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Ignacy Sachs - O estudioso franco-polonês coloca os valores humanos acima de tudo

2007 . Ano 4 . Edição 30 - 11/1/2007

Por Andréa Wolffenbüttel, de São Paulo

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O estudioso franco-polonês Ignacy Sachs é um daqueles raros economistas que colocam os valores humanos acima de tudo. Famoso por ter cunhado, nos anos 1970, a expressão ecodesenvolvimento, Sachs sempre voltou seu olhar para os países mais pobres e buscou descobrir caminhos que levassem ao crescimento econômico pela via da justiça social.Atualmente é professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, mas costuma visitar sempre o Brasil, onde passou parte de sua juventude. Em seu apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo, cercado de arte barroca e popular latino-americana, ele falou a Desafios.

Desafios - Como o senhor avalia o desenvolvimento brasileiro na última década?
Sachs -
Eu diria que, em vez de falar da década, devemos falar dos últimos 25 anos. O crescimento tem sido pífio e obviamente aumentar o crescimento é um desafio fundamental.Mas não se pode perder de vista que o problema não está unicamente no ritmo do crescimento, mas também nos conteúdos e nos impactos, tanto sociais como ambientais. O Brasil, como muitos outros países, ressente-se do grave déficit de oportunidades de trabalho decente. Trabalho decente no sentido considerado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), ou seja, incluindo não só critérios quantitativos como também os qualitativos no que diz respeito à remuneração e às condições de trabalho.Eu acho que esse é um ponto absolutamente central: como expandir oportunidades de trabalho decente e ao mesmo tempo tentar contribuir para a solução do segundo grande problema que a humanidade enfrenta,que é o das mudanças climáticas. São esses dois megaproblemas que vão marcar o século.

Desafios - As políticas brasileiras têm tido sucesso na redução da desigualdade mais por meio da distribuição de renda do que pela geração de empregos. Como o senhor vê esse processo?
Sachs -
Sem desmerecer o papel que teve o Bolsa Família e os programas que o antecederam, o que está sendo discutido atualmente é o problema das saídas do Bolsa Família. O que se fez foi uma modificação na margem de distribuição da renda por meio de programas de redistribuição de parte do Produto Interno Bruto.Essa é uma forma de subsidiar o consumo dos mais pobres, mas requer que seja repetida ano após ano. A solução definitiva só virá com a geração de oportunidades de trabalho.

Desafios - E como seria feita essa geração?
Sachs -
Eu acho que seria muito interessante examinar no Brasil a experiência que está tentando a Índia hoje com o que chamam de esquema de garantia de empregos. Esse esquema se baseia numa experiência realizada no estado de Maharasira.A proposta é que um membro de cada família pobre tenha direito a cem dias de trabalho remunerado por ano, a um salário mínimo. Essa mão-de-obra é aplicada em obras públicas de caráter local. É uma volta ao conceito da Frente de Trabalho, que, no Brasil, nunca foi uma frente de trabalho mesmo, e sim uma pseudofrente de trabalho. Mas essa experiência negativa do passado não deve descartar a possibilidade de um grande programa de obras públicas de caráter local, que não exigem muita verba e,portanto,podem ser financiadas por créditos públicos. A idéia é que o aumento da demanda por bens de consumo gerada por esse programa seja absorvida pela produção adicional de feijão, arroz, cachaça, havaianas, jeans etc.Temos de voltar ao bê-abá. E confiar que não haverá inflação enquanto houver condições de enxugar a demanda adicional com uma produção adicional de bens e salários.

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Desafios - Esse programa está funcionando na Índia?
Sachs -
A idéia de fazer disso um projeto nacional foi no ano passado, mas eles testaram esse esquema durante vários anos antes de tentar generalizálo. Primeiro o aplicaram em um número limitado de distritos e só agora pretendem expandi-lo para todo o país.Mas o que eu quero destacar é o conceito de, em vez de simplesmente distribuir dinheiro, gerar mais oportunidades de empregos locais.Eu gostaria de insistir nas enormes oportunidades de pequenas obras públicas de caráter local.Aliás, existem alguns casos aqui no Brasil, que podem ser intensificados e acelerados.Por exemplo, o programa da construção de 1 milhão de cisternas no semi-árido, tocado pela ASA (Associação do SemiÁrido), e também o programa H2O, que combina as cisternas com a construção de barragens subterrâneas para melhor aproveitamento das águas de chuva.Creio que existe também um enorme campo para uma área na qual o Brasil teve experiências isoladas,que é a de mutirão assistido para a construção de habitações populares.Nesse caso, ainda se acrescenta a vantagem de que o trabalho das famílias que vão morar se transforma em poupança não monetária, portanto muito disso ainda tem um benefício paralelo. Por essa razão acredito na possibilidade de avançar no campo do trabalho. Falo a esse respeito no meu livro mais recente, Desenvolvimento: Includente, Sustentável, Sustentado, especialmente no último capítulo.Lá eu discuto uma proposta elaborada pelo escritório brasileiro da OIT sobre a possibilidade de uma estratégia de emprego para o Brasil.

Desafios - O senhor já procurou o governo para propor esse tipo de iniciativa?
Sachs -
Sim.Conversas houve muitas, agora vamos ver o que vai acontecer.

Desafios - Quando foi? Na ocasião do lançamento do livro?
Sachs -
Aproximadamente, creio que há três anos,mas até agora nada se materializou. Um dos problemas é que o que eu acabo de dizer se choca com a visão extremamente estreita e monetarista da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas o que eu estou tentando dizer é que a criação de créditos em bancos públicos para esse tipo de obra não teria impacto sobre a média da inflação. Acontece que até hoje eu não entendi como, dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal, são estabelecidos os limites dos créditos públicos, qual a proporção do crédito em relação ao PIB e o que é considerado razoável. Aqui eu estou na realidade retomando um ponto absolutamente fundamental da teoria do crescimento do meu guru, mestre Kalecki, que foi um grande economista da segunda metade do século XX,mundialmente conhecido. Ele diz que se pode avançar na área de atividades intensivas de mão-de-obra até o limite em que exista a capacidade de produzir os bens de consumo que vão enxugar a demanda gerada por parte dos empregados. Assim, o financiamento não é um problema monetário, mas um problema da capacidade de produzir os bens para suprir a demanda adicional, e essa capacidade existe no Brasil.Portanto, acho que o Brasil não foi suficientemente longe na exploração desse caminho.

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Desafios - É uma visão bem pouco difundida e pouco aplicada atualmente, não?
Sachs -
Kalecki foi reconhecido como um dos maiores economistas do século e só não recebeu o Prêmio Nobel porque morreu. Ele publicou primeiro no México esse artigo a que me refiro. As obras completas de Kalecki foram publicadas em Oxford e, durante a Segunda Guerra, ele foi uma das grandes figuras do mundo econômico inglês. Foi um dos primeiros altos funcionários da Organização das Nações Unidas logo depois de sua criação, portanto não se justifica essa ignorância. Sobretudo porque não há nada de novo. Estou apenas retomando o que havia antes da contra-reforma neoliberal, que, essa sim, gerou muita frustração.

Desafios - A que o senhor está se referindo especif icamente?
Sachs -
Nós emergimos da Segunda Guerra Mundial com um amplo consenso ao redor de três objetivos. Primeiro: o pleno emprego era o objetivo oficial da atuação econômica, para que nunca mais houvesse crises como aquela que ocorreu em 1929. Em segundo lugar, ao lado do pleno emprego devia-se construir um Estado protetor, o Welfare State. E, por fim, havia a determinação de que, para não desperdiçar recursos, seria necessário planejar. Quando von Hayek, um dos papas do neoliberalismo, escreveu seu panfleto contra o planejamento, em 1944, o dissidente era ele, todos os outros estavam planejando, e nos dois lados da cortina de ferro imperavam os mesmos objetivos. As diferenças fundamentais eram sobre como conseguir, mas ninguém questionava que o pleno emprego seria alcançado por meio de um Estado protetor e que era necessário planejamento para chegar lá.

O ecossocioeconomista
Não é fácil colocar um rótulo em Ignacy Sachs, esse polonês de 79 anos, olhos azuis e pele clara que sempre parece um pouco esbaforido sob o sol tropical brasileiro. Sua formação é de economista, diploma obtido na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro, hoje conhecida como Cândido Mendes. Mas seus estudos extrapolam em muito o campo das ciências econômicas e saem passeando pela sociologia, história e ecologia. Talvez por isso alguns tenham cunhado o pomposo título de "ecossocioeconomista" para o professor que gosta de debruçar-se sobre os problemas e os desafios do desenvolvimento. De origem judaica, Sachs chegou ao Brasil em 1941, aos 14 anos, fugindo da guerra na Polônia. Aqui ficou até completar os estudos e só voltou para a terra natal treze anos depois. Foi lá que pôde vivenciar a tentativa de construção de uma sociedade socialista. Pouco tempo depois foi enviado à Índia, onde fez doutorado na Escola de Economia de Délhi.Também aproveitou para conhecer mais a fundo o pensamento de Gandhi, um de seus inspiradores. Voltou para a Polônia em 1960 e lecionou na Escola de Planejamento e Estatística, em Varsóvia, onde fundou um centro de pesquisa sobre os países em desenvolvimento. Mas foi só em 1968 que ele chegou à França, país do qual, mais tarde, adotaria a nacionalidade. Lá teve o tempo e os recursos necessários para aprofundar seus estudos e tornar-se professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.Trabalhou na organização da Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Estocolmo- 72, realizada na Suécia. Foi nessa época que cunhou o conceito de ecodesenvolvimento, que mais tarde passaria a ser mundialmente conhecido como desenvolvimento sustentável. O professor Sachs vive até hoje em Paris, mas costuma passar alguns meses do verão no Brasil, onde mantém um apartamento em São Paulo. Foi durante sua visita mais recente que ele concedeu esta entrevista a Desafios.

 

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Desafios - E o senhor acredita que esse caminho ainda é viável?
Sachs -
Claro! Os três princípios básicos que mencionei estavam na base da experiência chamada de socialista na Europa Oriental e estavam também na base do capitalismo reformado, que conheceu seus trinta anos gloriosos, de 1945 a 1975. Essa expressão "trinta anos gloriosos" não é minha, é de um economista francês que se chama Fourastier.Foi assim que ele denominou esse período conhecido como a idade do ouro do capitalismo. Mas as coisas mudaram com a degradação da situação do mundo soviético, sobretudo depois da invasão à República Checa em 1968, com o surto inflacionário que coincidiu em parte com a primeira grande crise energética.Foi então que surgiu, no Ocidente, uma contra-reforma neoliberal que trouxe governantes como Ronald Reagan e Margareth Thatcher e levou ao descrédito do keynesianismo1 e à instauração de teorias de cunho monetarista. Infelizmente ainda não nos livramos dessa herança,que considero maldita, da contra-reforma neoliberal. O que defendo não se trata de uma volta ao passado, mas simplesmente reatar com aquelas idéias e análises que admitem que o Estado financie obras públicas de alta intensidade em mão-deobra. E eu proponho que sejam obras públicas de maturação rápida,não projetos faraônicos que vão levar décadas, mas pequenos experimentos de irrigação, caminhos vicinais, construção de cisternas - por exemplo, tudo que permite a melhor gestão das águas de chuva.Somos muito ruins nisso.Quando chove,quanta água vai direto para o mar? Ou então vai para o piscinão, e depois do piscinão vai para o mar. O piscinão aqui não é considerado uma fonte de água, é só um depósito temporário. Não estou certo se hoje a questão do gerenciamento de águas de chuva é um problema fundamental, mas tenho certeza de que a construção de habitações populares é um problema monstruosamente grande, portanto acho que há espaço para avançarmos.

Desafios - O senhor acredita que a economia mundial caminha para retomar esses princípios anteriores ao que o senhor chama de contrareforma neoliberal?
Sachs -
Bem, se olharmos para o desempenho dos países da Ásia, veremos que eles deixaram de lado um pouco a cartilha neoliberal e estão muito melhor do que a América Latina,que adotou o perfil do Consenso de Washington2. Não sei se podemos considerar que haja um movimento global,mas dá para dizer que minhas propostas têm espaço numa mesa de discussão.

Desafios - Falando um pouco sobre sustentabilidade, que é uma de suas áreas de interesse, como o senhor analisa o momento atual em termos de desenvolvimento sustentável?
Sachs -
Obviamente o debate sobre desenvolvimento tem de se basear em critérios éticos e sociais.As condicionalidades ecológicas, que começamos a entender melhor desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, passando pela Conferência do Rio, a Cúpula da Terra, de 1992, estão nos ameaçando com mudanças climáticas, muitas vezes irreversíveis. Portanto, esse problema de sustentabilidade existe e é concreto,mas não adianta discutir os objetivos sociais e a sustentabilidade ecológica sem pensar no terceiro pé do tripé, que é a viabilidade econômica. Para que essas duas coisas aconteçam,é preciso que elas sejam economicamente viáveis. A extrapolação do modelo atual de economia mundial leva, obviamente, à impossibilidade, e isso eu acho que todo mundo tem consciência. Todos sabem que o planeta não comporta que os chineses tenham o mesmo número de carros dos norteamericanos. Daí o problema da discussão sobre como limitar o consumo e também o desperdício de recursos nos países ricos e ao, mesmo tempo, como aumentar o consumo desses mesmos recursos nos países pobres.

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Desafios - O senhor vê uma solução consensual para esse dilema?
Sachs -
Infelizmente,o debate de uma estratégia global choca-se com interesses políticos e individuais. Eu não creio que nós possamos ter uma solução global negociada, embora essa fosse a conclusão mais lógica.Autolimitar o consumo dos ricos é um desafio, que já foi colocado ao mundo por Gandhi há muito tempo. Esse é um problema ético complicado, ao mesmo tempo em que nos perguntamos o que fazer para diminuir as desigualdades que já nos pareciam abissais há cinqüenta anos e que só vêm se agravando.Há pouco saiu um estudo elaborado pela Universidade das Nações Unidas mostrando que 2% dos adultos mais ricos possuem a metade de toda a riqueza das famílias do mundo. Isso prova que estamos caminhando no sentido oposto ao que queremos. E uma das dificuldades para melhorarmos esse quadro é a forma como avaliamos o desempenho dos países.

Desafios - Como?
Sachs -
O debate fica centrado apenas no crescimento do PIB.Temos de considerar outras variáveis, como a geração de empregos, o nível de sustentabilidade do desenvolvimento e outros. Isso seria especialmente importante para o Brasil.Estamos vivendo o começo do fim da era do petróleo, que será substituído por bioenergia e, nesse campo, o Brasil tem enormes vantagens comparativas, além de uma excelente pesquisa agronômica e biológica. A janela está se abrindo, mas o Brasil precisa ser rápido e tomar cuidado com os concorrentes.O Brasil já teve a experiência do Proálcool, que provocou, entre outras coisas, o aumento da produtividade de etanol por hectare. Podemos reproduzir a experiência sem os efeitos sociais maléficos que ela provocou.

Desafios - O que fazer para evitá-los?
Sachs -
Primeiro tem de acabar com essa falsa dicotomia entre agricultura familiar e agronegócio. O biocombustível é um grande negócio e também abrirá oportunidades para os pequenos agricultores.Mas, para que aconteça, é necessário a criação de uma agência de regulação que estabeleça critérios claros sobre como funcionará o setor; e o preço mínimo tem de ser apenas um dos critérios. É preciso humanizar o contrato do pequeno com o grande.A humanidade não pode se furtar ao debate sobre o meio rural.

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Desafios - E como o senhor vê essa discussão de que não haverá terra suf iciente para a produção de alimentos e energia?
Sachs -
Isso não é verdade. É perfeitamente possível fazer uma integração entre biocombustível e alimentos. Por exemplo, o que sobrar depois da produção de biocombustível, as tortas de biomassa, pode servir de alimento para o gado. Dessa forma, o gado pode ser criado cercado e vai consumir menos pasto, liberando área para a agricultura. O gado confinado também permite melhor aproveitamento do esterco, que serve de adubo natural. Cada bioma tem de ser tratado como um sistema integrado energia/alimento. Vamos sair da era do petróleo para entrar na era da biocivilização.

Desafios - O senhor realmente acredita que suas idéias podem ser colocadas em prática?
Sachs -
Sou um pesquisador, não sou político nem governante. Eu estudo e busco as soluções para os problemas que vejo. Portanto, não serei eu a colocá- las em prática. Sou apenas um agitador das idéias.

1 Keynesianismo: teoria defendida pelo economista inglês John Maynard Keynes, segundo a qual, em momentos de crise, o Estado deve agir como investidor promovendo a construção de obras públicas que gerem emprego e reaqueçam a economia.
2 Consenso de Washington: nome dado pelo economista inglês John Willianson a um encontro ocorrido em 1989 entre funcionários do governo dos Estados Unidos, dos organismos internacionais e economistas latino-americanos, em Washington. Nesse encontro, estabeleceram-se diretrizes visando à recuperação econômica dos países latino- americanos. Essas determinações previam redução do papel do Estado, com privatização das estatais, flexibilização das leis trabalhistas, redução da carga tributária e abertura comercial, entre outras medidas.

 
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