2009 . Ano 7 . Edição 55 - 17/11/2009
Júlio César Roma e João Paulo Viana
O Brasil é reconhecido por especialistas como o País de maior biodiversidade do planeta. Estudo demandado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) indicou estarem presentes em nosso País pelo menos 13% de todas as espécies existentes no mundo. Porém, essa enorme biodiversidade vem sendo ameaçada de forma crescente, sobretudo devido a desmatamentos, que destroem habitats necessários à manutenção da fauna, da flora e dos microorganismos, além de alterarem, às vezes irremediavelmente, bens e serviços ambientais necessários à sobrevivência de populações humanas.
Um dos sete componentes da Política Nacional de Biodiversidade, cujos princípios e diretrizes foram instituídos pelo Decreto nº 4339/02, refere-se à conservação in situ e ex situ de variabilidade genética, de ecossistemas, incluindo os serviços ambientais, e de espécies, particularmente daquelas ameaçadas ou com potencial econômico. Isso se dá por meio da criação de Unidades de Conservação (UC), do controle e combate ao desmatamento ilegal e, mais recentemente, pela aplicação de medidas econômicas direcionadas a esse controle.
Nosso País apresenta atualmente um Sistema Nacional de Unidades de Conservação considerável: são mais de 1,4 milhão de km2, somadas apenas as UC federais e estaduais. Entretanto, 27% desse total referem-se a áreas de proteção ambiental, que, apesar do nome, em sua maioria não garantem uma proteção adequada aos ecossistemas e seus componentes. Além disso, a distribuição das UC pelos seis biomas continentais e pela zona costeira e marinha é bastante desigual. As UC federais e estaduais de proteção integral (destinadas à manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana) correspondem a 9,8% da Amazônia, mas a apenas 1,0% da caatinga, 2,9% do cerrado, 2,1% da Mata Atlântica, 1,1% do pampa, 2,3% do Pantanal e 0,1% da zona costeira e marinha, que engloba o mar territorial e a zona econômica exclusiva.
No caso do controle e combate ao desmatamento, até recentemente apenas a Amazônia Legal (que abrange, além do bioma amazônia, algumas áreas do bioma cerrado) e partes da Mata Atlântica eram objeto de um trabalho sistemático de monitoramento e de ações mais frequentes de fiscalização. Estes fatores, associados a medidas econômicas adotadas a partir de 2008 (restrição de acesso a créditos oficiais, embargo da produção obtida em áreas de desmatamentos ilegais), resultaram em uma diminuição de 53% nos desmatamentos amazônicos, de 27.772 km2 em 2004 para 12.911 km2 em 2008. Entretanto, os níveis continuam demasiadamente altos. A área desmatada em 2008, por exemplo, corresponde à perda de mais de duas vezes a área do Distrito Federal, ou metade do estado de Alagoas, em um único ano.
Em 2007, o MMA divulgou os resultados do mapeamento da cobertura vegetal dos biomas brasileiros (realizado a partir de imagens de satélite de 2002). Os resultados mostraram um quadro preocupante, com áreas já alteradas correspondendo a 71% da Mata Atlântica, 49% do pampa, 39% do cerrado, 36% da caatinga, 12% da Amazônia e 12% do Pantanal. Desde então, os desmatamentos avançaram. Há poucas semanas o MMA divulgou relatório sobre o desmatamento acumulado entre 2002 e 2008 no cerrado, que passou a ser monitorado a partir de 2009, juntamente com todos os demais biomas terrestres brasileiros. Em seis anos, o bioma perdeu quase 128.000 km2, o equivalente a mais de 6% de sua área, ou três vezes a área do estado do Rio de Janeiro. No mesmo período, a Amazônia Legal (que apresenta área 2,5 vezes maior) perdeu cerca de 111.000 km2, o que coloca o cerrado na indesejável posição de recordista do desmatamento, com impactos previsíveis (porém ainda não mensurados) sobre sua biodiversidade e serviços ambientais. As emissões de CO2 oriundas dos desmatamentos no cerrado já seriam equivalentes àquelas dos desmatamentos na Amazônia, o que torna o tema relevante também sob o aspecto do aquecimento global. Os dados para os demais biomas ainda não foram divulgados pelo MMA.
Outro aspecto que deve ser considerado em relação às UC é o dos benefícios econômicos que estas proporcionam, não apenas para populações locais, mas também para os setores produtivos. Embora algo ainda pouco investigado em nosso País, estudos internacionais como A Economia de Ecossistemas e da Biodiversidade, sob os auspícios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, fornecem evidências de que estes são significativos. Um exemplo é a pesca de hadoque nos Estados Unidos, onde 73% das capturas atuais são realizadas em distâncias inferiores a 5 km dos limites de áreas onde a pesca é restrita.
O desenvolvimento sustentável de nosso País requer, portanto, uma distribuição mais equitativa das áreas protegidas, bem como a extensão a todos os biomas brasileiros de ações de comando e controle eficientes e de mecanismos inovadores de combate aos desmatamentos ilegais (medidas econômicas, pactos com setores produtivos). Em benefício de nossa biodiversidade, economia e, em síntese, do povo brasileiro.
Júlio César Roma é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea João Paulo Viana é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea
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