2010 . Ano 7 . Edição 60 - 28/05/2010
Isabel Virginia de Alencar Pires
O atual debate sobre o desenvolvimento brasileiro passa, necessariamente, pela problemática da exclusão social, que é provocada por diversos fatores e manifesta-se sob variadas formas. Um exemplo de exclusão social é o caso das pessoas sem Registro Civil que, por não existirem "oficialmente", vivem à margem da cidadania, condenadas à exclusão dos serviços públicos de saúde e educação, e expostas a todo tipo de mazelas econômicas e sociais, gerando assim as chamadas "estatísticas invisíveis". A tarefa de sanar esse grave problema de exclusão social, que atinge parcela considerável da população, é tão imprescindível quanto urgente, para que se possa assegurar o pleno desenvolvimento econômico e social brasileiro.
A reflexão sobre a problemática da exclusão social não se restringe somente à área dos estudos econômicos e sociais. São vários os textos de literatura - essa "outra voz" da realidade social, como afirma o escritor mexicano Octavio Paz, ganhador do Nobel de literatura de 1990 - que também tratam da questão. Com rara sensibilidade, Lima Barreto abordou o problema da loucura - sem dúvida, uma forma desumana de exclusão social - no romance Triste fim de Policarpo Quaresma (1911), enquanto a questão racial - herança de um passado oligárquico e escravagista - foi trabalhada por ele em Clara dos Anjos (1920). No livro de contos Urupês (1918), Monteiro Lobato criou a figura emblemática do Jeca Tatu, símbolo de um Brasil atrasado e inculto, excluído da modernidade. Sinhá Vitória e Fabiano, de Graciliano Ramos, e os "severinos" de João Cabral de Melo Neto retratam o drama dos retirantes nordestinos, excluídos de sua terra natal pela seca que castiga o Nordeste brasileiro não apenas climaticamente, mas econômica, social e politicamente.
Durante o período do autoritarismo brasileiro, as peças de Chico Buarque e Paulo Pontes, os filmes de Glauber Rocha, as diversas revistas e pasquins retirados de circulação pela censura militar, as Faculdades de Filosofia e o movimento estudantil, ao mesmo tempo em que eram formas de resistência ao poder estabelecido pelas armas, também questionavam os valores de uma sociedade alicerçada sobre bases econômicas perversas, em que a alta concentração de renda provocava o aumento da exclusão social. Num contexto de forte censura aos meios de comunicação, surge, na década de 1970, a chamada "literatura-reportagem" que, desempenhando muitas vezes a função dos jornais, então censurados, torna-se porta-voz de denúncia social e política. Nos contos de Feliz Ano Novo (1975) e O cobrador (1979), Rubem Fonseca retratou o submundo do crime e da violência, em que os valores sociais são subvertidos a partir do ponto de vista dos excluídos e marginalizados - os "miseráveis sem dentes". Apesar de criticada por fugir aos parâmetros da "literaturareportagem" da época, Clarice Lispector expressou o problema da exclusão social em seu último livro, A hora da estrela (1977), com os personagens Macabéa e Olímpico de Jesus, "essas duas pessoas que por força das circunstâncias eram seres meio abstratos", e "eram de algum modo inocentes e pouca sombra faziam no chão" (LISPECTOR, in A hora da estrela).
O restabelecimento da democracia no País trouxe muitas mudanças. Embora a exclusão social ainda esteja longe de ser debelada, as políticas públicas de inclusão, impulsionadas pelo debate sobre o desenvolvimento, tiveram grande avanço ultimamente. A reflexão que aqui se propõe é a de que a literatura brasileira possa se tornar - a exemplo da obra de José de Alencar, no século XIX, considerada fundadora da ideia de nacionalidade brasileira, numa época em que o Brasil se emancipava de Portugal - a porta-voz de uma sociedade verdadeiramente emancipada, em que a exclusão social ceda lugar à igualdade de oportunidades, que só poder ser alcançada com a criação e implementação de condições favoráveis a um desenvolvimento econômico que leve em conta também a justiça social.
Isabel Virginia de Alencar Pires, é Bacharel em Sociologia pela UFMG, Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ e servidora da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do(Ipea).
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