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Agricultura - A vez do pequeno produtor

2009 . Ano 6 . Edição 49 - 06/04/2009

Por Débora Carvalho, de Brasília

Assistência técnica à agricultura familiar melhora produtividade das pequenas propriedades. Inspirada em Paulo Freire, metodologia utilizada procura aliar a moderna tecnologia com conhecimento empírico do produtor. Processo foi interrompido nos anos 1990, retomado em 2003 e já dá reultados

Rosemar Firmino de Lima tinha apenas 15 anos quando o pai decidiu largar a vida de meeiro nas lavouras de feijão do município de Ceres, em Goiás, e seguir para a região do Distrito Federal, em busca de terra e melhores condições de vida. Durante quase uma década, a família não viu muita diferença das dificuldades com que já estavam acostumados. Vinte e sete anos depois, dentro da propriedade de cinco hectares, em fase de regularização fundiária, Rosemar lembra como os técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF) foram importantes para a adaptação no novo local.

"Sem eles teria sido bem mais difícil. Quando eu comecei a tomar as decisões, tive orientação e pude plantar o que era melhor para mim na época certa", conta. Depois de sete décadas de história e muitas mudanças, hoje, a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) no Brasil tenta se desvencilhar das práticas e conceitos iniciais de modernização do campo e produtividade a qualquer custo, em busca de um paradigma mais amplo, complexo e moderno: o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar.

Ao lado do pai, o pequeno agricultor do DF presenciou algumas fases da história da assistência técnica e extensão rural. O serviço foi criado no final da década de 1940, dentro das políticas de industrialização do País, para apoiar o processo de modernização da agricultura. O modelo paraestatal permitia que a responsabilidade fosse divida entre entidades públicas e privadas. Só no governo Ernesto Geisel, em meados da década de 1970, a ATER seria incorporada ao governo, com a criação do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater), por meio da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Rural (Embrater).

A importância do Estado aumentava à medida que boa parte do dinheiro para custear o serviço vinha dos cofres públicos. O financiamento estatal chegou a representar 40% dos recursos das Emater. Em alguns estados esse volume chegou a 80%. A oferta do serviço também teve um salto nessa época. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1960, apenas 10% dos municípios do Brasil contavam com ATER. Nos anos 1980, o alcance ultrapassava 77% das cidades.

NACIONALISMO Durante a ditadura militar, era Geisel foi marcada pelo nacionalismo e pelo investimento econômico, mesmo com a escalada de dois problemas históricos da economia brasileira: a dívida externa e a inflação. A ideia era superar o atraso na agricultura, educar o povo para que o meio rural começasse a adquirir equipamentos e insumos industrializados, e assim, permitir um manejo mais moderno e eficiente. Esse modelo tecnicista queria trazer o homem do campo para a lógica de mercado e, para tanto, privilegiava a produtividade a qualquer custo. Foi a chamada "revolução verde".

"Antigamente, nosso trabalho era apenas dizer que para produzir mais tem que usar esse tipo de adubo ou aquele fertilizante. O trabalho era só dentro da porteira", lembra Sérgio Orsi, técnico da Gerência de Programas e Orçamento da Emater-DF, há 21 anos na carreira de extensionista. Para ele, a grande competitividade que o País tem no agronegócio em todo o mundo é fruto do trabalho de extensão baseado nos conceitos da "revolução verde" e, talvez por isso, seja difícil para a ATER abandonar esse modelo e seguir uma abordagem multidimensional.

Na década de 1980, influenciada pela pedagogia de Paulo Freire, começou a se delinear o paradigma que, em parte, ainda hoje é perseguido pela ATER. A intenção era criar um planejamento participativo, integrando o conhecimento técnico ao saber tradicional do agricultor. Mas nos anos 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello foi o responsável pelo maior baque já sofrido pela ATER na história. A Embrater foi extinta e com ela o sistema nacional. Os esforços da Embrapa e do Ministério da Agricultura na tentativa de coordenar o serviço não foram suficientes para evitar que a ATER ficasse unicamente sob responsabilidade dos governos dos estados, pautada por interesses locais, sem uma coordenação nacional.

RECOMEÇO A estrutura e o modelo de extensão rural brasileiros viram a luz novamente em 2003. Quando o governo federal, já sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decidiu passar ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) a responsabilidade de gerir e distribuir recursos para a ATER. Instaurada a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Penater), o objetivo principal do serviço passou a ser o desenvolvimento socioeconômico rural. "Além da difusão de tecnologias, começamos a trabalhar em outros eixos, na articulação de políticas públicas", afirma o diretor do Departamento de ATER do MDA, Argileu Martins. Segundo ele, essa é a essência da nova abordagem, que preconiza uma relação dialética com o agricultor, que deixa de ser observador, para contribuir com o sucesso da família rural.

Outra característica importante é que, a partir dessa política, o serviço de extensão rural sai da porteira e começa a se preocupar em levar ao agricultor tudo o que ele precisa saber para se beneficiar e ajudar a comunidade. "Hoje, a ATER fornece informações sobre acesso ao crédito, a programas como Luz para Todos, que melhoram a vida no campo, ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, que ajuda a comercializar a produção. Tudo isso revigora e reorienta o produtor familiar. O objetivo maior é reduzir a desigualdade no campo", explica Martins."

Para o agricultor Rosemar Firmino, o serviço funciona. "Sempre fui bem atendido pela Emater. Sempre me ajudaram a fazer os projetos, me orientando sobre os financiamentos e a melhor escolha para plantar", conta. Em julho do ano passado, quando o governo federal lançou o programa Mais Alimentos, que facilitava a compra de tratores novos para a agricultura familiar, Rosemar ficou animado com a oportunidade. Mas depois de, junto com um extensionista, fazer alguns cálculos, percebeu que poderia contrair dívidas muito além da capacidade da renda da família.

"Tenho muito medo de dívida e a maioria dos técnicos pensa no bem-estar da gente, quer que a família se desenvolva, sem dívida, sem problema", reconhece Rosemar. Ele diz ainda que de uns anos para cá o atendimento melhorou, porque o técnico vai mais à propriedade, aconselha manejo e cria uma parceria com o produtor. "A gente vê que o objetivo deles é ajudar mesmo, não tem interesse econômico, ficam satisfeitos de ver a gente se beneficiar. E, no dia a dia vira amigo de tanto vir na casa da gente", comemora.

OUTRO LADO Mas nem todos os agricultores familiares do Brasil têm a oportunidade de Rosemar. Segundo o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea Fábio Alves, a realidade é bem diferente em outras regiões, como o Nordeste, onde a agricultura familiar é pobre e a carência por um bom serviço de ATER é cada vez maior. Ele questiona a qualidade do atendimento, pois em muitas localidades o técnico da Emater visita o agricultor familiar apenas uma vez por ano para elaborar o projeto de acesso aos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

"Não se pode dizer que isso é um atendimento adequado, porque não tem acompanhamento", completa Alves. Ele reconhece o caráter positivo da mudança para a abordagem de desenvolvimento sustentável. Para ele, o maior avanço da nova ATER é trocar o pacote tecnológico tradicional pelo manejo agroecológico sustentável. Para ele, é fundamental privilegiar a conservação ambiental em detrimento da concepção anterior de uso desenfreado de agrotóxicos e desmatamento em busca de aumento na produção. No entanto, o pesquisador critica a falta de controle e monitoramento dos recursos repassados pela União aos Estados.

"O trabalho de gestão se resume ao repasse de dinheiro. Hoje, o governo não avalia a qualidade do serviço, porque está muito envolvido com serviços burocráticos e não tem novos projetos", pondera. Alves diz que a demanda pelas assinaturas de convênios e transferência de recursos ocupa, de forma quase integral, a equipe do governo. Outro problema é o atraso na liberação dos recursos, o que torna mais difícil ainda a chegada do extensionista ao produtor na época certa.

O governo admite algumas dificuldades, entre elas o contingenciamento dos repasses da União aos estados e às mais de 180 entidades não-governamentais que atuam na área, por meio de convênios com o MDA. O orçamento anunciado para a ATER, no Plano Safra da Agricultura Familiar de 2008, foi de R$ 397 milhões, mas desse montante foram efetivamente liberados apenas R$ 197 milhões. Segundo o MDA, para este ano, a expectativa é de R$ 256 milhões. Na opinião do diretor do Departamento de ATER do MDA, o desafio do governo atualmente é consolidar o novo paradigma.

"Por meio de parcerias com os governos estaduais vamos ampliar o serviço e fazer com que realmente chegue aos agricultores para gerar renda e melhoria da qualidade de vida", afirma Argileu Martins. Em 2007, foram atendidas 1,34 milhão de famílias. A meta para 2009 é chegar a 2 milhões.

ALTERNATIVA Uma saída para o problema da falta de recursos pode ser criar uma dotação fixa, pré-estabelecida no Orçamento da União, para garantir aos estados custeio e investimento em ATER. Dessa forma, a quantidade de recursos não seria decidida a partir da importância que cada governante confere ao serviço. Depois de 14 anos de profissão, o extensionista, Hélio Dias Lopes também concorda que hoje a ATER cumpre melhor o papel de ajuda ao produtor rural. "Agora, me sinto mais recompensado, porque atendo quem realmente precisa de ajuda", conta.

Segundo Lopes, se a assistência técnica tivesse continuado como na década de 1990, o cenário para a agricultura familiar seria bem pior, com o aumento do número de agricultores que, sem perspectiva, sairiam do campo para as cidades. Ele explica que para melhorar a qualidade do trabalho é preciso investir mais, principalmente no que diz respeito à renovação de pessoal. "Com o tempo vão se perdendo os profissionais e não há concursos novos para repor", completa.

Para ele, são necessárias muitas qualidades para formar um bom extensionista. O profissional não pode ser apenas técnico. Precisa estar atento às oportunidades e alternativas para, por exemplo, melhorar a renda da família ao transformar a produção de matéria-prima em produtos semi-processados. Ou seja, agregar valor e criar dentro da propriedade uma pequena agroindústria. "Tem que ter paixão, satisfação e compromisso em ver o pequeno produtor e a família conseguindo uma vida melhor", acrescenta Lopes.

O técnico Fábio Alves alerta sobre a importância de capacitar os funcionários das Emater para garantir um bom processo de transição entre a visão predominante na "revolução verde" e o atual paradigma do desenvolvimento sustentável. Uma das ressalvas de Alves em relação à política nacional de ATER é de que a norma não prevê a inclusão de princípio, por exemplo, da agroecologia no conteúdo obrigatório das escolas técnicas de formação dos extensionistas.

FORMAÇÃO Para amenizar esses problemas, desde 2003, o MDA mantém o Programa de Formação de Agentes de Assistência Técnica e Extensão Rural, que tem como objetivo formar quadros de pessoal para contribuir na qualificação dos agentes da ATER, de acordo com a nova abordagem. Parcerias com universidades públicas têm ajudado na criação de mais de 1 mil vagas, em 31 cursos de qualificação, resultado de um investimento de R$ 1,2 milhão do governo federal. Entre os principais temas dos treinamentos estão a ação participativa, sistemas agroflorestais, agroecologia e produção de base ecológica, cadeias produtivas; arranjos produtivos locais; comercialização e da prática de ATER em comunidades de pescadores e quilombolas.

Além da qualificação de quem já está em campo, é preciso também investir para aumentar o número de extensionistas. Há locais no Brasil, onde um agente é responsável por cerca de cinco municípios. Para Fábio Alves, uma alternativa seria a União incentivar os estados a investir em ATER, via da desoneração tributária, vinculada à obrigação de destinar recursos para essa área. Outra possibilidade seria a maior integração entre ONGs e Emater. Dessa forma, as experiências locais poderiam ser reaproveitadas em outras regiões dentro do mesmo Estado.

O especialista ressalta ainda o papel fundamental da ATER na reforma agrária. "Há uma busca desenfreada por volume de famílias assentadas em áreas de reforma agrária, mas sem qualidade de assentamento", completa. Ele explica que o agricultor precisa de apoio para se manter na terra e dela conseguir obter renda suficiente para o sustento da família.

BANDEIRA A permanência do agricultor no campo, seja por meio de reforma agrária ou não, é uma das principais razões da luta dos movimentos sociais pela universalização da extensão rural no Brasil. Desde 1996, liderados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, (Contag), os sindicalistas reivindicam melhorias no sistema de ATER pública. O secretário de Política Agrícola da entidade, Antoninho Rovaris, lembra que, na década de 1980, a extensão rural era feita do balcão do escritório das Emater. "Não tinha essas coisas de ir ao campo, atender diretamente o agricultor", recorda.

Segundo ele, desde essa época já se avançou consideravelmente e, hoje, boa parte das Emater já começam a trabalhar de acordo com a abordagem de desenvolvimento sustentável da agricultura familiar. Mas, para a Contag, ainda predomina no Brasil a cultura de que o extensionista é apenas uma ponte entre o produtor e o crédito oficial.

Diante dessa realidade, organizações sindicais e movimentos sociais trabalham para montar uma estrutura paralela de ATER para atender agricultores e comunidades. A iniciativa é custeada com recursos das entidades sindicais e dos governos. Segundo Rovaris, a intenção é mostrar para o poder público que é possível ter uma extensão rural efetiva e mais barata. A avaliação feita pela Contag é que na região Norte do País a questão geográfica e a dificuldade de acesso às comunidades dificultam a capilaridade do serviço de ATER.

"A situação é precária. Precisa melhorar muito para atender minimamente as pessoas", diz Rovaris. Mas no Nordeste, onde o sistema foi totalmente extinto na década de 1990, já é possível perceber uma retomada lenta, no entanto, sem a noção clara do significado da nova abordagem por parte dos extensionistas. Segundo o dirigente da Contag, realidades como a do pequeno produtor Rosemar Firmino só são encontradas em alguns pontos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. "Nesses locais, apesar da fama de bom atendimento, a ATER não dá resultado, porque a agricultura familiar é altamente onerosa", explica.

PLANEJAMENTO Este ano, no Grito da Terra - maior manifestação de agricultores familiares e trabalhadores rurais do Brasil - a Contag promete iniciar a negociação com o MDA para elaborar, em conjunto, um planejamento estratégico para a extensão rural em cada Estado. A ideia é traçar estratégias para acelerar a mudança de cultura, tanto do serviço de extensão como dos agricultores, reforçando a noção de que um produto ambientalmente correto e livre de agroquímicos requer pesquisa, tempo e custos adicionais e, por isso, o produtor precisa ser remunerado pelo mercado.

A entidade também estabeleceu o prazo limite de até três anos, a partir de 2009, para que as metas de universalização e de qualidade da ATER sejam cumpridas. "De forma geral, hoje, o serviço não atende às necessidades reais. Mas há um processo de recuperação. Se nesse prazo nada acontecer, vamos ter que rever inclusive a existência das Emater. Se for necessário vamos reconhecer que é preciso mudar tudo e fazer por um caminho diferente", afirma o dirigente da Contag.

 
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