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Cultura - Frutos da Terra

2007 . Ano 4 . Edição 34 - 10/5/2007

As comunidades tradicionais brasileiras formam grupos com história, economia e hábitos peculiares. Compõem uma reserva de memória de nossa população que começa a ser protegida em sua totalidade

Por Eliana Simonetti, de São Paulo
 
 

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Responda rápido: o que é faxinal? Não pense em mutirão de limpeza.Trata-se de povos que vivem em regiões de mata de araucária e não derrubam árvores para criar seus animais ou cuidar da plantação. Suas terras não têm cercas - a propriedade é privada, mas o uso é coletivo. Bois, galinhas, porcos e outros animais vivem soltos no terreiro, e voltam para o abrigo do dono ao anoitecer,como se soubessem o que devem fazer. São católicos, têm altares em casa,mas raramente freqüentam a igreja.Há faxinais de remanescentes quilombolas, indígenas, ucranianos, poloneses, portugueses.“Foram povos que se instalaram na mata e aprenderam a sobreviver de maneira diferente da usual.As comunidades são diversas e ao mesmo tempo semelhantes”, explica Cicilian Luiza Löwen Sahr,professora de pós-graduação na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. “Suas atividades não são voltadas ao mercado,mas ao atendimento de suas necessidades.”Um levantamento realizado em 2004 mostrou que havia 44 faxinais com 3.409 famílias que guardavam suas tradições.Outros 65 estavam em processo de extinção e 52 já haviam desaparecido - venderam as terras e se mudaram para a cidade, ou firmaram contratos com empresas produtoras de fumo, o que alterou sua forma de vida e trabalho. Atualmente, segundo Sahr, apenas um faxinal paranaense, localizado nas cercanias do município de Ponta Grossa, de nome Sete Saltos de Baixo, permanece totalmente preservado.

Sete Saltos de Baixo está entre as comunidades tradicionais que,segundo estimativas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), reúnem 4,5 milhões de pessoas e ocupam um quarto do território nacional. Só na Amazônia existem 280 povos indígenas, além de 357 comunidades quilombolas e milhares de seringueiros, ribeirinhos e babaçueiros.Mas há muito mais pelo país afora. São caboclos, caiçaras,gerazeiros, caipiras, quebradeiras de coco, jangadeiros, pomeranos e outros tantos (veja quadro Conheça alguns povos tradicionais).Gente que vive em áreas afastadas e também nas vizinhanças das grandes cidades.Subsiste do artesanato,da coleta, da pesca, da indústria e do comércio. Não se engane: não se trata aqui de povos primitivos,mas de pessoas que preservam sua identidade num ambiente em que se espera comportamento mais ou menos uniforme de todos.Vêm se perdendo, atropeladas pela economia de mercado, pela corrida por maior produtividade,competitividade e lucro.Agora terão de ser protegidas. A determinação é legal.Mas devemos cuidar desses grupos, e de suas tradições, não apenas porque há um decreto que nos obriga a isso, senão porque compõem a memória viva de nossa terra.

Há organizações não-governamentais (ONGs) que há tempos dão atenção a eles, e têm apresentado resultados bastante positivos. Recentemente,um livro publicado pela Amazon Conservation Team Brasil (ACT-Brasil) deu visibilidade a um problema enfrentado por cerca de 520 pessoas que insistem em permanecer na Vila do Sucuriju, entre a costa do estado do Amapá e a Reserva Biológica do Lago da Piratuba.A criação da reserva biológica, em 1980, limitou a pesca e a extração de alimentos da floresta.Sem ter como sobreviver, grande parte da população migrou para as cidades.Agora,um termo de compromisso firmado entre a comunidade e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama) permite a pesca nos lagos do cinturão oriental do estado, reconhece o valor das práticas de manejo do pessoal da vila e compatibiliza os objetivos da unidade de conservação com modo de vida, fontes de subsistência e locais de moradia da população tradicional da área.

cultura46_2No Rio Grande do Sul e no Espírito Santo populações de origem européia guardam idioma praticamente extinto

Calos Na cidade de Nilo Peçanha,no Baixo Sul da Bahia, cerca de 300 pessoas,descendentes de um quilombo formado no século XVIII, vivem na comunidade do Jatimane.Trabalham com piaçava,planta nativa da região.Os homens colhem.Cabe às mulheres, com uma escova de pregos, separar as fibras da fita que as envolve.A tarefa, pesada, é feita da mesma maneira há séculos, ensinada de geração a geração, assim como a história, a música e os costumes. A escova de pregos se manteve,mas a cultura, como as festas religiosas e outras tradições, foi se perdendo com o passar do tempo. Poucos ainda sabem quem foram ou como viveram as bisavós. Essa foi a primeira população quilombola isolada abordada pela Fundação Odebrecht em 2003, quando a organização criou o Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Baixo Sul da Bahia.Por dois anos, um homem viveu ali, tomando pé da rotina diária, até atinar o que seria bom fazer para que aquela gente pudesse resguardar seus valores e, ao mesmo tempo, subsistir de forma digna e independente.Desenvolveu- se um projeto de registro de história oral e criou-se uma cooperativa para a produção de vassouras. Foram instalados laboratórios de informática,biologia e meteorologia, entre outras iniciativas. Só recentemente, entretanto, se identificou algo que realmente faria diferença e tornaria os moradores do Jatimane mais felizes. Primeiro, foi montada uma oficina de artesanato. Os trabalhos feitos de piaçava, pelas mulheres, lhes dão rendimento muito maior do que as vassouras e alimentam sua auto-estima.Mais importante foi a descoberta de que,com as mãos calejadas da lida com a escova, elas se sentiam inseguras, pouco atraentes.“Mãos assim não servem para acarinhar”, diziam. Hoje, a Escola Superior de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro já tem protótipos de ferramentas mais leves,que facilitarão seu trabalho e não provocarão calosidades.

Políticas públicas A exclusão dos povos tradicionais das políticas de promoção econômica e social do país, por séculos, resultou em êxodo rural, favelização nos centros urbanos, aumento da pobreza e degradação ambiental. Isso começou a mudar na Constituição Federal de 1988, que reconheceu a existência de formas diferenciadas de organização social e cultural, mas privilegiou os indígenas e deixou outros ao desabrigo.Mais tarde, em 2002,o Brasil assinou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que o Estado proteja o modo de vida de populações distintas da coletividade nacional. Em conseqüência, no ano seguinte um decreto estabeleceu os procedimentos para a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas.

Transformação mais significativa ocorreu no dia 7 de fevereiro último, quando foi publicado,no Diário Oficial da União, o Decreto 6.040,primeira iniciativa de reconhecimento formal da existência de populações tradicionais em toda sua diversidade. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Determina que as políticas públicas atendam a todos que se percebem como culturalmente diferenciados, possuam formas próprias de organização social e guardem conhecimentos e práticas transmitidas de geração a geração. O Núcleo de Povos e Comunidades Tradicionais, ligado à Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias do Ministério do Desenvolvimento Social, é responsável por propor ajustes para reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais,ambientais, econômicos e culturais; além de respeito e valorização da identidade e formas de organização dessas populações.

cultura46_3A produção de couro vegetal de seringueiros da Amazônia agora terá assistência técnica e financeira, além de estímulo à organização

As políticas vêm sendo desenhadas pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT),com participação de representantes de governo e de diferentes grupos. Em todas as esferas de governo devem ser elaborados Planos de Desenvolvimento Sustentável com ações de curto,médio e longo prazo, baseadas em parâmetros regionais, temáticos ou étnico-sócio-culturais.Quesitos fundamentais: regulamentação fundiária e garantia de acesso aos recursos naturais; reconhecimento e fortalecimento da cidadania, com emissão de carteiras de identidade, registros de nascimento e outros documentos; além de educação diferenciada. Em termos práticos, os planos exigem estudos do número de pessoas envolvidas, de áreas ocupadas e da forma de relacionamento das pessoas.

Terra e identidade A tarefa não tem nada de simples. Não é sem razão que o projeto ficou em gestação por mais de dois anos. Houve debates, congressos, seminários e encontros por todo o país.O texto passou por consultas públicas.Gerou polêmica, por abarcar realidades diversas, e por ferir interesses econômicos - já que comunidades tradicionais muitas vezes ocupam áreas valorizadas pelo agronegócio.“A discussão tem sido difícil, mas o problema tem de ser resolvido porque os povos que ficam sem terra perdem a identidade”, conta Braulino Caetano dos Santos, pequeno agricultor gerazeiro do norte de Minas Gerais que participa da CNPCT.Há também preocupação com a preservação ambiental.Um levantamento realizado em 2005 constatou que restavam apenas 10% de áreas naturais na região onde Santos vive e trabalha.Mas muita coisa positiva ocorreu desde que o movimento começou.“ As comunidades de todo o país estão se conhecendo,conversando e criando um projeto conjunto de trabalho”,diz ele.“Se pudermos produzir,vamos alimentar nosso povo e não vamos precisar mais de Bolsa Família ou de cesta básica.”

Programas e ações Desde fevereiro,há um fervilhar de novidades.“Muita coisa está acontecendo. Estamos discutindo raça e etnia,novas formas de produzir, e os conflitos por terra diminuíram”, conta Maria de Jesus Ferreira Bringelo, quebradeira de coco e pequena agricultora que vive na comunidade de Monte Alegre, em São Luiz Gonzaga,no Maranhão.Ao que tudo indica o desafio de tirar a proposta de Política de Povos e Comunidades Tradicionais do papel, e efetivá-la, já vem sendo enfrentado.“ O Estado tem uma dívida que deve ser resgatada com essas comunidades, sem ferir sua autonomia e sem gerar novas formas de paternalismo”,diz Fernando Schüler,secretário de Justiça e Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul.

No âmbito do governo federal, para citar apenas alguns exemplos,os ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente criaram o Programa Comunidades Tradicionais, para melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio de assistência técnica e financeira a empreendimentos produtivos, e incentivo à organização e à gestão ambiental. De início, vai trabalhar com extrativistas (seringueiros, quebradeiras de coco e outros) e com grupos quilombolas.Depois, vai incorporar outros povos,de acordo com a gravidade de suas demandas, especialmente nas áreas de gestão ambiental e uso sustentável de recursos naturais.

cultura46_4Políticas públicas devem atender a todos os que se percebem diferenciados, têm formas próprias de organização social e transmitem conhecimentos de geração a geração

O Ministério das Comunicações anunciou outro programa, de implantação de internet banda larga,via satélite,em 150 comunidades localizadas em regiões afastadas em 13 estados.Hoje,um terço delas já possui telecentros, o que simplifica bastante a operacionalização do projeto, inserido no programa Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão (GSAC).A providência é importante por várias razões. Pessoas que vivem em áreas isoladas poderão, por exemplo,se cadastrar no Sistema Único de Saúde (SUS) e na Previdência Social, assistir a aulas com imagem e som por computador, ou fortalecer sua organização e suas tradições via rede.Foi instalada em abril,na Fundação Nacional do Índio (Funai), a Comissão Nacional de Política Indigenista, com representantes do governo federal, de povos e entidades de todo o país,para que as decisões sejam tomadas de forma mais democrática.

Em vários estados vigora o ICMS Ecológico. Trata-se do seguinte: da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), 75% ficam para a administração estadual e 25% são destinados aos municípios. A forma de distribuição dos recursos pode ser definida por leis complementares estaduais - e algumas determinam percentual maior para cidades que tenham mananciais e meio ambiente preservados,ou maior número de habitantes de populações tradicionais. No Paraná, pioneiro nessa área, a Lei do ICMS Ecológico resultou em aumento de 160% no número de hectares incluídos em Áreas Protegidas desde 1991.

Novo paradigma Na Baixada Cuiabana, em Mato Grosso, 3.980 famílias de pequenos produtores rurais tradicionais,que moravam em casas de pau-a-pique e adobe, receberam casa de alvenaria de 42 metros quadrados, além de auxílio para o plantio e crédito para alimentação. Em Mato Grosso do Sul, no início de março, a Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial começaram a conceber políticas para os distritos de Picadinha e Bispa, no município de Dourados.Ali, as pessoas vivem em pobreza extrema, a taxa de mortalidade infantil é elevada e são registrados muitos conflitos fundiários. Para começar, foi distribuída na região uma cartilha inédita, com explicações de como abrir uma associação, interagir com órgãos públicos e reivindicar direitos. E 50 integrantes dessas comunidades quilombolas serão preparados para ingressar nos Conselhos Municipais - para defender seus interesses.

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O Brasil começa a se reconhecer como um país de muitos povos, cuja cultura tem de ser protegida e valorizada cultura46_6
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No Pará,estado onde são registrados os maiores índices de conflitos por posse de terra, recentemente vem se construindo uma história que merece registro: as experiências de titulação coletiva de áreas de remanescentes de quilombos e de concessão de direito real de uso para populações caboclas. Vinte e oito comunidades quilombolas tiveram sua situação regularizada - o que envolve uma área de 171 mil hectares.“ Estamos construindo um novo paradigma para a Amazônia: um modelo de acentuado caráter comunal para a regularização fundiária”,diz Ibraim José das Mercês Rocha,procurador do Estado do Pará.

O Brasil, assim, dá os primeiros passos no sentido de se reconhecer como um país de muitos povos,e de defender a riqueza da variedade das culturas que abriga.

 

Conheça alguns povos tradicionais
Caiçaras • Comunidades que vivem no litoral, entre Rio de Janeiro e Paraná. Praticam agricultura itinerante, pesca, extrativismo vegetal e artesanato. A especulação imobiliária e a implantação de áreas de proteção integral têm forçado sua migração para cidades. Um agrupamento com tradições preservadas vive na Ilha das Peças, no litoral norte do Paraná. É uma rede de parentesco composta de 283 pessoas, cuja sobrevivência é assegurada pela pesca artesanal. O centro da vila se desloca conforme a necessidade ou a ocasião: uma casa nova, o lugar onde há alguém doente, uma festa. Os terrenos não são cercados, mas não se passa perto de janelas, quintais de idosos, recém-casados, lactantes ou famílias enlutadas. A população acredita que é seu dever transmitir às novas gerações virtudes como bondade e polidez; habilidades como a da pescaria, a de fazer canoas e tecer redes; além do conhecimento de ervas medicinais.

Gerazeiros • Pequenos agricultores e coletores que vivem em áreas de cerrado de Minas Gerais, Goiás,Tocantins, Bahia, Maranhão, Pará e São Paulo. A maioria deles perdeu terras na década de 1970, quando o reflorestamento para a indústria de papel e celulose forrou a região com vastas plantações de eucalipto.Agora começam a recuperar seu espaço. No assentamento Nossa Senhora Oliveira, no município de Riacho dos Machados (MG), 42 famílias produzem o suficiente para se manter e abastecer o mercado de Montes Claros. E foi ali que começou a funcionar, neste ano, a primeira escola gerazeira do país, que conta com o apoio de universidades mineiras e do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas para oferecer educação diferenciada à comunidade, mas ainda está pendente de reconhecimento governamental.

Pomeranos • Descendentes de tribos eslavas cujo território ficou dividido entre a Alemanha e a Polônia. Chegaram ao Brasil em meados do século XIX e desde então vivem em comunidades isoladas, principalmente no Espírito Santo. Falam idioma próprio, desenvolvem atividades agrícolas com técnicas tradicionais, e seu principal alimento é um pão - o brote - feito de inhame, batata-doce e milho. As famílias dividem o uso dos instrumentos de trabalho. Promovem mutirões para manutenção de estradas, construção de casas e igrejas e solução de outros problemas na infra-estrutura local.Ali, a população é de 120 mil pessoas. Mas também existem comunidades no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Quebradeiras de coco • São cerca de 400 mil pessoas, principalmente mulheres não proprietárias de terras, que vivem da coleta e do beneficiamento do babaçu no Maranhão, no Piauí, em Goiás e no Tocantins. Desde 1990, estão organizadas num movimento interestadual cuja principal vitória tem sido a aprovação, em diversos municípios, da Lei do Babaçu Livre, que proíbe derrubadas, queimadas e aplicação de agrotóxicos nas palmeiras, além de liberar o acesso aos babaçuais em terras públicas e privadas.

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Pesca tradicional em Pernambuco

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