resep nasi kuning resep ayam bakar resep puding coklat resep nasi goreng resep kue nastar resep bolu kukus resep puding brownies resep brownies kukus resep kue lapis resep opor ayam bumbu sate kue bolu cara membuat bakso cara membuat es krim resep rendang resep pancake resep ayam goreng resep ikan bakar cara membuat risoles
Legislação - O calvário dos investimentos públicos - Governos reclamam de excesso de burocracia e controle na execução dos investimentos

2009 . Ano 7 . Edição 56 - 10/12/2009

 

Governos reclamam do excesso de burocracia e de formalismo, e do rigor dos órgãos ambientais e de controle na execução dos investimentos. Presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Ubiratan Aguiar, diz que grande parte do problema seria resolvida com a regulamentação da Constituição

Andrea Vieira e Gilson Luiz Euzébio - de Brasília

Na época do Império, D. Pedro II planejou fazer a transposição das águas do rio São Francisco para o semiárido nordestino, região castigada pela seca. Passado mais de um século e depois de muita polêmica e processos judiciais, o governo Luiz Inácio Lula da Silva finalmente iniciou a construção dos canais que vão levar água ao sertão do Nordeste brasileiro. Assim como o projeto de transposição, muitas obras têm atravessado governos sem serem iniciadas ou simplesmente ficaram pelo meio do caminho. Muitas delas são fundamentais para o desenvolvimento do País e para melhorar as condições de vida da população. Para serem iniciadas, elas percorrem um trajeto longo, mas necessário para cumprir os preceitos legais: são licenças ambientais e inúmeras exigências da legislação e normas do controle interno e externo para liberar um projeto. Depois de iniciadas, as obras correm o risco de serem suspensas por alguma suspeita de irregularidade ou de desrespeito à legislação ambiental. A realização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016 no Brasil torna mais urgente o enfrentamento da questão. Independentemente de quem esteja no poder, o País tem que investir muito, num período relativamente curto, para receber os grandes eventos internacionais.

Mas o aparato do próprio Estado torna moroso o processo de investimento. "... não é fácil governar um país, um estado e uma cidade com a poderosa máquina de fiscalização que nós temos e a pequena máquina de execução", desabafou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na solenidade de posse do novo advogado geral da União, Luís Inácio Adams, em 23 de outubro. "Muitas vezes, eu pergunto para a ministra Dilma (Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil): 'tal obra está pronta para inaugurar?'. Ela fala: Nem começou. Porque os entraves são demais e porque se parte do pressuposto de que todo mundo é desonesto até prova em contrário, quando o pressuposto deveria ser o de que todo mundo é honesto até prova em contrário", reclamou.

Não se trata de uma mera reclamação, mas de uma constatação feita também por governadores e prefeitos, ressalta Patrícia Audi, diretora de Assuntos Estratégicos da Subsecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. No 7º Congresso Internacional Brasil Competitivo, realizado em Brasília, em agosto, governadores de diferentes partidos queixaram-se da dificuldade de executar obras: Paulo Hartung (Espírito Santo), Jaques Wagner (Bahia), Marcelo Deda (Sergipe) e Eduardo Campos (Pernambuco) entre outros. Os governadores defenderam a reforma do Estado para que "as ações reflitam melhor os interesses da coletividade". Segundo Patrícia Audi, na elaboração da Agenda Nacional de Gestão Pública, foram ouvidos os 27 secretários de administração dos estados e do Distrito Federal e diversos prefeitos. Todos colocaram como prioridade a "melhor definição do papel dos órgãos de controle".

Depois de comparar os valores previstos para investimentos com a execução orçamentária, Mansueto de Almeida, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, concluiu que, em 2008, o governo investiu menos de 20% do valor autorizado. "No orçamento de 2008, a dotação autorizada para investimento foi de R$ 54,97 bilhões; sendo que o empenho liberado pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF) foi de R$ 53,4 bilhões. (...) o investimento realizado (pago) em 2008 foi de R$ 28,27 bilhões", informa o técnico. Esse valor inclui R$ 17,83 bilhões de restos a pagar, ou seja, valores da execução do ano anterior. O mesmo aconteceu em 2007: "A dotação autorizada para investimento do Orçamento Geral da União foi de R$ 49 bilhões. Desse total, ao longo de 2007, o empenho liberado pela SOF foi de R$ 47,56 bilhões. No entanto, no final do ano, o investimento público havia alcançado apenas R$ 15,8 bilhões; sendo que desse total apenas R$ 6,88 bilhões correspondiam ao valor autorizado pela Lei Orçamentária Anual de 2007. O restante (R$ 8,95 bilhões) era restos a pagar de anos anteriores. Assim, do volume de recursos autorizados pela LOA de 2007 para investimento, apenas 14% foram efetivamente pagos".

"Nesses dois anos, o governo não conseguiu gastar mais de 80% do que estava previsto", comenta Mansueto de Almeida. Conforme o próprio governo, ao contrário de períodos anteriores, desta vez não há falta de recursos. "Então o que atrapalha o investimento público no Brasil?" questiona o técnico do Ipea. Excesso de burocracia decorrentes da Lei 8.666, morosidade dos estudos de impactos ambientais, atraso na liberação de licenças ambientais, atuação do Ministério Público. São várias questões que travam o bom andamento das obras. "Os marcos legais precisam ser revisados. A questão não é flexibilizar e tornar menos rígidos os controles. É tornar os controles racionais, sem descuidar da legalidade", afirma Patrícia Audi. Relatório do próprio Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em setembro, dá a dimensão do problema: de 99 obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) fiscalizadas neste ano, 30 apresentaram indícios de irregularidades graves, na visão dos técnicos do tribunal, sendo que 13 receberam recomendação de paralisação e 17 podem ter parte dos recursos retida. Só seis obras passaram no pente fino. Ou seja, apenas 6% das obras atendiam a todas as exigências legais.

Atualização - O ministro Ubiratan Aguiar, presidente do TCU, argumenta que menos de 5% das obras tiveram recomendação de paralisação, um recurso extremo, só adotado, segundo ele, quando esgotadas todas as formas possíveis para evitar prejuízo aos cofres públicos. Mas ele reconhece que há problemas na legislação: "As leis, como as pessoas, têm que estar sempre atualizadas. E há certos casos em que há ausência da lei". Segundo ele, 70% dos investimentos do governo poderiam ser tratados num estatuto jurídico próprio para as empresas públicas e de economia mista, conforme previsto no artigo 173 da Constituição (Emenda Constitucional 19), mas a lei não foi feita. "Muitos dos problemas que envolvem as economias mistas, as empresas públicas, que possam lhes retirar a competitividade, decorrem da ausência do cumprimento do que a Constituição, no artigo 173, prevê. É um estatuto jurídico para as estatais, seja empresa pública, de economia mista e suas subsidiárias que exerçam atividade econômica. Trocando isso em miúdos, significa dizer que o governo poderia ter um regime de licitações próprio para aeroportos, portos, para todo sistema da Petrobras. Enfim, tudo que estivesse coberto na área da economia mista e empresas públicas", afirmou Ubiratan Aguiar à Desafios do Desenvolvimento.


A atualização da legislação, entretanto, não pode desconsiderar o controle. "Na nossa visão, é nosso dever nos unir no combate à corrupção", afirma o presidente do TCU, defendendo o esforço conjunto do Executivo, Legislativo e Judiciário para assegurar a boa aplicação do dinheiro público. Ele critica os pontos da proposta da Lei Orgânica da Administração Pública que dificultam a ação do controle. O projeto, defendido pelo Ministério do Planejamento, foi preparado por um grupo de juristas. "O presidente da República e os ministros têm que ter a preocupação que as coisas estejam sendo acompanhadas, observado o emprego do dinheiro, que esteja trazendo economia para o Estado", comenta Ubiratan Aguiar. A proposta sofre a oposição também da Controladoria Geral da União (CGU), órgão ligado à Presidência da República. O presidente do TCU conversou com o presidente Lula e com os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, e todos reconheceram a importância do controle.

Diversidade - Mas não é só o TCU que, seguindo a legislação, pode atrasar uma obra. Há ainda a legislação ambiental, indígena e do patrimônio histórico que respalda a ação de diversos órgãos, inclusive dos ministérios públicos. Todos esses assuntos interferem na execução dos projetos de investimentos públicos. Agem com boas intenções, reconhece o presidente Lula, mas algumas vezes tomam decisões com base em suposições equivocadas. "Mais recentemente, eu fui a uma obra que foi parada porque alguém ? não vou dizer também quem - imaginou que uma pedra que tinha lá, meio arredondada, era um machadinho indígena. Essa obra paralisou nove meses. Nove meses! Depois de nove meses, constatou-se que era uma pedra comum, e permitiu- se que a obra recomeçasse", contou Lula. "Com que direito alguém para uma obra por nove meses? Qual é o custo para a União? Qual é o custo para o País? Qual é o custo para o povo brasileiro? Quantos milhões nós deixamos de ganhar com aquela obra paralisada?", ponderou.

A paralisação de obras tem custo para o País, advertiu a ministra Dilma Rousseff na divulgação do 8º Balanço do PAC, em outubro. O assunto já estava na agenda de estudos do Ipea. "Vários aspectos dessa questão serão tratados no trabalho Estado, Instituições e Democracia em fase de produção", informa José Celso Cardoso Júnior, diretor de Estudos do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea. O estudo em andamento integra o plano estratégico do Ipea, que definiu sete grandes eixos de pesquisa para subsidiar o debate sobre desenvolvimento - inserção internacional soberana; macroeconomia para o pleno emprego; fortalecimento do estado, das instituições e da democracia; estrutura produtivo- tecnológica avançada e regionalmente articulada; infraestrutura e logística de base; proteção social e geração de oportunidade; e sustentabilidade ambiental.

Para o diretor geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antônio Pagot, os entraves estão no próprio Estado: "Os problemas relacionados aos investimentos estão intrinsecamente ligados à burocracia nacional. Essa burocracia nacional está respaldada num emaranhado de leis, decretos, portarias, avisos ministeriais, instruções normativas, que dificultam extraordinariamente a execução das obras no Brasil". Acrescenta ainda que "se nós quisermos dar velocidade na implantação de qualquer programa governamental de investimentos, com certeza temos que mudar leis. Temos que fazer o enfrentamento da mudança de leis".

Para Mansueto de Almeida, a avaliação do plano plurianual, feita pelos gestores dos programas, evidencia um descompasso entre os órgãos de controle e os de execução. Nas últimas décadas, o próprio governo criou carreiras, aumentou salários e contratou pessoal para as áreas de controle. Já as áreas de execução continuaram desestruturadas. Isso fica claro nas respostas dos gestores, no balanço anual de avaliação do plano plurianual (PPA), à questão sobre o que mais atrapalhou a execução orçamentária no ano: problemas administrativos aparecem em primeiro lugar, seguidos por orçamentários, financeiros e gerenciais. "Questões administrativas são de longe um dos principais problemas para a execução do investimento", conclui o estudo. "Há espaço para melhorar a execução do investimento público por meio da estruturação da gestão do governo, que envolva tanto o treinamento de funcionários públicos, a contratação de novos funcionários quando necessário e melhor coordenação e controle entre órgãos do governo", afirma.

"Há necessidade de investimento forte na área de gestão", concorda o ministro Ubiratan Aguiar. Ao participar, em dezembro, do programa 3 a 1 da TV Brasil, ele disse que propôs ao presidente Lula a criação de cursos nas universidades para preparar melhor os gestores públicos. O TCU, segundo ele, chegou a promover cursos para os gestores municipais, mas houve uma "enorme evasão", porque as pessoas não conseguiam acompanhar o conteúdo.

Orçamento - Para o técnico do Ipea, é estranho que os gestores tenham apontado problemas orçamentários e financeiros na execução dos investimentos, já que não há falta de dinheiro para investir. A questão, diz, pode ser resolvida com um melhor planejamento. Ele ressalta, entretanto, que o problema atinge os programas de menor porte. Ao avaliar isoladamente os grandes programas, problemas de licitação e de auditoria ganham maior relevância. Já as questões ambientais foram pouco citadas pelos gestores. Pode ser, segundo Almeida, que problemas de licenciamento ambiental tenham maior peso numa etapa anterior ao início das obras. Por isso, os gestores não os colocam entre os principais entraves.

Os problemas começam na forma de atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), afirma Carlos Eduardo Lima Jorge, secretário-executivo da Comissão de Obras Públicas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC): "Ao verificar indícios de irregularidades, seja em licitações ou em contratos em execução, o TCU, em vez de recomendar ao Legislativo que tais indícios sejam apurados, praticamente determina a paralisação das obras ou licitações, suspendendo o envio de recursos e divulgando listas de irregularidades através da mídia". Ubiratan Aguiar contesta: somente em último caso o TCU recomenda a paralisação de obras. O foco do tribunal é o controle preventivo, até porque é mais difícil "correr atrás do prejuízo". No caso dos aeroportos de Macapá, Vitória e Goiânia, segundo ele, os contratos foram rescindidos porque foram feitos sem projeto. "Não nos interessa obra paralisada", afirmou.

Gestão - Os órgãos de controle seguem a gestão: se o governo opta por um contrato detalhista e formalista, como o previsto na Lei 8.666, a Lei de Licitações, terá que cumprir todas as formalidades. Mas a lei foi pensada para grandes obras, que representam 1% dos investimentos públicos, diz Patrícia Audi, diretora de Assuntos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. "Por causa de 1%, ela engessa todos os investimentos", afirma. "Não dá para tratar um hospital universitário com o mesmo tratamento que se dá à Petrobras. Hoje estamos dando tratamento idêntico para todos", afirma Francisco Gaetani, secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamento.

Patrícia Audi conta que há pouco mais de dois anos viajou de férias para o litoral de Alagoas e se deparou com uma situação inusitada: uma quadra de tênis numa comunidade pobre onde as crianças não tinham nem como comprar um chinelo de dedo. A quadra ficava fechada para uso exclusivo do filho do prefeito. Mas a prestação de contas está toda regular. "Que tipo de controle é esse?", questiona. "Hoje existe um caráter extremamente legalista e formal", afirma. Esse tipo de falha ocorre porque o modelo atual, segundo ela, prende-se mais ao formalismo do que a olhar resultados. "Ninguém se preocupa com o custo de oportunidade", concorda Gaetani, acrescentando que outro problema é a cultura da judicialização, do enfrentamento. Recursos administrativos e judiciais, denúncias ao Ministério Público e ao TCU tornaram-se comuns nas disputas por contratos com o poder público.

Inexperiência - Mas Gaetani acredita que as dificuldades surgidas agora refletem, de certa forma, a falta de experiência do Brasil de conciliar investimento com democracia. "Nós estamos pela primeira vez desenvolvendo um programa de investimento num processo democrático", lembra. Os grandes ciclos de investimento no País ocorreram fora do Estado ou em períodos de ditadura. O período anterior de desenvolvimento foi na ditadura Vargas. Na década de 1970, os militares usaram as empresas estatais para investir. Com isso, a administração pública não formou quadros voltados para projetos de investimento. Segundo Gaetani, os ministérios ficaram "desaparelhados, sem massa crítica".

Para Julieta Alida Garcia Verleun, chefe de gabinete da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF), a solução para os conflitos passa pela valorização da burocracia estatal. No planejamento estratégico do governo, segundo ela, destaca-se a questão da melhoria da qualidade do gasto, da aplicação dos recursos públicos, e quem pode fazer essa mudança são os servidores de carreira. O objetivo é melhorar a gestão em busca de resultados, explica Marisa Durães, coordenadora da SPE. "Hoje temos discussões do orçamento para resultado, planejamento voltado para resultado, avaliação de resultados", diz. Sem melhorar "a organização da máquina pública", de nada adianta alterar a Lei de Licitações, concorda Mansueto de Almeida, lembrando que carreiras importantes para os investimentos, como a de engenheiros, foram esquecidas no serviço público.

Mas o processo de investimento hoje é bem mais complexo: a democratização do País trouxe também muitas inovações, como as questões ambientais e indígenas, lembra Gaetani. Para ele, todos - governo e órgãos de fiscalização e controle - estão num processo de aprendizado, o de fazer investimentos num regime democrático que incorporou nas políticas públicas a proteção ao meio ambiente e aos índios. Além disso, a legislação "é antiga, de outro tempo", acrescenta Gaetani. O processo de investimento, hoje, é muito mais complexo. "O planejamento hoje tem que ser mais horizontal e levar em consideração todo o leque de atores", explica Cardoso Júnior. Os projetos têm que levar em conta também os impactos futuros. Nas fases anteriores de grandes investimentos públicos, como na década de 1970, lembra o diretor do Ipea, não havia ainda preocupação em avaliar possíveis consequências da obra ao longo do tempo nem as exigências ambientais e sociais existentes hoje.

Diálogo - Para evitar problemas, o Dnit mantém um constante diálogo com a Controladoria Geral da União (CGU) e com o TCU. "Temos recebido nos últimos meses uma colaboração extraordinária tanto da CGU quanto do TCU no sentido de resolvermos os problemas que as obras têm", afirma Pagot. "Não temos o que reclamar do controle", comenta o diretor do Dnit. Mas, segundo ele, o TCU também vem aprimorando sua metodologia: "O TCU, a partir de 2010, vai centralizar em Brasília a metodologia de fiscalização. Isso vai fazer com que as secretarias de controle externo nos estados tenham que obedecer a parâmetros determinados pelo órgão central". Hoje, segundo Pagot, falta padronização de procedimentos dos auditores.

A questão mais complicada, na avaliação do diretor do Dnit, está na área de meio ambiente. "Não é possível, por exemplo, que ao fazer obras na faixa de domínio da rodovia, que é uma faixa consagrada ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, regulamentada inclusive no Plano Nacional de Viação, tenha que ficar solicitando licenças que, às vezes, demoram 24 meses para sair", reclama Pagot. São as chamadas licenças socioambientais, que envolvem os institutos de Meio Ambiente (Ibama), Chico Mendes e do Patrimônio Histórico Nacional e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Há, segundo ele, um emaranhado de normas, resoluções, decretos e portarias que dificultam os processos de investimento. "O próprio Estado se prejudica", comenta. Baseado na grande quantidade de textos legais, os órgãos de fiscalização e controle submetem todas as obras a demorados processos burocráticos. A principal crítica de Pagot é em relação a obras às margens das rodovias, na chamada faixa de domínio do Dnit: não se trata de novas estradas, mas de obras em áreas previamente reservadas nas estradas. "São obras de adequação rodoviária, de multivias, viadutos, passagens subterrâneas, numa região que é totalmente antropisada", comenta. A finalidade dessas áreas é para ampliação de rodovias. Elas servem também para passar redes de telecomunicações, de água e esgoto e gasoduto da Petrobras. Mas a fiscalização trata as obras nessas faixas como se fosse a implantação de uma nova rodovia. "Hoje 95% das obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária estão sendo realizadas nas faixas de domínio das rodovias", diz.

Há muitas normas e ao mesmo tempo faltam parâmetros para a ação dos fiscais ambientais. "Os licenciadores fazem o que querem na hora que querem", denuncia. Segundo ele, na falta de regras claras, cada fiscal estabelece seus próprios parâmetros. "Isso cria uma confusão muito grande", afirma. O ideal, para ele, é ter normas claras e objetivas como nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos e Canadá, por exemplo, o licenciamento de uma obra é feito, segundo ele, em 60 dias. "Os processos de licença praticamente são sumários", diz. Os executores da obra assinam termos de compromisso e ficam sujeitos à fiscalização. Se houver descumprimento das normas, são aplicadas pesadas multas e os engenheiros responsáveis pela obra podem perder seus registros profissionais. Dificilmente chega-se ao extremo de paralisar uma obra. "Aqui, primeiro tem que fazer um arcabouço extraordinário de procedimentos, documentos e mais documentos, estudos e mais estudos para conseguir o licenciamento", queixa-se.


Debate no Congresso


A polêmica sobre possíveis excessos dos órgãos de controle chegou ao Congresso Nacional, que realizou, em 2009, audiências públicas para debater o assunto. Para o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), o controle é fundamental num regime democrático. "Isso não significa que excessos nas atividades de fiscalização e controle não existam", afirmou ele em artigo publicado no Jornal da Câmara. E acrescenta que o presidente da República "tem o dever" de combater eventuais excessos. "No Congresso, não podemos resumir esse debate à polarização simplificadora entre governo e oposição", comenta.

O deputado Pedro Eugênio (PTPE) é outro que ressalta a importância do controle externo, mas lembrou que os representantes da indústria têm se queixado dos entraves ao crescimento impostos pelo TCU. "Eu tenho um temor de que, se nada for feito, nós possamos eventualmente caminhar para um impasse e chegar ao ponto de se defender que não deve haver fiscalização. E o foco não é diminuir a fiscalização, mas é aperfeiçoá-la e evitar que indícios, por exemplo, levem a constrangimentos e a paralisações ou à desaceleração de obras importantes", disse ele à Rádio Câmara.

O deputado Silvio Torres (PSDBSP) pediu a realização de audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle para debater o papel dos tribunais de contas, embora argumente que não é o Tribunal de Contas da União (TCU) que decide pela paralisação de obras: ele apenas recomenda ao Congresso Nacional, que tem competência para suspender ou não uma obra. O deputado Gilmar Machado (PT-MG) concorda: "O TCU orienta, aponta que há indícios de irregularidade. Agora, quem determina ou não é a Comissão Mista de Orçamento. Então, o que temos que fazer é que a comissão examine logo os pareceres em cima das obras com indícios de irregularidades apontadas pelo TCU, e aquelas que nós acharmos que têm problemas, nós mantemos a posição do tribunal. Aquelas que nós acharmos que o TCU extrapolou ou não tem razão, a gente libera".

Embora a questão preocupe governadores de diferentes partidos, o deputado Paulo Bornhausen (DEMSC) liderou um movimento para criar uma Frente Parlamentar Mista em Defesa do TCU. "A meu ver, as críticas do governo são uma tentativa de sufocar o TCU", afirma. Segundo ele, o tribunal vem cumprindo corretamente sua função de zelar pela boa aplicação do dinheiro público.


Licenciamento é caro e complexo, diz TCU

Por decisão do Plenário, o TCU intensificou a partir deste ano a fiscalização de aspectos ambientais em suas auditorias. Para o órgão, o licenciamento ambiental tem um caráter preventivo e corretivo dos danos ambientais e é fundamental para a preservação do patrimônio ambiental nacional. Porém, "é um processo lento, caro e complexo, cujos custos envolvidos para obtenção das licenças podem chegar a até 20% do custo geral do empreendimento".

O TCU identificou deficiências na fiscalização do Ibama. Além de não haver um acompanhamento sistemático dos impactos ambientais das obras licenciadas, faltam parâmetros e critérios de avaliação. "Essa ausência de padronização pode ocasionar a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental de má qualidade, uma maior discricionariedade das decisões dos analistas ambientais e a liberação de licenças sem o cumprimento das condicionantes exigidas", afirma o TCU. Para Patrícia Audi, a falta de parâmetro levou à "delegação de poderes discricionários a um pequeno elenco de potentados administrativos".

De acordo com o Ibama, a obtenção de licença ambiental depende de um longo processo: o empreendedor faz a solicitação ao Ibama, que emite um termo de referência contendo os estudos necessários. A partir desse documento, o empreendedor elabora os estudos de impacto ambiental e o entrega ao Ibama. O estudo passa por uma checagem com o termo de referência. Se estiver tudo certinho, o Ibama aceita o estudo e submete o relatório de impacto à consulta pública por 45 dias. Findo esse prazo, realizam-se audiências públicas para que a população afetada pelo empreendimento possa discutir o projeto com o empreendedor, responsável por prestar os esclarecimentos. Depois disso, mais 15 dias são concedidos para que a população protocole no Ibama as suas contribuições adicionais: documentos, dúvidas, denúncias, reclamações. Esses documentos são analisados pelo Ibama e agregados ao processo de licenciamento. Terminada a análise do estudo, o Ibama emite um parecer técnico que determina se há ou não viabilidade ambiental para o empreendimento. Se constatada a viabilidade, o órgão emite uma licença prévia. De posse da licença prévia, o empreendedor tem que apresentar ao Ibama o Plano Básico Ambiental e o projeto executivo da obra. A etapa seguinte é a da licença de instalação, que autoriza finalmente o início das obras. Depois ainda vem a licença de operação, que libera o funcionamento.

Mesmo com toda essa burocracia, é ilusão pensar que o patrimônio natural do País estará devidamente protegido. A percepção do TCU é de que os esforços, tanto das empresas quanto do Ibama, ficam concentrados na preparação da papelada, de relatórios e estudos e à incorporação, no projeto, de um extenso programa de mitigação de impactos. "Contudo, uma vez aprovado o projeto, pouco se faz para verificar se ele foi realmente implantado de acordo com o prescrito e se as medidas mitigadoras atingiram seus objetivos de redução do dano ambiental", conclui o relatório.


Mudanças na Lei de Licitações

Dentro do esforço para reduzir os entraves ao desenvolvimento, está a proposta de alteração da Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública (Lei 8.666/93), enviada pelo governo à Câmara dos Deputados em 2007. Aprovado em regime de urgência pelos deputados, o projeto enfrentou resistência no Senado. Caiu a urgência, realizou-se audiência pública, o projeto tramitou pelas comissões de Assuntos Econômicos, Ciência e Tecnologia e Constituição e Justiça. Mais de vinte emendas foram apresentadas, pontos polêmicos foram mudados e agora o texto está pronto para ser votado em Plenário.

A proposta é simplificar os procedimentos da Lei 8.666, afirma Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento. A lei foi instituída em 1993, como resposta a uma série de escândalos em contratos públicos. Na tentativa de evitar novos desvios, o texto exagerou nos detalhes e criou espaço para o litígio, tornando o processo moroso. Segundo ele, uma licitação por técnica e preço demora no mínimo seis meses. Como a lei dá margem a inúmeros recursos, o processo pode se arrastar por muito mais tempo. "A mudança na lei vai simplificar bastante o processo de licitação e dar agilidade ao Estado", afirma Santanna.

De acordo com o parecer do senador Eduardo Suplicy (PT/SP), relator da proposta, entre as principais alterações está o acréscimo do pregão eletrônico às modalidades de licitação de obras e sua adoção obrigatória nas licitações até o valor de referência da tomada de preço, atualmente de R$ 3,4 milhões. A intenção do governo era impor o pregão para todas as concorrências do tipo "menor preço" de valor inferior a R$ 51 milhões. Se optasse pela forma tradicional de licitação, o gestor teria que apresentar justificativa. A oposição não aceitou. Por sugestão do senador Francisco Dornelles (PP/RJ), o pregão será facultativo nas licitações de grande porte. Embora o pregão, principalmente o eletrônico, seja visto como a ferramenta mais isonômica e eficiente na escolha do menor preço, há um grande risco quando o quesito é qualidade.

Para evitar que empresas aventureiras e sem experiência no ramo de engenharia tenham sucesso nos pregões, a legislação também deve ser alterada. De acordo com o projeto de lei, somente detentores de certificado de registro cadastral poderão concorrer nos pregões de obras com orçamento superior a R$ 3,4 milhões. Para mitigar qualquer argumento de inconstitucionalidade da regra, existirá a possibilidade de uma empresa não cadastrada participar do certame, desde que comprove o preenchimento de todos os requisitos estabelecidos para obtenção do certificado.

Apesar das divergências pontuais, todos concordam sobre a necessidade de simplificar os procedimentos de contratação entre o poder público e o setor privado. Para a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), tanto a lei em vigor quanto o projeto que se encontra no Senado pecam no mesmo ponto. "Ao invés de ser uma legislação clara e simplificada, com boa técnica legislativa, o que se tem é uma lei e um projeto confusos, complexos, dando margem a diferentes interpretações. O resultado disso são as inúmeras liminares expedidas pelo Judiciário, que paralisam os processos licitatórios por tempo indeterminado", observa Carlos Eduardo Lima Jorge, diretor da CBIC. Segundo ele, a CBIC defende que se abandone o projeto em análise no Senado e que governo e entidades civis discutam uma nova proposta de lei de licitações - moderna, clara e desburocratizada.

 
Copyright © 2007 - DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação sem autorização.
Revista Desafios do Desenvolvimento - SBS, Quadra 01, Edifício BNDES, sala 1515 - Brasília - DF - Fone: (61) 2026-5334