2010 . Ano 7 . Edição 58 - 26/02/2010
Pedro Humberto Bruno de Carvalho Júnior
Atualmente tem-se um grande debate na mídia acerca da atualização da Planta Genérica de Valores (PGV) do município de São Paulo. Para quem não sabe, a PGV é um projeto de lei de iniciativa do Executivo municipal em que consta o valor do metro quadrado (m2) do terreno urbano de cada divisão fiscal do município, servindo de base para o cálculo do IPTU. Para se chegar ao valor de fato cobrado do imposto, além do valor do terreno urbano contido na PGV, soma-se o valor da parte edificada do imóvel, cujos critérios estão contidos em lei específica municipal, aplicam-se eventuais fatores de correção e chega-se ao valor venal. Após o cálculo do valor venal, pode haver ainda a concessão de descontos e em seguida aplica-se a alíquota. Essas alíquotas podem inclusive ser progressivas além de poder existir um limite de isenção.
Sabe-se que o IPTU é um tributo direto, real e visível não sendo vantajosa sua sonegação, já que isso impactaria no valor de mercado da própria propriedade. Por tributar o principal e mais concentrado ativo das famílias brasileiras - os imóveis urbanos - ocasiona distribuição de renda e conflitos distributivos. A intensa valorização dos terrenos urbanos nos últimos quatro anos foi ocasionada principalmente devido ao crescimento econômico, à explosão do crédito habitacional, à baixa tributação e aos menores riscos se comparados ao investimento em ativos financeiros. Com relação ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), um outro imposto direto como o IPTU, estudo recente do Ipea, aponta uma baixa alíquota efetiva do IRPF se comparado com outros países e um índice de evasão de 80% entre a classe de empregadores e trabalhadores por conta própria. Obviamente o IPTU pode contribuir efetivamente com a função distributiva, tributando àquele segmento da sociedade que consegue sonegar a renda.
Notícias do mercado imobiliário em 2009 mostram que o valor do m2 de várias áreas de Brasília aumentaram em mais de 100% nos últimos quatro anos. Porém o governo distrital, na última aprovação da PGV no final de 2007, estabeleceu como limite de aumento do imposto, um teto de 16,58% em relação aos valores venais praticados em 2005. Além da alta defasagem intensificada pelos limites de aumento dos valores venais, a alíquota do IPTU residencial de Brasília é baixíssima: 0,3% - a menor entre todas as grandes cidades brasileiras.
Na cidade de São Paulo a situação é diferente: por muitos anos a PGV paulistana esteve defasada, não refletindo a dinâmica da cidade, devido aos critérios de apuração de valor venal, fatores de correção e aplicação de descontos inseridos na lei. Com valores venais muito baixos, para não comprometer a arrecadação, para compensar foram introduzidas cinco alíquotas altas e progressivas do IPTU com valores entre 0,8% a 1,6%, e um amplo limite de isenção. Na prática, o alto limite de isenção aliado à defasagem no valor venal dos imóveis isentaram artificialmente quase um terço dos imóveis da cidade e a maior parte dos imóveis não isentos ficaram sujeitos apenas às duas menores alíquotas. No bojo desses problemas, em 2009, houve a aprovação na Câmara de Vereadores de São Paulo de uma nova PGV e como essa estrutura de altas alíquotas foi mantida com a reforma, para não elevar abruptamente a carga tributária, houve estabelecimento de um limite de aumento de valor venal de apenas 30% para residências e 45% para o comércio. Tal fato obviamente aumentou a iniqüidade entre as áreas que sofreram intensa valorização e as que se desvalorizaram no período. Na realidade o ideal seria que o valor venal refletisse exatamente o valor de mercado dos imóveis e que as prefeituras pudessem calibrar a carga tributária e a equidade com as alíquotas. Os vereadores e a prefeitura já estudam elevar os investimentos urbanos nas áreas onde houve um maior aumento tributário para reduzir a antipatia da medida.
No Rio de Janeiro a situação atual é parecida com São Paulo antes da reforma, a cidade possui alíquota única de 1,2% para residências, valores venais muito defasados (sobretudo para imóveis antigos, mesmo que localizados em áreas nobres), concessão de desconto de 40% no valor venal para a maior parte dos imóveis e amplas isenções. A PGV carioca não é atualizada desde 1997 mesmo com a cidade apresentando regiões de altíssima valorização imobiliária, alta desigualdade espacial e grande demanda por investimentos urbanos. Para se ter uma idéia dos descontos praticados, Rio de Janeiro e São Paulo oferecem descontos de 50% e 80% respectivamente no valor da parte edificada de residências com mais de 60 anos de construção.
O Iptu tem virtudes que vão muito além do campo fiscal. Sabe-se que é um imposto cidadão e um instrumento do contribuinte pleitear suas demandas como contrapartida ao seu pagamento. Isentar amplamente uma boa parte da população ou conceder descontos pode fazê-la sentir que ela não é legítima para reivindicar suas demandas, fazendo com que o investimento público seja encarado como um presente político para o eleitorado. Além disso, com uma PGV atualizada a valores de mercados, há maiores sinergias e menor possibilidade de fraude no Imposto de Renda, no Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e no Imposto Estadual sobre Heranças.
Pedro Humberto Bruno de Carvalho Júnior é técnico de planejamento e pesquisa do Ipea
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