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Centrinho: - pequeno só no nome - Hospital universitário em Bauru se torna referência mundial

2005. Ano 2 . Edição 13 - 1/8/2005

Hospital universitário de reabilitação de anomalias da face e do palato é reconhecido como centro de excelência de pesquisa e atendimento pela Organização Mundial da Saúde e realiza 8 mil cirurgias gratuitas por ano.

Por Maysa Provedello, de Bauru

Respirar, comer, falar e engolir são atos automáticos para muita gente, mas não para 5.800 brasileiros nascidos todos os anos. Seja de forma mínima, seja de forma mais complicada, eles possuem alguma anomalia craniofacial. As mais conhecidas são as fissuras de lábios e as aberturas de palato (céu da boca). Esses problemas complicam, e muito, o desenvolvimento de cada um desses indivíduos desde os primeiros dias de vida, pois dificultam a alimentação. Na vida adulta, enfrentam preconceitos dos mais variados tipos em relação às diferenças no jeito de falar - fanhoso - ou aos sinais e cicatrizes que apresentam no rosto, que fecham portas para relacionamentos, para o mercado de trabalho e exigem muito mais motivação e persistência na busca de uma vida cotidiana como a de qualquer cidadão.

Em Bauru, no interior de São Paulo, existe um lugar que realiza, ao mesmo tempo, pesquisa de ponta e atendimento hospitalar e que apresenta as mais modernas soluções para os obstáculos enfrentados por essas pessoas. Trata-se do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (USP), que desde sua fundação, em 1967, ganhou da comunidade local o nome de Centrinho. Conhecido nacional e internacionalmente, é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma referência em atendimento e em pesquisa na área. "É um projeto que funciona mais ou menos como uma família, vai crescendo, as necessidades vão crescendo, os problemas também vão crescendo, mas as satisfações também são maiores ", define José Alberto de Souza Freitas, cirurgião-dentista, superintendente e um dos fundadores da instituição. O hospital é público e mantido com recursos da USP para custeios administrativos e do Sistema Único de Saúde (SUS) para a cobertura dos serviços prestados à população. As verbas são administradas pela Fundação para o Estudo e Tratamento das Deformidades Craniofaciais (Funcraf), que desde 1985 também capta fundos para projetos de pesquisas e doações. O Centrinho conta atualmente com um corpo de 693 funcionários diretos. Mas, se forem contabilizados estagiários e voluntários, o número chega perto de 1.000.

No hospital, nenhum paciente é atendido em esquema de emergência e não existem serviços pagos: tudo é público e ninguém passa na frente de ninguém. Todas as consultas ou cirurgias são marcadas com antecedência, o que exige organização impressionante. O setor responsável por agendar os horários, recepcionar os pacientes e controlar os prontuários, por exemplo, conta com 60 funcionários em tempo integral. Eles enfrentam o desafio de viabilizar 300 atendimentos diários no ambulatório e nas clínicas de psicologia ou fonoaudiologia, além de 25 cirurgias, com pacientes de todo o país. "Cada caso é muito diferente do outro, às vezes um paciente precisa de uma ou duas cirurgias simples e outros precisam de 18 ou 20 durante toda a vida, o que nos obriga a ficar em contato permanente com eles por muitos anos, até o final da adolescência. Por isso encaixamos, de tempos em tempos, todo esse pessoal na agenda dos médicos, entre cirurgias e avaliações ", explica Luiz Fernando Ribeiro, médico pediatra e diretor clínico do hospital.

Ao longo de 38 anos de idade e após 65 mil pacientes atendidos - 47 mil referentes a fissuras e o restante a outras especificidades, como as auditivas - foi desenvolvido no Centrinho um conjunto inovador de métodos cirúrgicos e outros procedimentos das áreas de atendimentos e diagnósticos fisiológicos e odontopediátricos. Por isso, é tão relevante o papel do hospital como um ponto de difusão de conhecimento, com vários intercâmbios acadêmicos, além da realização de congressos mundiais a cada dois anos para a disseminação de experiências e pesquisas ali realizadas, bem como para receber especialistas do exterior e conhecer novas práticas desenvolvidas em outros países. "Existem 200 novos procedimentos que já praticamos no Centrinho e que são tão inovadores que o SUS não tem ainda como nos pagar porque não estão cadastrados na tabela de condutas hospitalares previstas. Esperamos que isso seja feito num futuro próximo ", conta Freitas.

O hospital universitário de Bauru, ao contrário dos outros hospitais do gênero no país, não está ligado a nenhuma faculdade de Medicina e tem caráter independente, ou seja, é uma escola por si só. Ele nasceu da iniciativa de professores da Faculdade de Odontologia de Bauru (USP), com a qual ainda mantém algumas relações acadêmicas, mas não se pode mais dizer que sejam instituições ligadas. A idéia de criar o Centrinho surgiu da constatação de que as cirurgias corretivas em crianças com problemas labiopalatais não resolviam os problemas de médio e longo prazo. Elas apenas permitiam a alimentação básica nos primeiros meses e anos de vida, mesmo assim com uma série de limitações. "Era fácil perceber que deixar a criança mais bonitinha nos primeiros meses de vida, sem aquelas marcas de nascença, não ia resolver, porque o quadro não seria nada bonito no futuro. Ela teria problemas sérios de fala, de respiração e, sobretudo, de integração depois de alguns anos ", lembra Freitas.

 

Difusão Por não estar atrelado diretamente a nenhuma instituição de Medicina, o Centrinho oferece um leque diferenciado de cursos, único no país, desde uma disciplina optativa de graduação em Odontologia até residência médica em Otorrinolaringologia. No âmbito do mestrado e do doutorado, os cursos são na área de Ciências da Reabilitação, divididos em Distúrbios da Comunicação Humana ou Fissuras Orofaciais. "Preparamos profissionais especialistas nas respectivas áreas e que sejam, obrigatoriamente, interessados e conhecedores das áreas afins de reabilitação dos pacientes com problemas labiopalatais. Não dá para ser somente médico ou psicólogo, é preciso entender todo o processo de vida de quem tem essas características ", afirma Inge Elly Trindade, presidente da comissão de pós-graduação. Ao todo, passam pelas salas de aula e pelos corredores do hospital 200 alunos por ano. A fonoaudióloga Luciane Riehl cursa mestrado no Centrinho há um ano e passa 40 horas semanais entre aulas teóricas e atendimentos práticos. Para ela, que já fez outro mestrado na área, o programa é diferente porque livros e atendimento têm o mesmo peso e, além disso, existe um incentivo muito forte para que sejam produzidos trabalhos científicos para apresentação em congressos e seminários.

Parcerias O objetivo dos cursos e também de todos os eventos de formação científica do Centrinho é promover a disseminação e a formação de novos profissionais capacitados para o atendimento de alto nível das anomalias craniofaciais. A falta de serviços especializados no país faz com que sejam comuns casos de atendimentos de crianças e adultos que trazem seqüelas devido a procedimentos cirúrgicos malfeitos por profissionais despreparados. "Também é preciso capacitar os fonoaudiólogos, os pesquisadores, os fisiologistas e os psicólogos, transmitindo tudo aquilo que nós já conhecemos sobre o assunto para que eles possam atender cada vez melhor, de forma mais especializada ", resume Trindade. "Temos o projeto de criar unidades menores do Centrinho pelo Brasil, pelo menos uma em cada região, para facilitar a vida dos pacientes e aproveitar que já temos tantos profissionais treinados, tantos jovens formados com boa qualidade de trabalho ", completa Freitas.

Também tem papel fundamental na expansão das pesquisas realizadas no Centrinho as parcerias nacionais e internacionais com universidades e instituições de fomento à pesquisa, que vão desde a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) até as universidades da Flórida e de Iowa, nos Estados Unidos, com as quais são feitos estudos em conjunto para o desenvolvimento de procedimentos médicos. Com a OMS estão sendo discutidos diversos protocolos internacionais de atendimento para os casos chamados sindrômicos, isto é, aquelas crianças que nascem com várias anomalias - não só craniofaciais, mas também em outras partes do corpo - e precisam de diversos cuidados ao mesmo tempo. Até hoje elas não contam com formas padronizadas de atendimento.

Social Pelos corredores coloridos e sempre limpos do Centrinho transitam vidas distintas de milhares de pessoas dos mais diversos cantos do país, com as mais diferentes histórias para contar. Maria Socorro Maciel da Silva, de 57 anos, é avó de José da Silva, hoje com 13 anos, mas que desde os 18 meses de vida deixa a capital do Acre, Rio Branco, para fazer cirurgias no Centrinho. "Já é a quarta vez que chegamos aqui de ônibus. É longe, mas vale a pena, ele está indo muito bem ", conta a avó, enquanto espera para ser chamada para a rotina de sempre, igual para todas as crianças, e que consiste em exames preparatórios pré-cirúrgicos, depois a operação propriamente dita e o período pós-cirúrgico. Para fazer a viagem, que durou quatro dias, ela conta com um subsídio ao qual todos os brasileiros têm direito, denominado Tratamento Fora de Domicílio, a ser utilizado nos casos de alta complexidade. "Temos uma função social estratégica a cumprir com essas pessoas, pois a maior parte delas não sabe que pode contar com esse tipo de ajuda nem que tem direito a outros serviços básicos ", explica Silvana Maziero, assistente social e coordenadora de projetos comunitários do hospital. José tem vergonha de conversar com estranhos, mas vence a timidez e diz que nem está com muito medo da cirurgia complicada que vai fazer, a retirada de um pedaço do osso da perna para um enxerto na parte de baixo do nariz, acima dos dentes. "Ganho 600 reais por mês e tenho oito dependentes, mas sempre guardo um pouquinho para os gastos aqui para dormir e comer porque sei que ele vai ficar bom ", diz a avó.

Para possibilitar o bem-estar mínimo dos pacientes e dos familiares que os acompanham durante os dias de tratamento em Bauru, a maioria deles pertencentes às camadas mais baixas da população, é preciso desenvolver toda uma logística que, no mínimo, facilite o transporte, o alojamento e a alimentação dessas pessoas. Porém, mais importante até do que isso é garantir que na cidade de origem dos pacientes o tratamento não seja interrompido. "Sem um atendimento contínuo de fonoaudiologia, por exemplo, o paciente pode não progredir e prejudicar o tratamento ou mesmo chegar aqui sem condições de continuar o tratamento ' ', esclarece Maziero.

Por isso, o setor de serviço social conta com dezenas de assistentes para desenvolver diversos tipos de convênios com estados e prefeituras, de forma a garantir as várias etapas logísticas necessárias ao tratamento. "Notamos que muitas pessoas das mesmas cidades se encontravam por acaso aqui na portaria do Centrinho e decidimos, então, criar o projeto Carona Amiga, que prevê a marcação de consultas dos pacientes da mesma região nos mesmos dias ", explica Maziero. Os próprios técnicos do hospital organizam parcerias para viabilizar o transporte coletivo para que os horários sejam respeitados e as crianças cheguem em boas condições de atendimento. Hoje, segundo Maziero, existem 550 municípios com esquema de transporte em grupo de pacientes para o Centrinho.

Outro ponto crucial ainda em fase de desenvolvimento pelo departamento de assistência social do Centrinho são os atendimentos ambulatoriais descentralizados. Muitas vezes, depois de passar pelas cirurgias, os pacientes precisam de pequenos cuidados - um simples aperto num aparelho dentário ou um curativo especializado - mas que não podem ser feitos por qualquer profissional e exigem alguém especialmente treinado. "Aproveitando as instalações de entidades de apoio às crianças, formadas por pais e familiares ao longo dos anos, começamos a montar pequenos ambulatórios bem preparados, com pessoal treinado aqui em Bauru, nas cidades onde existe um número considerável de pacientes ", diz Maziero. Das 43 associações familiares de apoio existentes no país, 21 já fazem esse tipo de atendimento. O hospital também conta com três filiais de atendimento ambulatorial, uma em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e outras duas no estado de São Paulo, de onde se origina a maior parte dos pacientes do Centrinho, uma em Santo André e outra em Itararé, no Vale do Ribeira.

Alívio A história da psicóloga Socorro Souza, mãe de José Kennedy de Souza Jr., de 1 ano e meio, resume o caminho trilhado por muitas das pessoas que passam pelo Centrinho. O filho não possui parte do céu da boca e a úvula, também conhecida como "campainha ", que é um pedacinho da boca que ajuda na fala e na deglutição. Em Manaus, cidade natal do bebê, não se descobria a causa do problema, e o diagnóstico demorou a ser feito. Depois de tudo elucidado, veio a etapa do medo. "Pensamos em operar lá, mas não senti nenhuma confiança, pois cada pessoa falava uma coisa ", afirma a mãe, enquanto espera na sala de período pré-cirúrgico, onde as crianças se divertem com centenas de brinquedos e fantasias. Quando disseram que numa cidade do interior de São Paulo existia um hospital público com soluções para o problema, ela chegou a duvidar. Mesmo assim, sem muita expectativa, viajou com o marido e o filho. "A forma de atendimento aqui, a competência, o carinho imenso com as crianças e o respeito com os pais passam a sensação de que tudo vai dar certo. Isso sem falar no tratamento igual dado a ricos e pobres ", diz ela emocionada. Vinda de uma família de classe média, acostumada a usar serviços particulares de saúde, imaginava encontrar um hospital com pessoas abandonadas pelos corredores, como nas imagens mostradas pela televisão. Mas o que encontrou foram instalações de primeira qualidade e atendimento profissional especializado. Em quatro dias, Kennedy já estava operado, depois de fazer os exames iniciais, as avaliações das condições das fissuras e as consultas pediátricas para saber se poderia ser submetido à cirurgia.

"Quando a criança não está em plenas condições de ser operada, remarcamos o procedimento para uma nova data ou, ainda, se for o caso, realizamos outra cirurgia antes do fechamento do palato propriamente dito ", explica Ribeiro, diretor clínico. Carleana Cavalcanti das Chagas, de 7 anos, é um desses casos. Quando tinha 2 anos, ela fez uma cirurgia inadequada de correção labial, em Belém, e agora precisa refazê-la. Há seis meses chegou ao Centrinho, mas os médicos perceberam que ela precisava retirar a amígdala antes de corrigir a fissura na boca. "Agora vou fazer o que precisa ser feito e estou tranqüila ", diz a menina, enquanto espera pela cirurgia corretiva.

O segredo de um projeto ter tanto sucesso? "Acho que é o fato de termos mudado a ordem básica de atuação da universidade, que é o de primeiro pesquisar e somente depois ensinar e prestar serviços. No Centrinho nós fazemos tudo junto, prestamos serviços, pesquisamos e ensinamos ", define Freitas. O que fica claro, depois de alguns dias de convivência com funcionários e pacientes do hospital, é que foi desenvolvida ali uma tecnologia social ímpar, que mistura fortes componentes de organização, uma interdisciplinaridade marcante, sem a qual as cirurgias por si só não funcionariam, e os pilares da pesquisa, responsável pela modernização dos métodos de atendimento e de projeção da instituição no país e no mundo. "Temos problemas como outros hospitais, naturais de quem cresce, faz fama e cria demanda, como uma fila grande de atendimentos e de cirurgias, que seria resolvida se conseguíssemos concluir obras já iniciadas, por exemplo, mas mesmo assim tudo isso vale a pena e precisamos fazer ainda mais ", avalia Freitas.

 
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