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Série Ipea/História - A liberdade do pensamento

2011 . Ano 8 . Edição 64 - 10/02/2011

Por Gilberto Costa - de Brasília

Na passagem dos 46 anos, Ipea relembra fundação e os momentos em que era a "caixa de ressonância crítica" em plena ditadura militar


A ditadura militar no Brasil é particularizada por algumas contradições que distingue o regime iniciado em 1° de abril de 1964, e terminado em 15 de março de 1985, de outros Estados de exceção no continente sul-americano e na história política da humanidade. Duas dessas contradições marcam o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), criado como Epea (Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada), cinco meses depois do golpe, por Roberto Campos e João Paulo dos Reis Velloso.

O regime que derrubou um presidente da República legítimo (João Goulart - Jango, vice de Jânio Quadros que renunciou em agosto de 1961) deu continuidade à elaboração do planejamento governamental conforme já faziam há mais de uma década os governos constitucionais e democraticamente eleitos como Dutra (Plano Salte, 1948); Vargas (Plano Lafer, 1951; Plano do Carvão Nacional, 1953); JK (Programa de Metas, 1956) e Jango (Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, 1962).

Além disso, em ambiente de perseguição política e ideológica (cassações e exílios políticos), de censura à imprensa e às artes (música, teatro e cinema) e de mordaça intelectual (aposentadoria compulsória de professores universitários), o Ipea brota e floresce como uma espécie de consciência crítica a apontar, inclusive, os erros e riscos do projeto econômico que os militares implantavam.

O Ipea foi a primeira instituição, por exemplo, a discutir no regime militar, em pleno milagre econômico, o processo de concentração de renda. O estudo "Brazilian size distribution of income" publicado em maio de 1972 na American Economic Review) é do economista norte-americano Albert Fishlow, que foi consultor do instituto em 1967 e 1968.

Fishlow conta no livro "Ipea 40 anos: uma trajetória voltada para o desenvolvimento" que teve acesso no instituto aos dados não publicados do Censo Demográfico de 1960 e anos mais tarde conseguiu por intermédio de Reis Velloso, ex-presidente do instituto e naquele momento ministro do Planejamento, as informações comparativas do Censo de 1970. "Foi aí que eu constatei em primeira mão, como tinha piorado a distribuição de renda entre 1960 e 70", rememora no livro de memórias do Ipea produzido pela Fundação Getúlio Vargas.

A história de Fishlow é ilustrativa da liberdade crítica que se desfrutava dentro do instituto em plena ditadura e também do espírito de Reis Velloso, que não impediu a realização de um estudo que poderia trazer algum revés político ao regime que jactava-se de estar modernizando a economia e levando o Brasil "pra frente" com um crescimento inédito.

"O Reis Velloso tinha umas coisas interessantes. A gente podia estudar onde quisesse, éramos incentivados a estudar. Ele só não queria panelas, que todo mundo fosse estudar no mesmo lugar, porque isso retirava criatividade", conta o sociólogo Ronaldo Coutinho Garcia, técnico em planejamento e pesquisa do Ipea, atualmente secretário de Articulação Institucional e Parcerias do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS).

MARXISTA-GEISELISTA Coutinho Garcia foi o primeiro pós-graduado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tida como centro de esquerda marxista, a entrar no Ipea. "Isso nunca foi um óbice. Dizem que eu fui vetado pelo SNI [Serviço Nacional de Informações] na época, eu nunca fui atrás para saber. Ele [Reis Velloso] não me conhecia, eu e vários outros, alguns tinham até sido presos políticos", lembra.

Durante a ditadura, o SNI manteve em todos os órgãos estatais, inclusive no Ipea, uma Divisão de Segurança e Informações (DSI). Reis Velloso conta na entrevista ao livro sobre os 40 anos do instituto que escolhia para o cargo "um general que fosse inteligente e entendesse o nosso projeto" e assim protegeu algumas pessoas de perseguição política no instituto.

Um episódio que demonstra esse espírito é a história de um ex-funcionário do Ipea que se apresentou a ele para pedir uma dedicatória do livro "O último trem para Paris", que o ex-ministro lançava em Brasília em 1986, identificou-se como "marxista-geiselista".

Conforme a história, relembrada por Reis Velloso no recente seminário que marcou a passagem dos 46 anos do Ipea, o ex-funcionário reconhece que ao ser denunciado como "de esquerda" ao então ministro do Planejamento, Velloso pergunta: "é competente ou não? Se é, deixem o rapaz".

MANUAL DE GUERRILHA Apesar da tolerância e do ambiente de relativa liberdade, Líscio Fábio Brasil de Camargo, ex-presidente do Ipea (1992/93) e atualmente subsecretário de Assuntos Corporativos do Tesouro Nacional, lembra que uma funcionária foi demitida porque em plena ditadura tentou copiar o "Manual de Guerrilha" de Carlos Mariguella em uma máquina do instituto.

"Aí o cara da reprografia mandou aquilo pra cima aí começou o ?bafafá?", conta rindo para atestar: "tinha um coronel lá [na SDI] que não era nenhum interventor, que trabalhava mais na parte administrativa e não incomodava ninguém. A gente tinha liberdade, mas não podia extrapolar muito. Não houve grandes problemas de censura que eu me lembre. Nunca senti no Ipea nenhuma forma de repressão ao trabalho, tínhamos liberdade, com responsabilidade", conta Camargo.

Coutinho Garcia recorda-se de outras três pessoas demitidas "por razões políticas": José Walter Bautista Vidal, Paulo Tim e Marco Antônio Campos Martins. "Eles assumiram publicamente posições contrárias as do governo", rememora.

Vidal, um dos criadores do pró-álcool, escreveu e deu entrevista revelando sua divergências quanto ao andamento do programa. Tim foi visto em um congresso de fundação do que viria a ser o atual PDT (Partido Democrático Trabalhista) em Lisboa, com Leonel Brizola - demonizado pela ditadura. E quanto a Marco Antônio Martins Campos (Campos Martins), que tinha formação na Universidade de Chicago, era um Chicago Boy, foi demitido porque escreveu e publicou crítica contra a política econômica comandada por Delfim Netto, lembra Coutinho Garcia.

BANDO DE COMUNISTAS Apesar das demissões, Antônio Emílio Sendim Marques, ex-presidente do Cendec (Centro de Treinamento para Desenvolvimento Econômico e Social) atesta que os técnicos do Ipea "eram livres para escrever, e escreviam".

Marques avalia que "o Ipea, antes da redemocratização, era o único órgão que podia criticar. Tanto assim que o Golbery [do Couto e Silva, ex-ministro da Casa Civil, um dos principais articuladores políticos da ditadura militar] dizia que aquilo lá é um bando de comunistas", recorda-se ao contar que foi nomeado para integrar o instituto em 1974 por Mário Henrique Simonsen sem ter o nome previamente analisado pelo SNI. "Mas não era comunista. É que cada uma falava o que queria", defende.

Para Marques, o instituto "era a consciência crítica" do governo militar. "Aquele negócio que quando você entra em um momento de sobriedade e se pergunta ´o que é que eu fiz?"", compara.

Opinião semelhante tem o atual chefe do gabinete da Presidência do Ipea, Pérsio Marco Antônio Davison. Na casa também desde 1974, ele avalia que o instituto "funcionava como caixa de ressonância crítica". O oásis tinha sua razão de ser: "as pessoas perguntam como é que era a liberdade no Ipea? A liberdade do Ipea durante o período militar era praticamente absoluta. Por que? Porque a gente trabalhava com ideias e não ações", salienta Davison.

"Os militares, na época, tinham diferenças do que se conhecia tradicionalmente nos regimes militares na América Latina", distingue o atual chefe de gabinete. "Não era simplesmente uma tomada de poder, eles tinham uma clara visão do que seriam as ações no contexto de possibilidades do Brasil. Eles tinham clara percepção do que lhes faltava dentro do regime: a habilidade da crítica. Eles não tinham crítica; tomavam decisões, mas como é a crítica dessas decisões? Portanto, não era interesse do regime militar cercear o pensamento. Pelo contrário, eles queriam um subsídio ao processo, um acompanhamento das ações governamentais".

Pérsio Davison assinala que o foco do trabalho do instituto era a questão econômica. "O Ipea fazia, àquela época, a cada seis meses em Brasília, um relatório volumoso de 600 a 700 páginas de acompanhamento da atuação governamental. De um lado, tinha um subsídio para as políticas. De outro, tinha a reação. O instituto voltava fazendo o acompanhamento e a reação dessas políticas, o que era uma forma de realimentar os subsídios. O Ipea não tinha nenhuma forma de restrição naquele contexto do período militar".

"Do debate nascem as coisas", confirma Líscio Camargo, que avalia que a visão crítica do instituto era "funcional para o governo, para o establishment. Porque no fundo, a gente era inofensivo. Era bom para o governo ter uma consciência ali". Segundo o ex-presidente do Ipea, apesar da ditadura militar, aquele era "um período muito rico".

Para Camargo, noções fundamentais para entender a realidade brasileira ainda hoje como os conceitos de "emprego informal" e "pobreza urbana" surgiram das discussões das questões salariais e de emprego feitas no antigo CNRH (Centro Nacional de Recursos Humanos). "Tínhamos uma formação interdisciplinar lá dentro. Tinha engenheiro, físico, químico que foram para a área social", ressalta.

Segundo Líscio, o debate acontecia até mesmo no corredor. "Na copa [do 16° andar, do Ed. BNDES em Brasília] tinha na porta um pedaço de madeira para você botar o braço, igual o de boteco. Juntava duas pessoas de um lado do corredor, duas do outro lado e começava a maior discussão lá. De vez em quando o sujeito saia dessa discussão, voltava para a a sala e ia escrever um estudo sobre o assunto", lembra rindo e compara "na administração direta você não discute, não tem tempo para isso".

Em sua opinião, a capacidade crítica do Ipea é fundamental. "Não tem que ser um órgão chapa branca e nem tem que ficar falando mal do governo pelos jornais. Tem que ser um órgão com capacidade de mostrar coisas que o governo não tem tempo de ver"

 
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