvidas. A produção e a exportação de grãos no Brasil batem recordes após recordes, também, porque pesquisadores com outros tipos de especialização buscam maneiras eficientes de aproveitamento do solo com a adoção de práticas, o desenvolvimento de máquinas e equipamentos e a utilização de fertilizantes que reduzam os custos na lavoura. Com isso, apesar das estradas esburacadas, do transporte ferroviário deficiente, da ineficiência dos portos, das altas taxas de juro e da elevadíssima carga tributária, o produto brasileiro mantém a competitividade no mercado internacional. "Da porteira para dentro, a produção de grãos no Brasil é exemplar", diz João Flávio Veloso, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Soja. Está certo que a soja é um produto importante, assim como o café, o açúcar, a laranja. Vão do campo à indústria de alimentos e de lá à mesa do brasileiro. Também saem do país em troca de dólares, essenciais para o equilíbrio das contas externas. Mas há muito mais no campo brasileiro e no universo de pesquisa da Embrapa. Por que devemos prestar atenção no que ocorre nessa empresa? Em primeiro lugar, porque ela é o maior e mais profícuo centro público de pesquisas do país em matéria de agronegócio - e o Brasil é um dos campeões mundiais nesse setor. Depois, porque os resultados de seus trabalhos têm efeito direto no bolso e na saúde da população. A fartura, o acesso a alimentos mais nutritivos, sem contaminação e mais baratos, são questões que interessam a todos. Quem vai ao supermercado ou à feira deve ter notado que hoje existe uma variedade de cenoura minúscula que pode ser comida numa única mordida. Pois é, a tecnologia para sua produção no Brasil foi desenvolvida na Embrapa. E aqueles tomates belíssimos, vermelhões e firmes, que ficam deliciosos numa salada? Pense na mesa das festas de final de ano ou em seu prato preferido. Batata, farinha de mandioca, feijão, arroz, a fruta ou o doce da sobremesa. Tudo, em alguma pontinha, leva o carimbo da Embrapa. Carne macia, sem gordura, de bois criados em pastos supernutritivos, continua sendo exportada, apesar das restrições do mercado externo ao produto brasileiro, desde que surgiram os primeiros focos de febre aftosa no país. A tecnologia do boi verde, como é chamado o animal que de verde só tem o pasto, também saiu da Embrapa. Assim como a do porco magro, que não provoca a formação de colesterol naqueles que gostam de saborear uma feijoada. "Hoje temos coco light, plantações de algodão colorido, macarrão enriquecido para merenda escolar, arroz com proteínas. São novidades resultantes do trabalho da empresa", diz o engenheiro agrônomo Antônio Jorge Oliveira, pesquisador do Centro de Tecnologia e Informática que trabalha na Embrapa há 32 anos.
As atividades da Embrapa são muito diversificadas. Nas fotos, acompanhamento de plantação de mandioca em tribo indígena, laboratório de biotecnologia vegetal e a língua eletrônica, que será produzida em São Carlos, no interior paulista, para testes de sabor em indústrias de alimentos e bebidas como o café (grão que aparece acima) Sim, há também um centro de informática na empresa, com bancos de dados acessíveis a pesquisadores e produtores, além de laboratórios de pesquisas para a produção de equipamentos úteis ao trabalho na roça ou à indústria de alimentos. Assim como há programas de rádio, transmitidos por estações comunitárias, para a divulgação de novas tecnologias; aulas no campo, para educação ambiental de estudantes e para a formação de agricultores; e trabalhos com pescadores, tribos indígenas e comunidades quilombolas. Tem mais. Laboratórios de biotecnologia, que já produziram bezerros clonados, e de nanotecnologia, que buscam o desenvolvimento de materiais inovadores. A Embrapa é um mundo Um mundo de excelência. "Somos produtores de alimentos. Nosso objetivo tem de ser o aprimoramento crescente da qualidade final do produto, pois os consumidores estão se tornando mais exigentes. Não continuaremos nos saindo bem se não investirmos em pesquisa para atender às demandas dos mercados interno e externo. Só assim reduziremos as assimetrias regionais e as desigualdades, que não são boas para ninguém", diz Kepler Euclides Filho, diretor executivo da Embrapa.
Fazenda de reflorestamento da Klabin: apoio da Embrapa para salvar o pinus atacado por vespas A Klabin é uma das maiores fabricantes de papel e celulose no Brasil. Também tem enormes áreas de reflorestamento, porque o papel, como todos sabem, vem da madeira. E é a maior fornecedora de toras oriundas de florestas plantadas para a indústria de chapas e de madeira serrada do país. Mais que centenária, a Klabin, criada em 1899, plantou sua primeira base florestal em 1943. Primeiro com araucária, depois com eucalipto e, na década de 50, com pinus. Com o tempo, montou um departamento de pesquisa e desenvolveu uma espécie de pinus que cresce rapidamente - cuja primeira safra será colhida em 2006. Suas fazendas são verdadeiros mosaicos, compostos de mata nativa, de pinus, de araucária, de eucalipto - populações variadas convivendo no mesmo ambiente. "Conservamos a biodiversidade e nossas plantas crescem sadias", explica o engenheiro agrônomo José Carlos Totti, gerente de reflorestamento da Klabin Florestal. Quem observa a empresa pode pensar que ela não tem nenhuma necessidade de recorrer aos serviços da Embrapa, mas não é bem assim. Uma praga que ataca o pinus, a vespa da madeira, andou tirando o sono dos empresários do setor alguns anos atrás, quando várias fazendas foram infestadas. Incapazes de combater o problema individualmente, eles criaram um fundo comum e financiaram os pesquisadores da Embrapa. O resultado foi a descoberta, no exterior, de um nematóide - espécie de verme - que bota ovos nas larvas das vespas. Os filhotes dos vermes comem as larvas e a população de vespas fica sob controle. Parece simples, mas não é. O tal nematóide veio de um ambiente muito diferente do brasileiro. Precisou passar por uma adaptação, ser trabalhado e multiplicado antes de se tornar útil para os reflorestadores. "Quem adota a tecnologia desenvolvida pela Embrapa tem um produto de alta qualidade e muito competitivo. O Brasil ocupa posição de ponta nesse setor, tem ambiente favorável, material genético e conhecimento de gestão. As vantagens são tantas que muitas empresas estrangeiras estão se transferindo para cá", diz Totti.
Plantação de algodão comum e peças produzidas com o algodão colorido: antialérgicas e ecologicamente corretas Ensaio O caso do algodão colorido também é interessante. O pessoal da Embrapa começou a trabalhar nessa área quando descobriu que a agricultura familiar do Nordeste estava sendo largamente superada pelas grandes plantações do Mato Grosso e já não encontrava mercado para seu produto. Muitos tubos de ensaio depois do primeiro impulso fizeram surgir um tufo de algodão bege, depois um amarelado e um terceiro mais para o marrom. Essas mudas foram multiplicadas e as sementes foram distribuídas aos sitiantes. Atualmente, existe uma produção significativa de algodão naturalmente colorido. Nas tecelagens, eles dispensam a adição de corantes e, portanto, são antialérgicos. A Karsten, outra empresa com mais de um século, que é uma das maiores exportadoras de produtos têxteis do país, faz toalhas de banho com o algodão desenvolvido pela Embrapa e plantado no Nordeste. Descobriu que o algodão colorido geneticamente tem uma demanda crescente na Europa e no Japão, onde há cada vez mais adeptos de produtos naturais e sensíveis a apelos ecológicos. "Continuamos trabalhando com a Embrapa para auxiliá-la no processo de expansão do cultivo de algodão colorido", diz Leoni Pasold, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Karsten. Bom para a empresa, bom para japoneses e europeus - e ótimo para os sitiantes nordestinos. Em São Paulo, a Embrapa tem parceria com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado. Entre outros, há o projeto Viabilidade da Pecuária Leiteira, que beneficia mais de 500 pequenas propriedades há cinco anos. "Há casos de produtores paulistas que aumentaram sua produção diária de leite C em mais de 200%. A Embrapa tem acompanhado com muita competência e seriedade as demandas do setor produtivo", diz o secretário da Agricultura Antonio Duarte Nogueira Júnior.
Fonte: Agricultural R&D in Brazil - Beintema, Dias Avila e Pardey - Embrapa/Fontagro/IFPRI "Não fosse a Embrapa, quem faria pesquisa sobre feijão, um alimento que só é produzido e consumido em grandes quantidades no Brasil? Ou investiria no desenvolvimento e no ensino de técnicas de plantio de mandioca a pequenas tribos indígenas? Quem buscaria uma forma de combater os pombos que devastam plantações de girassol no Paraná? Ao mesmo tempo, não podemos ficar exclusivamente dependentes de tecnologia externa em produtos como o milho e a soja. É necessário que a Embrapa se envolva. Porém, o mais importante é que a pesquisa esteja em linha com as reais demandas do mercado, para que tempo e dinheiro não sejam desperdiçados. A Embrapa já tem essa preocupação e planeja ampliar o âmbito de suas consultas para aumentar a interação entre os centros de pesquisa e dar maior eficiência ao sistema", diz André Pessoa, da Agroconsult. Hoje a Embrapa está presente em quase todos os estados, em diferentes condições ecológicas. Tem 8.619 empregados, dos quais 2.221 são pesquisadores, 45% com mestrado e 53% com doutorado. Mantém 275 acordos de cooperação técnica com 56 países e 155 instituições de pesquisa internacionais. Tem ainda dois laboratórios no exterior, um nos Estados Unidos e outro na França, implantados com o apoio do Banco Mundial para pesquisa em tecnologia de ponta em áreas como recursos naturais, biotecnologia, informática e agricultura de precisão. Eles compõem o projeto Labex - Laboratório Virtual da Embrapa no Exterior. O orçamento, de 877 milhões de reais em 2005, é inferior ao de 1996, mas a venda de royalties, tecnologias e serviços, e financiamentos de organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, minimizam o problema. E há perspectivas positivas. "A Lei de Inovação abre caminho para parcerias mais flexíveis. A regulamentação da Lei de Biossegurança permite que atuemos em novas áreas. Temos muito trabalho pela frente", diz Euclides Filho, diretor executivo da Embrapa A título de curiosidade: numa reportagem publicada em novembro, a revista inglesa The Economist apelidou a Embrapa de "Cinderela do Brasil".
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