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Celso Furtado: - Não se faz política sem ideologia

2004. Ano 1 . Edição 3 - 1/10/2004

O Brasil precisa desenvolver políticas próprias para a globalização, sob pena de continuar a ser o campeão mundial da concentração de renda

por Ottoni Fernandes Jr., do Rio de Janeiro

celsofurtado

Nascido em Pombal, no sertão paraibano, Celso Furtado ganhou reconhecimento internacional. No ano passado, um grupo liderado por Carlos Lessa, presidente do BNDES, propôs seu nome ao Prêmio Nobel de Economia. Ele não ganhou, mas mereceu uma homenagem na Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A placa que recebeu está no apartamento em Copacabana onde concedeu essa entrevista a Desafios do Desenvolvimento. As fotos foram feitas na Academia Brasileira de Letras, a que o economista pertence desde 1997. Aos 84 anos, Celso Furtado segue observando a economia sob o prisma social. Reconhece a necessidade do ajuste fiscal para a conquista da confiança dos investidores, mas não esconde certa mágoa com essa linha de ação.

Desafios - O senhor concorda com o rumo que o governo está dando à política econômica?
Furtado - Eu penso que Lula está no caminho certo. Ele assumiu o governo numa situação difícil. Faziam terrorismo afirmando que a economia seria destroçada. As circunstâncias determinaram a necessidade de um ajuste fiscal rigoroso, pois era preciso conquistar apoio dos investidores e firmar uma espécie de entendimento tácito com a comunidade financeira internacional. Se o Brasil não tivesse feito este recuo, deixaria de ser um interlocutor aceito pela comunidade internacional e enfrentaria dificuldades.

Desafios - O Brasil teria outro caminho?
Furtado - A resposta tem de ser ambígua. Havia sim um outro caminho, mas de alto risco, pois o Brasil não estava preparado para uma confrontação internacional. A Argentina tinha mais recursos e veja a reação que provocou ao partir para o confronto com a comunidade financeira internacional. O caminho escolhido depende do momento e da circunstância. Se o presidente tivesse escolhido uma outra linha econômica, teria de ter optado por uma equipe totalmente diferente, disposta a levar adiante uma luta muito incerta. Poderíamos voltar a uma situação semelhante à de 1964, com confronto e ruptura.

Desafios - Por quê?
Furtado - Porque, na realidade, o Brasil não está preparado para um confronto deste tipo. O presidente teve de buscar apoio do centro e dos grandes empresários.

Desafios - O senhor esteve duas vezes no governo e sabe como é difícil conciliar o conjuntural com a necessidade de mudanças estruturais.
Furtado - De fato, mas é preciso lembrar que o Brasil é um país muito especial, com enorme potencial.

Desafios - O senhor veio de uma escola que privilegiava o planejamento. Planejar a longo prazo é necessário para garantir a sustentabilidade do crescimento e a inclusão social?
Furtado - Para a inclusão social, sim. É necessário uma política no estilo da Cepal, que permitiu um forte crescimento industrial nos anos 50. Mas não sei se existe lugar para algo semelhante no Brasil atual. Seria necessário que os empresários apoiassem as políticas públicas que resultassem em novas formas de governar. Isto é o mais difícil

Desafios - Que mudanças são necessárias para garantir um crescimento sustentável?
Furtado - Para governar um país é preciso dispor de certos instrumentos. O mais importante no Brasil, como o passado demonstrou, é o controle do câmbio, a disciplina cambial. Fala-se hoje em marchar no sentido da privatização do Banco Central e isso seria renunciar ao controle da política monetária. Isso deixaria o governo de tal maneira atado que o desenvolvimento só seria possível no esquema atual, em que se paga um preço enorme em termos de concentração de renda. Se o Brasil renunciar à política cambial, como está caminhando para fazer, precisará contar com a boa vontade externa. E se houver qualquer conflito financeiro internacional ficará sem margem de manobra.

Desafios - O Ministro da Fazenda voltou a colocar a necessidade de um Banco Central independente. Qual a sua posição?
Furtado - Sou totalmente contrário. Na maior parte dos países não é assim que funciona. Com um Banco Central independente o Brasil estaria à mercê dos acontecimentos.

Desafios - A política industrial que o governo anunciou em março, com alguns incentivos, pode garantir o aumento da produção e a diminuição da concentração de renda?
Furtado - Não. Essa política interessa aos empresários, mas é preciso que eles assumam, junto com outras forças, um compromisso com a mudança social.

Desafios - O Brasil deu um grande salto nas exportações. O senhor pensa que esse avanço, somado à recuperação do mercado interno, pode contribuir para aumentar o salário real?
Furtado - É evidente que era preciso voltar a aumentar as exportações. O que vem ocorrendo é importante, mas não é suficiente. É essencial mudar o modelo de desenvolvimento, pois o Brasil é um país deformado, com um tipo de mimetismo. A classe média brasileira reproduz o comportamento de consumo dos Estados Unidos.

Desafios - Mas isso não é uma conseqüência da globalização, não é um fenômeno geral?
Furtado - Exato, mas é uma globalização do ponto de vista dos Estados Unidos. Para os europeus a globalização é outra coisa. A globalização não é mecânica, automática, existem n globalizações. O Brasil precisa desenvolver políticas próprias sob pena de continuar dando esse estranho espetáculo internacional, de ser o campeão da concentração de renda.

Desafios - O senhor viveu na França, acompanhou a mudança do Partido Socialista, viu esse agrupamento chegar à presidência. O senhor acredita que o PT está nesse caminho?
Furtado - Não conheço bem o PT, mas acho que ele tem duas faces: uma orientada por ideais socialistas e outra que defende os assalariados. Espero que o PT não repita o que aconteceu com o Partido Socialista francês, que renunciou completamente a sua filosofia e se acomodou. Hoje em dia na França ninguém acredita mais em socialismo. Tem um grupo grande de esquerda que está completamente sem fé. Não se faz política sem ideologia.

Desafios - Quando veio o golpe de 1964 o senhor estava com 40 anos e foi para o exílio. Como foi essa experiência?
Furtado - Eu fiz uma opção. Poderia ter ficado no Brasil fazendo alguma pequena tarefa humilde, porque estava sendo vigiado. A ditadura chegou até a alertar universidades norte-americanas para não me contratarem. Queriam destruir tudo o que fosse semente de outra visão do Brasil. Fui para os Estados Unidos dar aulas na Universidade de Yale como professor convidado, mas no final de um ano não renovei o contrato e fui convidado pelos franceses. Tive a satisfação de ser nomeado pelo general De Gaulle como o primeiro professor estrangeiro da Sorbonne em Paris. Fui recebido muito bem, pois tinha feito meu doutorado por lá e o meu orientador ainda estava vivo. Fui recebido como um copain, como um amigo, um colega.

Desafios - Vários de seus livros são dessa época. Mesmo no exterior o senhor acompanhava o que ocorria no Brasil?
Furtado - Sempre. A primeira vez que eu voltei ao Brasil, em 1968, vim com garantia da Câmara dos Deputados para participar de um debate. Queriam que eu fizesse uma exposição sobre como sair do atoleiro daquela época, mas recomendaram que eu pegasse um vôo direto dos Estados Unidos para Brasília, pois poderia ser preso no Rio de Janeiro. Disse aos deputados que o convite havia sido um ato de coragem, mas decidi desembarcar no Rio de Janeiro, que é a minha cidade. Foi um momento dramático. Eu estava totalmente envolvido e foi então que escrevi Um projeto para o Brasil. Depois fiquei com a impressão de que a ditadura iria durar e seria importante estudar o Brasil no quadro internacional.

Desafios - Do ponto de vista econômico, qual foi o maior erro do governo João Goulart?
Furtado - O governo Goulart não tinha política econômica, mas do ponto de vista do Nordeste fez muito coisa, através da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Desafios - O senhor entende que a Sudene ainda tem sentido hoje?
Furtado - O Nordeste é uma região com um grande atraso acumulado e precisa de apoio, mesmo que seja através de subsídios. O Produto Interno Bruto (PIB) regional em relação ao do Brasil vinha declinando, no início da industrialização brasileira. Logo no início, a Sudene formou muita gente, agrônomos, geólogos, para promover o desenvolvimento regional. Por outro lado, conseguiu atrair empresários, graças aos incentivos que oferecia. Atualmente serão necessários outros meios. Não se pode reproduzir um modelo do passado.

Desafios - O projeto de transposição do rio São Francisco faz sentido?
Furtado - Esse é um projeto muito importante. A idéia é extraordinária. É preciso interligar a bacia do São Francisco com o Amazonas. O Nordeste está condenado à seca em 15 anos, mesmo com toda a açudagem. Já há um certo consenso em torno da idéia. Mas é essencial calcular o custo e definir a distribuição do ônus fiscal.

Desafios - Como foi a sua experiência como ministro da Cultura no governo de José Sarney?
Furtado - Para mim foi agradável, mas o ministério não era muito valorizado. O problema é que o mundo intelectual é muito desunido e é difícil alcançar um consenso. Fico muito orgulhoso de ter lançado as bases de uma política de incentivo à cultura.

Desafios - O processo democrático no Brasil está totalmente consolidado?
Furtado - Nada na História é consolidado, definitivamente. Ninguém pode imaginar o que pode acontecer amanhã. Mas hoje há muito mais percepção do perigo do processo social. Muita gente crítica o governo, fala em retrocesso, mas ninguém quer voltar ao passado.

Desafios - E quanto à inflação, o senhor acha que há possibilidade de uma volta ao passado, ao cenário de descontrole?
Furtado - Não creio. A todo instante existe uma ameaça de alta da inflação. No passado, ela foi um instrumento fundamental para o desenvolvimento econômico, para tirar o Brasil da estagnação, permitindo a industrialização. Mas atualmente não é possível usar a inflação da mesma forma. Enquanto a taxa anual estiver entre 5% e 10% é operacional.

 
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