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Violência - Os custos da violência

2007 . Ano 4 . Edição 35 - 10/9/2007

Fátima Belchior, do Rio de Janeiro

É difícil imaginar que no Brasil de hoje exista algum fenômeno que preocupe tanto a sociedade, sobretudo nas áreas urbanas,quanto a violência. A taxa nacional de homicídios, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),é de 27 por cem mil habitantes, um número expressivo se comparado aos registrados em países desenvolvidos. No Japão, por exemplo, a relação é de um para cem mil, enquanto no Canadá chega a dois e, nos Estados Unidos, a oito.

Não é por menos que autoridades governamentais, pesquisadores e a sociedade em geral têm procurado saídas para minimizar o problema, cujos efeitos não são apenas tangíveis, como os elevados gastos dos setores público e privado,mas os intangíveis, tais como as seqüelas psicológicas que abatem parentes e amigos de vítimas da violência.

De fato, os números são bastante significativos, segundo estudo que acaba de ser concluído por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): em 2004, o custo da violência foi de R$ 92,2 bilhões. E mais: o valor total equivaleu a 5,09% do Produto Interno Bruto (PIB),ou a R$ 519,40 per capita.

"O custo da violência no Brasil é um dos maiores do mundo", comenta Daniel Cerqueira,um dos autores do trabalho do Ipea, intitulado "Análise dos Custos e Conseqüências da Violência no Brasil", um subproduto de estudo desenvolvido há dois anos sobre o ranking das cidades mais seguras no Brasil.

PROJETO AMPLO Dali para a frente,Cerqueira e os colegas do Ipea Alexandre Carvalho e Rute Rodrigues, além de Waldir Lobão,do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), partiram para um projeto mais amplo, financiado pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Segundo Cerqueira, o objetivo das pesquisas era caminhar em duas direções: estimar o custo da violência no Brasil, o que ainda não havia sido feito, e apontar a importância dos cálculos para munir as políticas públicas sob a ótica da racionalidade e da efetividade. O que se oferece com esses números é uma contribuição para as autoridades do setor na alocação racional dos recursos.

"Não tínhamos cálculos sobre o custo da violência do Brasil.O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a partir de pesquisas realizadas em diferentes países, chegou a divulgar que se tratava de algo em torno de 10% do PIB.O Instituto de Estudos da Religião (Iser), posteriormente, falou em 5%", conta Cerqueira.

Assim,os números do Ipea são os primeiros que surgem no Brasil, a partir de uma metodologia científica, mas classificada pelo pesquisador como estimativa, diante das dificuldades de se conhecer todo o universo da criminalidade no Brasil."Este não é todo o universo da violência no Brasil",destaca Cerqueira.

TRILOGIA O projeto final transformou-se numa trilogia. O primeiro estudo, intitulado "Custo com as mortes por causas externas", considerou em separado os casos de homicídio, suicídio, acidentes de transportes e outros.Num segundo passo, os pesquisadores aprofundaram outros aspectos com o texto "Custo da violência para o sistema público de saúde".Por fim, a partir desses dois estudos e de novas pesquisas, o grupo conclui o trabalho com a "Análise dos custos e conseqüências da violência no Brasil".

Cerqueira admite que não foi simples chegar aos custos das vítimas da violência para o sistema de saúde, em função de métodos de registros adotados pela rede hospitalar no Brasil.Exemplos: quando se fazem procedimentos ambulatoriais, não são definidas as causas.O Sistema Único de Saúde (SUS) tem tabelas diferentes para os serviços realizados, sem contar que estados e municípios, além da União, também assumem despesas.Diante deste quadro, os pesquisadores partiram para uma metodologia própria,gerando dados mais próximos sobre o custo da violência para a sociedade brasileira.

O resultado final indicou que em 2004, por exemplo, R$ 31,9 bilhões (cerca de um terço daquele custo) foram arcados pelo setor público e que dois terços (R$ 60,3 bilhões) correspondiam a despesas do setor privado."É um número conservador, pois alguns custos não são computados", informa Cerqueira.

Os valores desembolsados pelo setor público foram majoritariamente com a manutenção da segurança pública (R$ 28,1 bilhões), mais R$ 2,8 bilhões com o sistema prisional e R$ 998 milhões com o sistema de saúde, aí incluídos agressões e acidentes de transportes.

Nos dois terços bancados pela sociedade privada, nem todos os dados computados são despesas, porque se incluem intangíveis. Neste caso, por exemplo, o estudo considera a perda do capital humano - o quanto a vítima deixou de gerar para a economia: são R$ 23,8 bilhões. Outros R$ 14,3 bilhões são desembolsados com segurança privada (contratação de firmas de segurança, por exemplo, mas não se incluem equipamentos sofisticados de segurança em residência ou carros); mais R$ 12,7 bilhões com seguros e R$ 9,4 bilhões com transferências por roubos e furtos.

NÃO NOTIFICADOS É fato, como destaca Cerqueira,que uma avaliação desses itens pode indicar, portanto, que a estimativa de R$ 60,3 bilhões também é conservadora. Afinal,por motivos diferentes, não há, no País, registros ou dados policiais definitivos sobre os valores de roubos e furtos. Tanto que, diante do fato de o Brasil não ter pesquisas completas sobre vitimização, o estudo do Ipea construiu uma metodologia a partir de trabalhos que já haviam sido realizados em Belo Horizonte, Rio de Janeiro,Vitória,Recife e São Paulo. Além disso, os gastos com segurança também não incluem todas as medidas que a população adota para garantir mais segurança pessoal.

Ainda que estimados,os dados do Ipea são os que existem e apontam para a gravidade do fato de não haver registros confiáveis das ocorrências de violências no Brasil.Em 2006, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Publica, foram registrados 6,7 milhões de crimes no País. A partir dos cálculos realizados para sua pesquisa, o Ipea concluiu que outros 17,2 milhões não foram notificados,chegando a um resultado alarmante de 24 milhões de crimes no Brasil, quase quatro vezes mais do que o notificado.

"É impossível fazer política de segurança pública sem que se conheçam os dados reais da criminalidade", destaca Cerqueira, ressaltando a importância das bases da pesquisa para os trabalhos que começam a ser estruturados pelo grupo no Ipea.

Da mesma forma que se conhece o grau de preocupação da sociedade com a violência, não há dúvidas de que existe uma grande parcela da população brasileira mobilizada no sentido de combatêla. Segundo o estudo dos pesquisadores do Ipea, desde o início dos anos 1980, a violência e a criminalidade apresentam taxas crescentes no Brasil.As mortes por causas externas evoluíram a uma taxa anual de 2,4%. Entre 1980 e 2004, o número de homicídios cresceu 5,6% ao ano, fazendo com que representassem 37,9% do total de 127 mil por causas não naturais registrado em 2004.

INTANGÍVEIS E, como alerta o próprio estudo, as conseqüências da criminalidade não se limitam,contudo, aos custos tangíveis para a sociedade. Foi a partir desta constatação que o sociólogo Gláucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) reuniu um grupo de pesquisadores para tratar de "As vítimas ocultas da violência" - trabalho que resultou em livro,publicado no ano passado pelas editoras Record e Civilização Brasileira.

Os números do trabalho de Soares também são impactantes: para cada vítima de morte violenta, calcula-se entre quatro e dez vítimas ocultas (familiares mais próximos e parentes não primários). Nos últimos oito anos, concluiu-se que houve meio milhão de vítimas da violência no Brasil,o que,multiplicado por uma média de seis pessoas que sofrem reflexos, gerou algo entre três e quatro milhões de vítimas ocultas.

Para a pesquisa do Iuperj, foram entrevistadas 800 pessoas, entre parentes e vítimas de mortes por violência. Insônia, depressão, lembranças de fatos passados vinculados ao crime, estresse - todas estas reações se impõem à vida das pessoas que de certa maneira foram afetadas por crimes. Os custos nesses casos também são altos, com interrupções nas tarefas do trabalho e da educação,dificuldades de convivência, desestruturação familiar e desequilíbrio financeiro, entre outros.

TRAUMAS "O efeito é doloroso quando a vítima é o ganha-pão da família", comenta Soares,que na lista de seus entrevistados deparou-se com uma senhora que perdeu o marido, vítima de violência, e casou- se três meses depois, inteiramente por conveniência, para sustentar a família.

Segundo relato do sociólogo, o principal objetivo de sua pesquisa foi conscientizar a sociedade para o elevado preço que recai sobre essas pessoas e estimular a criação de centros de trauma para tratar dos vitimados."A conscientização já começa a produzir medidas, algumas embrionárias e outras mais concretas.Atualmente, por exemplo, o Instituto Médico Legal (IML) do Rio de Janeiro está sendo reestruturado para que se torne um ambiente mais humano para parentes e amigos de vitimas".

Joyce Capelli, diretora da ONG Inmed Brasil,de São Paulo,que atua na Favela do Jacarezinho, zona norte do Rio,onde moram cerca de 190 mil pessoas, vive o dia-a-dia das dificuldades psicológicas das vítimas ocultas. Ela é responsável por um trabalho de análise de sonhos de crianças que, de forma ou de outra, são atingidas pela violência.

Iniciado em 2005, o projeto da Inmed, o Favela Sonhos, já trabalhou com 450 crianças, de 4 a 13 anos de idade, com resultados "fantásticos", segundo Joyce, formanda em psicanálise, a partir das teorias e experiências do psiquiatra Carl Gustav Jung.A partir da análise dos sonhos,o que é feito por um grupo de coordenadores e professores, treinados na comunidade, as crianças têm mais chances de transmitir seus sentimentos, falar de seus medos e inseguranças, melhorar a auto-estima e ganhar um pouco mais de tranqüilidade, relata a diretora. "Este é um trabalho de apoio de baixo custo, sem tecnologia sofisticada, que deverá ser estendido para a Favela da Maré,outra comunidade do Rio de Janeiro onde o grau de violência também é considerado elevado".

CONSCIENTIZAÇÃO Trabalhos como este de conscientização e de apoio às vítimas ocultas têm ganhado adesões pelos estados brasileiros e, comumente, os pesquisadores - sociólogos, antropólogos, psicólogos, entre outros - se comunicam e trocam experiências na busca de caminhos que, pelo menos, reduzam os custos econômicos, sociais e institucionais. "A violência tem um impacto significativo sobre a democracia", comenta Cláudio Beato, sociólogo e coordenador do Centro de Estudos de Criminalística e Segurança Pública (Crisp),da Universidade Federal de Minas Gerais.

Segundo Beato, o Crisp deparou-se, da década de 1990 para cá, com uma tendência significativa do crescimento de homicídios em Belo Horizonte: de 274, em 1990, para 744, em 2000.Ao analisar os números, a entidade concluiu que esses eventos concentravam-se em favelas, com uma grande participação de homens jovens, entre 14 e 24 anos de idade, e ligados ao uso de armas e ao tráfico de drogas.

Já em 2002, o Crisp mobilizou participantes de organizações sociais, tais como as Polícias Militar e Civil, administradores municipais representando assistências sociais e de cidadania, Departamento Público Estadual e organizações não-governamentais para discutir a questão dos homicídios. O resultado foi a adoção de um programa de prevenção de homicídios, o Programa Fica Vivo, que em 2003 foi incorporado à política do governo do Estado de Minas Gerais.

Com o objetivo principal de reduzir o número de homicídios em Belo Horizonte, o grupo de trabalho adotou a comunidade do Morro das Pedras como local para que se implantasse o projeto- piloto. A estratégia do grupo envolveu várias ações:1) fortalecer a mobilização da comunidade na solução de problemas de segurança pública; 2) mobilizar órgãos públicos e organizações não-governamentais que operam nessa área, prestando serviços de saúde, educação, assistência social, segurança pública, e criar um sistema de proteção social voltado para os membros da comunidade com idade entre 12 e 24 anos; 3) oferecer oportunidades de desenvolvimento nas áreas de educação, cultura e lazer, assim como qualificar profissionalmente o público-alvo do programa; 4) possibilitar um ambiente propício à discussão das questões que dizem respeito à segurança e propagar a cultura da paz; 5) reduzir o medo; 6) apoiar e valorizar manifestações culturais locais; e 7) melhorar o patrulhamento na comunidade.

Houve, segundo Beato, redução significativa dos homicídios nas comunidades que se tornaram alvo do trabalho. Foram 21 áreas atendidas, envolvendo um universo de 12 mil crianças. Oportunidades de lazer, maior interação entre os órgãos das administrações pública e privada e organizações não-governamentais e melhor relacionamento com as unidades policiais são alguns dos frutos do trabalho Fica Vivo. Em números, os resultados se traduzem da seguinte forma: após seis meses da implementação do projeto-piloto, houve uma redução de 47% no número de homicídios locais.

O sociólogo Gláucio Soares não esconde que é otimista no combate à violência."Tem jeito", diz ele.

 
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