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Carlos Lessa - Ex-presidente do BNDES defende mais investimento

2009 . Ano 6 . Edição 51 - 07/06/2009

Por Annie Nielsen, do Rio de Janeiro

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Carlos Lessa está sempre pensando no Brasil e nas imensas possibilidades de crescimento para o País - amparado sempre pelo planejamento. "Temos uma frente espetacular para nos lançarmos no futuro, mas não se discute o futuro", lamenta. Defensor da regulação do mercado e da centralização das operações de câmbio, ele há muito alertava para o risco de crise, mas acredita que o País tem enfrentado bem as dificuldades com investimentos produtivos como o PAC - "eu quero é mais PAC" -, um programa eficiente para o petróleo e o desenvolvimento de energias renováveis. Para Lessa, falta fazer uma integração do País através de um transporte rápido, barato e eficiente e ativar os municípios para que estes gerem empregos locais e dinamizem a economia. Autor de dezenas de livros e artigos - a edição 50 da revista Desafios trouxe a resenha do livro Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro, Contribuições do Conselho de Orientação do Ipea, contendo um artigo seu sobre infraestrutura e logística -, Lessa está escrevendo no momento um trabalho sobre a crise e o Brasil e vem se dedicando a palestras sobre o assunto e às aulas de economia na UFRJ.

Desafios - A crise mundial do crédito era uma tragédia anunciada? Havia sinais de que ela ocorreria?

Carlos Lessa - Era uma tragédia anunciada, sim. As advertências se acumulavam, inclusive advertências semioficiosas, segundo as quais as coisas estavam caminhando para uma direção perigosíssima. Gente do FMI chegou a falar extraoficialmente sobre isso. O George Soros, que é talvez o especulador mais bem sucedido, cansou de advertir que o mundo caminhava para uma tragédia. Essa crise só surpreendeu quem queria ser surpreendido. O problema é que você não pode prever quando essas crises irão explodir.

Antes dessa grande crise de crédito ocorreram outras de inspiração ou fundamento semelhantes. Houve a crise da dívida externa do terceiro mundo em 1982, que começou no México e nos apanhou em cheio. No início de 1990, ocorreu a quebra da especulação colossal com ações de companhias de nova tecnologia. Também percebemos tremeliques no setor imobiliário. Houve uma grave crise de crédito imobiliário, de hiperinflação imobiliária no Japão, que seria a potência emergente e mergulhou na penumbra depois disso. Tudo isso sem falar nos problemas com bancos ingleses e na quebra de um ou outro banco por excesso de expansão de crédito. Estou mapeando a situação de 1980 para cá, porque se retrocedermos mais, encontraremos muitas outras manifestações na história.

As indicações de crise concentradas no sistema americano já datam de 2007, quando houve um estremecimento forte no sistema de crédito imobiliário. A crise começou por onde? Pelo crédito imobiliário. Houve tremeliques sérios em 2007, mas as pessoas se esquecem disso. Os sinais se acumulavam. O problema é que, ao longo de 20 e tantos anos, o sistema de globalização financeira sofreu diversos abalos - a dívida externa do terceiro mundo, a crise da bolsa de valores de 1980, algumas perturbações bancárias, a quebra de alguns bancos na Inglaterra -, porém, conseguiu superá-los. Diante disso, desenvolveu-se a convicção de que o sistema estaria vacinado e saberia sair de qualquer crise. Houve uma ampliação da autonomia desse sistema financeiro internacional em função do êxito relativo ao enfrentar as crises parciais que antecederam essa grande crise.

As crises foram crescendo porque o sistema se tornou permissivo com seus procedimentos. Você tem declarações incríveis de que o sistema alcançou sua maturidade, de que o sistema é capaz de se autogerir, com toda a pressão que fizeram para reduzir a regulamentação. E a globalização financeira criou imensos espaços para esses grandes bancos norte-americanos, mas não apenas eles, se moverem com uma enorme autonomia offshore, nos interstícios do sistema. Existem 72 paraísos fiscais. O ponto para o qual eu quero chamar atenção é que não houve surpresa com essa crise. Acho, porém, curioso que tenha havido uma espécie de nota de surpresa com sua chegada, visto que os sinais e as premonições sobre ela vinham de muito antes, com advertências acadêmicas e institucionais muito antigas.

Desafios - Qual a diferença entre a crise atual e a de 1929?

Lessa - Bem, em primeiro lugar, toda crise, do ponto de vista histórico, é um fato único. Toda grande crise é singular, ela nunca reproduz uma configuração passada. A crise de 1929 se deu num cenário macroeconômico mundial diferente. A organização monetária era menos sofisticada que a atual e apresentava níveis de articulação tecnológica frágeis. Como essa crise ocorreu num cenário completamente diferente, teve desdobramentos igualmente diferentes. E só foi superada com a Segunda Guerra Mundial. Foi só com a Segunda Guerra que Wall Street conseguiu recuperar o índice pré-crise. O índice da bolsa de valores norte-americano só recuperou o padrão anterior à crise em 1952. Isso demonstra a magnitude da crise de 1929 e o seu caráter inovador. O mundo vai à Segunda Guerra Mundial para resolver problemas que haviam aflorado com a Primeira Guerra. O que quero dizer com esse exemplo é que você não pode pegar uma grande crise e procurar respostas para ela no passado. Mas você pode verificar que as crises marcam o nascimento de uma nova organização e hierarquia mundiais. A hegemonia inglesa, por exemplo, começou a ser ameaçada pela crise que houve na Europa no último quartel do século 19, mas só foi sepultada em definitivo com a Primeira Guerra Mundial. Mas até a eclosão da guerra, os EUA já despontavam como o novo centro do mundo. Essa análise mostra como as configurações se modificam com as crises. Assim, a primeira convicção que precisamos ter é que essa crise atual vai reorganizar de forma muito poderosa o sistema econômico mundial.

Desafios - Como começou o problema nos Estados Unidos?

Lessa - Começou no setor imobiliário por volta de 2000. Houve o episódio de 11 de setembro, o medo de que a economia americana entrasse numa recessão, o que levou os bancos e instituições financeiras a jogar os juros para baixo e afrouxar as operações de crédito imobiliário. Isso gerou uma bolha. A bolha imobiliária americana, em última instância, refletiu o valor do imóvel que estava subindo. Se o valor do imóvel está em ascensão, aparentemente a garantia do crédito está dada no valor dos imóveis. Mas quando o valor dos imóveis estaciona e começa a cair, o que sobra? O endividamento das pessoas. Mas se as pessoas estão endividadas, como elas irão pagar? Elas só podem pagar com os rendimentos que elas têm, mas se a economia entrou em crise, os rendimentos caem. Isso se deu nos Estados Unidos em cima dos imóveis e gerou essa bolha colossal que acabou por arrebentar.

Desafios - E no Brasil? O que aconteceu?

Lessa - Nós fizemos uma "bolhinha" que eu costumo chamar de "bolha Casas Bahia", porque a loja se tornou uma espécie de símbolo das compras a longo prazo. Vender automóvel sem entrada em 90 prestações é uma temeridade porque não há garantia nenhuma. O credor pode tomar o automóvel de volta se a pessoa não paga, mas ele fará o quê com o veículo? Nós levamos o endividamento das famílias brasileiras a níveis que considero extremamente inquietantes.

Empurrar o desenvolvimento a partir de bolha de crédito é perigoso se isso não gerar um aumento imediato do investimento bruto. Eu esperava que em 2008 o investimento bruto começasse a ficar robusto, porém, a crise bateu pesado exatamente nisso. As empresas pararam os seus projetos, passaram a agir de forma mais lenta. Assim, você não dá continuidade ao endividamento "virtuoso", que promoveria a retomada dos investimentos produtivos. Esse é o calcanhar de Aquiles do Brasil hoje.

Desafios - Essa descontinuidade do endividamento "virtuoso" seria um dos sinais inequívocos de que a crise chegou ao País?

Lessa - Os sinais estão estampados para todo mundo ver: queda do preço das commodities, retirada abrupta de recursos do País, aumento das remessas de lucros, dividendos e royalties, movimentos especulativos oscilantes na bolsa, apostas temerárias de algumas empresas como a Aracruz e a Sadia, demissões em algumas áreas, segmentos em dificuldades como o setor metalúrgico e siderúrgico. São todos sinais inequívocos, porém, eles não configuram um momento de crise endógeno no País. O fantasma da crise no Brasil está na bolha do endividamento familiar com crédito consignado, desconto em folha, facilidade para comprar em noventa prestações.

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"A saída social do Brasil exige geração de emprego e renda.O problema é que nós estávamos gerando emprego e renda muito em cima do festival do otimismo da bolha"

 Desafios - Como o senhor analisa a reação do Brasil diante da crise?

Lessa - Em relação ao Brasil, houve um componente extremamente curioso, que foi a enorme relutância do aparelho oficial do governo em admitir a existência da crise.

Desafios - Mas agora admite-se, não?

Lessa - Agora eu acho que reconheceram porque o ministro Paulo Bernardo disse há alguns dias que a economia só vai crescer 0,7%. Crescer 0,7% ou ficar parado é a mesma mediocridade. Não dá para soltar foguete por causa disso.

Desafios - Outros países não estão em situação pior?

Lessa - Sempre tem alguém que diz, "ah, mas a recessão em outros lugares é pior". Então somos privilegiados pela recessão aqui ser relativamente menor? Ou somos sofredores crônicos de uma estagnação econômica que retirou pouco proveito da globalização financeira e estamos pagando o mesmo preço dos outros? É um tipo de avaliação que me parece marcada por certa ingenuidade. Aliás, se você fizer a recomposição das declarações do presidente Lula, vai ver isso. Ele começou dizendo que a crise não atravessaria o Atlântico e depois disse que era só uma "marolinha". Eu sei que é necessário transmitir uma sensação de otimismo, mas o otimismo não pode ser feito em cima da revisão de declarações. Se as previsões de crescimento começam a cair, os empresários veem que não haverá crescimento e põem as barbas de molho. Isso é uma crítica que faço a nós, brasileiros, por não termos dado à crise a dimensão que ela tem.

Desafios - Instituições internacionais como o FMI afirmam que o Brasil é um dos países que tem mais chance de sair bem da crise. Podemos confiar nas especulações de organismos que erraram tantas previsões e não alertaram para a iminência da crise?

Lessa - O Brasil chegou a essa crise com algumas vantagens. As principais foram as reservas internacionais. Além disso, tinha a inflação sob controle. Esses dois fatores pesam a nosso favor. O País também dispõe de um sistema bancário que não foi tão contaminado pelo processo de globalização financeira e, felizmente, não privatizou o Banco do Brasil e nem a Caixa Econômica Federal. São dados extremamente positivos e explicam por que a crise está sendo menos devastadora no Brasil do que em outros países centrais do primeiro mundo. No entanto, temos problemas sociais colossais e um desemprego histórico, um subemprego disfarçado, que outros países não têm.

Desafios - Qual a saída social para o Brasil?

Lessa - A saída social do Brasil exige geração de emprego e renda. O problema é que nós estávamos gerando emprego e renda muito em cima do festival do otimismo da bolha. A bolha mundial foi uma bolha de crédito. Nós fizemos uma bolha tupiniquim em cima de vendas financiadas a longuíssimo prazo de automóveis e eletrodomésticos. As pessoas compram uma motocicleta, por exemplo, em 75 prestações. Isso gera o endividamento das famílias.

Desafios - E isso por sua vez gera...

Lessa - O problema é o seguinte. O endividamento das famílias consiste em trazer um mercado do futuro para o presente. Ao agir assim, a pessoa reforça a compra no presente e introduz uma injeção de ânimo no setor industrial. Por outro lado, esse procedimento onera todos os endividados. Mas se a economia mantiver o dinamismo, ou seja, se as empresas começarem a investir, ampliando a capacidade produtiva, será possível fazer com que emprego e renda se multipliquem e o endividamento fique contido num nível razoável. Mas o que acontece numa crise com os endividados? Aumenta a inadimplência. É o que está acontecendo agora.

Desafios - O que o governo tem feito para evitar o agravamento da crise?

Lessa - O governo tem procurado dar injeções de vitamina em todos os segmentos industriais que dependem da folha de crédito. Assim, reduziu o IPI para automóveis, veículos automotores, caminhões, eletrodomésticos, materiais de construção, móveis. Ao agir dessa forma, procurou segurar o funcionamento desses setores. O problema é que fazer isso sem a retomada dos investimentos produtivos é enxugar gelo.

Desafios - O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seria um investimento produtivo?

Lessa - Claro. Aliás, eu só tenho uma coisa a dizer a respeito do PAC: eu quero é mais.

Desafios - Por quê?

Lessa - Porque eu acho o programa muito pequeno para a crise brasileira.

Desafios - Mas há recursos suficientes para ampliar o programa?

Lessa - Do ponto de vista macroeconômico é preciso perguntar se a economia brasileira tem capacidade de produzir o que for necessário para um PAC maior. Se tiver, é uma questão de financiamento.

Desafios - O que mais o governo tem feito de positivo para contornar a crise?

Lessa - É corretíssima a orientação que o governo tem seguido de restaurar a capacidade operacional do setor público. O setor público ainda está com a sua capacidade operacional prejudicada porque, em 1995, foi feita uma devastação em seus quadros. O Lula vem recuperando a capacidade operacional das agências públicas, mas ainda há lacunas graves como na área de saúde. Eu acho errado criticar o governo por causa de gastos públicos com funcionários. Pelo contrário, funcionário é o comprador ideal da rede de supermercado.

Também acho que o governo tem sido eficiente em "tapar buracos" em segmentos como o automobilístico e de eletrodomésticos. Acontece que a capacidade do governo para isso é limitada. O governo tem que dar uma resposta para evitar que surjam novos buracos, tipo o PAC e o programa da Petrobras. O programa da Petrobras cria uma larga frente para a expansão do investimento privado no Brasil. Tudo isso está corretíssimo.

Por outro lado, acho que o governo tem tido um comportamento tímido, de certa maneira acanhado, na discussão do futuro. Vou fazer uma crítica ao PAC. Eu disse que eu quero mais PAC. Eu quero que esse programa equacione a matriz do transporte brasileiro. Quero que o PAC coloque o dedo na ferida. A produtividade brasileira é extremamente ociosa. Vou lhe dar um exemplo. Nós embarcamos soja em grãos pelos portos da região amazônica e da região Sul e algumas vezes a soja viaja dois mil quilômetros de caminhão. A produtividade da produção agropecuária do Brasil é altíssima no perímetro do estabelecimento agrícola, mas fora dele é um horror.

Tenho outra informação assustadora sobre o problema do transporte. Não tenho conhecimento de estimativas mais recentes, mas, segundo dados de mais de dez anos, o deslocamento residência-trabalho-residência no Rio de Janeiro leva duas horas e dez minutos em média. Assim, quando você vê o deslocamento de pessoas, dá mais de 92% no Brasil na modalidade, de novo, em cima do motor de explosão. Então eu acho o PAC ultratímido em matéria de infraestrutura urbana para equacionar a questão do transporte urbano, que é uma tragédia social. Na verdade, todo esse processo de favelização é alimentado por esse fenômeno. Muitos preferem morar com precariedade, mas estar próximo ao local de trabalho e gastar menos tempo e dinheiro para chegar ao serviço, do que morar longe, porque a vida se esvai nesse deslocamento.

Desafios - O senhor disse que o mundo irá se reorganizar depois da crise. Seria possível fazer alguma previsão sobre como ele ficará daqui para frente?

Lessa - Eu não sei para onde o mundo vai. Não existem elementos para a gente prever o futuro. Só posso dizer que o mundo sairá dessa crise com padrões comportamentais e organizações bastante modificadas. Ele não irá reproduzir a situação pré-crise, mas viver uma nova configuração. Eu digo isso e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também.

Desafios - O que exatamente o presidente dos EUA disse que o senhor concorda?

Lessa - No seu discurso de posse, o presidente Obama afirmou que os EUA irão recuperar a sua liderança. Ou seja, assumiu que o país havia perdido essa posição. Pessoalmente, não acho que isso tenha ocorrido. Os EUA estão atônitos com a confusão produzida, mas o dólar continua a ser a grande portabilidade da riqueza mundial. Mas a segunda declaração dele ainda foi mais importante. Ele disse que, para liderar, o país terá de concentrar e refazer sua infraestrutura em ciência e tecnologia para descobrir novas formas energéticas. Obama está indo além da crise no seu discurso. Ele está anunciando um novo modelo de desenvolvimento para o país. O presidente americano percebe que se trata de uma condição segmentada. A era do petróleo já chegou ao seu apogeu. Daqui para frente terá que haver mudança. Isso está claro para o governo norte-americano, mas, para o governo brasileiro, aparentemente não.

Desafios - E por que o Brasil não enxerga isso?

Lessa - Porque, para o governo brasileiro, nós funcionamos assim, portanto, temos que recuperar a normalidade. Qual é a normalidade? Em um mundo em que há um volume colossal de empresas com enormes dificuldades, como a Sadia? A onda das fusões já avançou de um lado e na hora em que o processo reverte, fragiliza. Não é à toa que volta e meia estoura uma notícia segundo a qual uma grande organização está abalada.

Desafios - Como ficarão os EUA nessa nova configuração?

Lessa - Suponhamos que o plano do Obama dê certo e sejam encontradas novas formas energéticas e que o vetor petróleo possa ser parcialmente substituído por outro, quem sabe o hidrogênio. Se isso acontecer, você terá uma enorme destruição de ativos produtivos, mas, por outro lado, terá imensas possibilidades de realizar novos investimentos produtivos. É nesse sentido que a crise é uma espécie de parteira da história. As crises seriam momentos especiais de destruição criadora. Elas destroem alguma coisa e criam outra, só que esse processo não é instantâneo, há sempre um intervalo.

Desafios - E como ficará o Brasil?

Lessa - Nós, brasileiros, temos que pensar no papel que iremos desempenhar nessa nova configuração, porque o componente "vontade" é fundamental. O fato econômico não é produzido mecanicamente. Embora as determinações venham do passado, existe a atuação dos atores no presente. Os atores modificam o cenário que lhes foi dado com suas decisões.

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"A única coisa que cresce são os lucros dos bancos. O nível de proteção do tomador de crédito no Brasil é muito reduzido porque as tarifas aplicadas são abusivas"

 Desafios - O Brasil também caminhará para uma revolução tecnológica como os EUA?

Lessa - Criaram janelas ideológicas e autorizações para o Brasil pensar grande. Vou fazer uma comparação com os Estados Unidos para você entender o que eu quero dizer. Conforme disse o presidente Obama, os EUA terão de fazer uma revolução tecnológica e científica para superar essa crise. E isso irá produzir um mundo novo, que não sei exatamente como será. Se eu sair desse mundo e olhar para o Brasil, percebo algo fundamental que curiosamente não está sendo discutido. O Brasil talvez seja o único país do mundo capaz de fazer uma revolução tecnológica sem quebrar nada porque já detém uma tecnologia conhecida e dominada pelos brasileiros. O Brasil tem uma admirável matriz energética. Talvez tenhamos a mais alta porcentagem de formas de energia renovável no consumo global de energia. As formas de energia renováveis no Brasil vão a 50%. A média mundial é inferior a 10%. Para você ver como nós estamos bem. Nós temos a eletricidade, os derivados da cana, a energia gerada pela cana, pela lenha, que também é renovável, porque você pode reconstituir florestas. Assim, do ponto de vista de matriz energética estamos bem, porém estamos mal pelo fato de a energia por habitante no País ser muito baixa.

Mas não devemos desenvolver nossa matriz energética para reproduzir a matriz bebedora de petróleo, mesmo tendo o pré-sal. Ou seja, o país deve continuar a preservar o padrão da sua matriz energética, mas é fundamental elevar a quantidade de energia por habitante. Porém, se nós temos essa matriz energética tão boa, temos uma das piores matrizes logísticas do mundo. Nosso eixo principal logístico é o transporte rodoviário. Transportamos mercadoria do Rio Grande até Belém tendo 7.500 km de costa navegável. Não temos nenhuma expressão na navegação das bacias do Amazonas e do Prata e as ferrovias brasileiras não integram todas as regiões do País. Além disso, damos "nós" no transporte brasileiro porque construímos portos nas grandes cidades. O porto de Santos, por exemplo, está sendo esmagado porque as ferrovias e as rodovias interestaduais passam pela grande São Paulo. Não houve planejamento. Instalamos uma matriz de transporte da primeira revolução industrial e depois utilizamos as características da economia do petróleo para fazer a nossa economia crescer.

Trata-se de um desafio [integrar o país através de um transporte eficiente e mais barato] radicalmente diferente do enfrentado pelos EUA. Os EUA e a Europa dependem de um novo retorno energético. Nós podemos fazer o quê nos próximos anos? Construir uma matriz de transporte que acople a ferrovia, a rodovia e a hidrovia. Com isso haveria uma redução de preço de todas as mercadorias que vão para o abastecimento brasileiro. Além disso, a população vai melhorar o padrão de vida por causa dessa revolução científica e tecnológica, com uma ciência e tecnologia dominada pela engenharia e pela indústria brasileira. Então, não há problema nenhum para resolver. Temos uma frente espetacular para nos lançarmos no futuro, mas não se discute o futuro.

Desafios - Voltando para a questão da crise. Quanto tempo o senhor acha que vai levar para o País sair dela?

Lessa - Não vou me arriscar a fazer nenhum prognóstico desse tipo. Só posso dizer que as decisões que dizem respeito ao futuro brasileiro têm um elenco de decisões ligadas à economia do petróleo. Achei as observações do presidente Lula sobre o assunto corretíssimas. Segundo ele, o Brasil não será exportador de petróleo e sim um país exportador de derivados do petróleo. Eu diria que o Brasil deve exportar o trabalho dos brasileiros utilizado nessa área. Vou explicar melhor o que quero dizer. Quando você pega soja em grão no porto, chama aquilo de produto de agricultura de transporte. Quando você moe os grãos e obtém farelo, óleo de soja, você tem de novo um aporte energético. Quando pega o farelo e dá para o boi, depois mata o boi e pega a carne, ela também incorpora energia. O que eu estou querendo dizer é que energia não é commodity. Petróleo não é commodity, e sim o vetor que organiza toda a base produtiva, junto com todas as outras formas de energia. O presidente está corretíssimo quando diz que devemos reservar o petróleo para uso interno, o que inclui a atividade exportadora, mas não vamos ser exportadores de petróleo. É uma maldição ser exportador de petróleo.

Desafios - É tão negativo assim ser exportador de petróleo?

Lessa - A Indonésia foi exportadora de petróleo e membro da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Vendeu petróleo a menos de US$ 3 o barril, andou recomprando em 2008 a uns US$ 120 e agora está comprando a US$ 60. O que você acha? É muito melhor ter petróleo debaixo do solo do que reserva internacional.

Desafios - Então podemos ter esperança com relação ao Brasil?

Lessa - Não tenho a menor dúvida. Acho que a questão do pré-sal é chave para o futuro brasileiro. Felizmente, eu assino embaixo de todas as declarações feitas pelo presidente Lula até agora sobre o pré-sal. Ele falou: "reserva-se a economia do petróleo para dinamizar a economia brasileira", o que é importantíssimo; "e os lucros obtidos para resgatar a dívida social", está corretíssimo. Politizar a questão do petróleo é uma tragédia. Precisamos ter uma Petrobras ultrassólida em nível mundial e nacional, mas subordinada ao povo brasileiro, e não à bolsa de Nova York ou aos seus acionistas.

Em matéria de petróleo estamos muito bem; em matéria de PAC podemos melhorar. O PAC tinha que ser muito maior e atender mais brasileiros. Vou dar uma sugestão. É preciso ativar os municípios no Brasil.

Desafios - E como se daria essa 'ativação' dos municípios?

Lessa - Se você ativar os municípios, eles começam a realizar um monte de pequenas obras que têm o efeito de gerar empregos locais, que é exatamente o que queremos. Eu tenho uma sugestão. Por que os royalties do petróleo não são distribuídos para todos os municípios brasileiros? Você vai me perguntar, "mas como podemos fazer isso?" O Lessa, um carioca, está propondo que o Rio de Janeiro perca a posição privilegiada que tem nos royalties em nome de todos os municípios brasileiros. Mas eu estou pensando é no pré-sal. Eu acho que os rendimentos do pré-sal deveriam ser distribuídos pelos municípios brasileiros. É somar as forças políticas em torno de quê? De preservar o pré-sal para o Brasil. Aí você vai me perguntar, "mas porque você está falando isso?" Por uma razão muito simples. Sabe quantos insumos o petróleo dá? Três. Então, qualquer modificação no setor energético vai fazer do petróleo residual uma misturinha ultravaliosa para os milhares de usos que são possíveis com o petróleo. A ideia de ser avarento com relação ao seu petróleo, ou seja, extrair do solo apenas a quantidade de petróleo de que você necessita e vendê-lo a conta-gotas para comprar o indispensável ao País. Seria uma maldição se embarcássemos numa trajetória semelhante a dos países do Oriente Médio. Copacabana não será uma Dubai e eu espero que o Brasil não se transforme num Iraque. Quero que vire uma Noruega. E o Brasil pode ser uma Noruega a partir dessa matriz energética brasileira, se houver inteligência no modo de construir o futuro.

Desafios - O crescimento que o Brasil vinha apresentando era calcado em bases sólidas?

Lessa - Não, porque a base sólida de um crescimento é a elevação da taxa de investimentos produtivos. E a taxa de investimento brasileiro estava medíocre. Se não me engano, melhoramos um pouquinho em 2008. Mas o Brasil andou com taxas inferiores a 20% do PIB, quando nós deveríamos ter pelo menos 25% do PIB. O ideal seria ter 30%.

Desafios - Falando em PIB, o governo ainda acredita em um crescimento em 2009 na ordem de 0,7% a 1%, apesar da crise. O senhor acredita que esse crescimento vai acontecer?

Lessa - Não me angustio com isso. Se houver um crescimento em 2009, sem dúvida será um dado alvissareiro, porém, não significa que tenhamos superado a crise. Em primeiro lugar, acho que o Brasil está estagnado desde os anos 1980. Os jornalistas batizaram a década de 1980 como a década perdida, mas os anos 1990 foram igualmente medíocres em termos econômicos. Durante esses 20 anos de mediocridade, a situação melhorou de vez em quando. Eu chamo isso de voo de galinha. E foi em cima de uma expansão de crédito colossal, que é a tal da "bolha Casas Bahia". Precisamos ter uma taxa de investimento macroeconômica alta. Isso só é possível com a elevação da taxa de investimento público. Por esse motivo, peço um PAC mais robusto. Acho fundamental reforçar essa passagem municipal de resgate nas obras, enquanto o governo federal articula as grandes. Isso é o coração de uma futura estratégia. Mas é preciso saber qual será a finalidade dela. O que foi definido para a economia do petróleo está muito bom, falta uma economia de transporte e falta uma inequívoca opção pelas formas de energia renováveis.

Desafios - O senhor acha que o sistema brasileiro de controle de crédito está bem regulado?

Lessa - Do ponto de vista estritamente conservador, eu diria que o sistema de crédito brasileiro tem sido administrado muito com os olhos no sistema de crédito privado e pouco com os olhos na sociedade brasileira. Foi feito um jogo de contas em que a economia não cresce. A única coisa que cresce são os lucros dos bancos, das operadoras privadas. O nível de proteção do tomador de crédito no Brasil é muito reduzido porque as tarifas aplicadas são abusivas. O sistema bancário se autofinancia com as taxas e ganha com as operações ligadas à tesouraria. Mas o Brasil pode modificar isso. Como temos a renda de bancos públicos de grande peso na economia, esses bancos podem operar com vistas a impor regras mais eficientes. Não podemos aplicar um tratamento de choque no sistema de crédito brasileiro porque isso seria muito perigoso, mas podemos arrumá-lo progressivamente.

Desafios - Há necessidade de alguma salvaguarda contra a crise?

Lessa - O Brasil precisa criar uma salvaguarda mais eficiente para fazer frente à crise financeira mundial e para isso é fundamental centralizar as operações de câmbio. Sou inteiramente favorável a uma centralização do câmbio, que seria formulada pelo Banco Central, submetida a uma aprovação pelo Congresso e executada pelo Banco do Brasil.

Desafios - Como fica a situação da iniciativa privada daqui para frente. Haverá retração de investimentos?

Lessa - Eu acho o comportamento da iniciativa privada muito estranho. Se eu tomar o que a Fiesp afirma como representativa dessa posição, diria, para a minha surpresa, que a Fiesp não defende um programa de investimentos produtivos e de investimentos públicos. A Fiesp só fala em redução de impostos e em flexibilização dos contratos de trabalho. Ora, a grande defesa em relação à crise é preservar o poder de compra das pessoas. A grande defesa frente à crise é aparecer um grande comprador, que é o setor público, que ativa cadeias de produção ao comprar. Se o setor público encolher porque perdeu receita tributária, e se os contratos de trabalho levarem a uma redução da massa salarial, a crise se agrava. O discurso da Fiesp parece ser pró-crise.

Desafios - Como o senhor vê o Brasil daqui a dez ou 15 anos?

Lessa - Não tenho bola de cristal para prever nada. Mas digo uma coisa. Não consigo ser pessimista em relação ao País. Quando eu nasci, o Brasil era um cafezal. Quando cheguei à maturidade, o Brasil já era a oitava economia industrial do mundo. Agora, na minha velhice, é a décima-quarta. Mas pode resgatar a antiga posição. Pode ver a integração latino-americana avançar. Enfim, o Brasil não está condenado a nada, a não ser a uma mediocridade que parece ser uma opção nossa.

 
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