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Habitação - Onde mora a violência

2006. Ano 3 . Edição 24 - 7/7/2006

A ausência de serviços públicos básicos, como educação, segurança, saneamento e saúde, estimulam a violência na periferia das metrópoles brasileiras, segundo um estudo do Ipea. Mobilizações populares provam que melhorando a qualidade de vida dos moradores é possível reduzir a criminalidade, ainda que os níveis de renda permaneçam os mesmos 

 

Por Ottoni Fernandes Jr

O senso comum costuma levar as pessoas a culpar a pobreza pela violência.Assim,Manari,no Polígono das Secas,em Pernambuco, que tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as cidades brasileiras, com renda per capita de apenas 30 reais mensais,deveria ser a campeã em crimes violentos.Mas o recorde não fica com a pacata cidade do sertão nordestino, com 13 mil habitantes, mas na periferia das grandes metrópoles brasileiras, onde são piores os serviços públicos, como educação, saúde, segurança e saneamento urbano." A pobreza da renda não serve como guia para o crime e a violência, pois um conjunto de fatores contribui para tornar os locais de moradias dos pobres das grandes cidades ambientes extremamente violentos", indica o estudo "Moradia precária e violência na cidade de São Paulo", publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em maio último.

A movimentação da comunidade por melhores serviços públicos contribuiu para diminuir drasticamente o número de assassinatos no Jardim Ângela

O trabalho, realizado por Rute Imanishi Rodrigues,mostra,com base no Censo de 2000,que "havia aproximadamente 1,2 milhão de pessoas vivendo em favelas e cerca de 1 milhão em loteamentos precários, correspondendo, respectivamente, a 11,1% e 10,2% da população total da cidade de São Paulo."O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000 classifica as favelas e os loteamentos clandestinos como habitações subnormais e mostra que em São Paulo apenas 50% dessas residências estavam conectadas à rede de esgotos ou tinham fossa séptica, enquanto a média para a cidade era de 91%. Somente 57% dos domicílios em condições subnormais estavam em ruas pavimentadas, comparado com uma média de 86%, e a iluminação pública só beneficiava 70% das morarias,para a média de 92%. Segundo o trabalho do Ipea,"a falta de serviços urbanos básicos, tais como saneamento,pavimentação e iluminação das ruas, aliada à condição de ilegalidade/ irregularidade das habitações, tende a acarretar graves déficits em outros serviços públicos,como os de educação, saúde, proteção e segurança".

Quando a segurança pública é ausente ou utiliza métodos ilegais e violentos, os grupos de extermínio e os justiceiros "substituemas funções de justiça e segurança que deveriam ser realizadas pelo Estado", aponta o trabalho do Ipea.Foi o que ocorreu na zona sul de São Paulo, na década de 1980, quando o ex-policial militar Cabo Bruno,pago por comerciantes locais,exercia o papel de "justiceiro"e foi responsável por cerca de 150 assassinatos, incluindo trabalhadores que nada tinham a ver com o crime, lembra o padre James Crowe, da Paróquia dos Santos Mártires, no Jardim Ângela,na capital paulista.

Exemplo

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O pároco, um irlandês que chegou ao Brasil no final de 1969,quando começava a escalada de violência da ditadura militar, foi um dos principais protagonistas de um caso exemplar de mobilização da comunidade para cobrar melhoria dos serviços públicos como forma de combater a criminalidade. Em 1996, a Organização das Nações Unidas para a Educação,Ciência e Cultura (Unesco, da sigla em inglês) considerou o Jardim Ângela, no sul da cidade de São Paulo,a região mais violenta do mundo.A taxa de homicídios era de 116 pessoas por 100 mil habitantes." Era pior do que em Cali,na Colômbia, e foi nessa época que comecei a questionar a situação,pois eu estava enterrando gente diariamente, celebrando missas de 7º dia, já que cerca de 60 pessoas eram assassinadas todos os meses. E não era esse o meu papel como religioso."O primeiro movimento foi organizar, em novembro de 1996, uma Caminhada pela Vida até o Cemitério São Luís,que reuniu 5 mil pessoas,protestando contra a violência e a ausência dos serviços públicos na região.Daí nasceu o Fórum em Defesa da Vida (FDV), que hoje congrega 200 entidades, cujos representantes se encontram, na primeira segunda-feira de cada mês,na Igreja de São Sebastião, da Paróquia dos Santos Mártires.Uma das formas de cobrança e de mobilização foi a realização de Tribunais Populares, com apoio de membros do Ministério Público estadual, em que eram encenados julgamentos, nos quais os diversos níveis de governo eram os réus, culpados pelo abandono da região. Uma das reivindicações era a proteção policial."Somente a Rota entrava pelas ruas esburacadas do bairro e quase sempre para pegar trabalhadores que voltavam para casa", recorda um jovem de 25 anos que participa de trabalhos comunitários no bairro, em referência à tropa das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, da Polícia Militar.

Entre os pedidos do FDV estava a construção de postos comunitários da Polícia Militar no bairro que tem atualmente 244 mil habitantes.A proposta, recorda o padre Crowe, era que cada policial permanecesse três anos na região,pois assim criaria laços com a comunidade e tomaria conhecimento da realidade local. A criação de uma polícia comunitária,sustenta o trabalho do Ipea,pode ser fundamental para a diminuição da criminalidade,citando como exemplo o caso de Diadema,município da Grande São Paulo, que conseguiu reduzir sua taxa de homicídio realizando profundas alterações na organização policial." Foi ampliado o efetivo da guarda civil em 70% para viabilizar um tipo de polícia comunitária - Anjos do Quarteirão -,que realiza o patrulhamento a pé,de moto ou bicicleta e é mais acessível e disponível no atendimento à comunidade", registra a autora.

Policiais

A pressão do FDV deu resultados e hoje existem cinco bases comunitárias da Polícia Militar no Jardim Ângela, com cerca de 110 policiais,além do contingente de um batalhão (cerca de 500 policiais) que atua em M'Boi Mirim, a subprefeitura da zona sul que engloba o Jardim Ângela e o Jardim Luís (237 mil habitantes). Mas o policiamento não era o único problema da região.O desemprego, a ausência do poder público e o tráfico de drogas estavam na origem da violência no bairro, diz o Padre Crowe, que chegou ao Jardim Ângela em 1987.A mobilização da comunidade local, de organizações não-governamentais (ONGs) e dos diversos níveis de governo, coordenada pelo FDV,não foi capaz de mudar a realidade econômica, mas teve sucesso no combate à criminalidade. O fechamento dos bares mais cedo graças a um acordo entre a PM e o Ministério Público, o aumento do policiamento e a iluminação das ruas contribuíram para a queda dos assassinatos e da violência em geral.

habitacao2_40Ataques de facções criminosas, em São Paulo, deixaram mais de uma centena de mortos em três dias

Cada nível de governo contribuiu com uma parte, sob forte pressão da comunidade. O número de beneficiados por programa de renda mínima aumentou,o sistema de transporte público foi aprimorado e ruas foram pavimentadas.A ocupação desordenada do bairro não deixou muito espaço para áreas de convivência, mas a ação da ONG paulistana Instituto Sou da Paz permitiu revitalizar uma praça abandonada.A taxa de homicídios por 100 mil habitantes,que chegou a 123 em 2001, caiu para 64 em 2004.Agora o padre Crowe já não oficia tantas missas pelas vítimas do crime e tem mais tempo para se dedicar às outras atividades paroquiais, como o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), que trata de crianças vítimas de abuso sexual, ou a de Casa de Sofia,que atende mulheres que sofreram abuso doméstico. Ele continua trabalhando no combate à violência, mas aquela que acontece dentro de casa, e não nas ruas do bairro.

 

 

Empregos

A mobilização da comunidade do Jardim Ângela acabou também trazendo benefícios econômicos.Quando a região ostentava terríveis recordes de assassinatos, as grandes cadeias de varejistas voltadas para o segmento de consumo popular guardavam distância do bairro. Atualmente, quem passa pelo trecho da estrada do M'Boi Mirim, no centro do Jardim Ângela, a um quarteirão da Paróquia dos Santos Mártires, encontra um forte núcleo comercial,que inclui lojas das Casas Bahia,da Marabrás e da rede de supermercados Compre Bem. A chegada delas ajudou a diminuir as taxas de desemprego. Foi um avanço,mas a comunidade do Jardim Ângela continua mobilizada, em torno do FDV, para reclamar da violência policial que ainda ocorre, reivindicar mais verbas para as escolas ou para a rápida conclusão das obras do Hospital Público Municipal. Enfim, como atesta o trabalho do Ipea,"as desvantagens dos mais pobres só podem ser superadas com maior acesso a recursos como educação, saúde e segurança,que, em grande medida,dependem de condições adequadas de habitação e provisão de serviços urbanos básicos".

Praça da Paz

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O Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, foi implantado em terras dos índios guaianazes. Faz parte da subprefeitura de M'Boi Mirim ("rio das cobras pequenas", na língua tupi), uma região de chácaras, desmembradas na década de 1950 para abrigar gente que foi trabalhar nas indústrias implantadas na região de Santo Amaro. A ocupação foi desordenada e brotaram favelas e loteamentos clandestinos, muitas vezes na beira da represa de Guarapiranga, um dos principais mananciais de água que abastecem a metrópole paulistana.As casas formaram um denso aglomerado urbano, quase sem espaço para áreas públicas e locais de lazer para a população. Num canto do bairro, junto ao Parque Estadual que protege a represa, surgiu a Praça do Alto da Riviera, uma quadra de esportes com o piso rachado, cercada de mato e que mesmo assim servia para a recreação da moçada do Jardim Ângela.

Quando a comunidade começou a se organizar, no final dos anos 1990, e a cobrar os serviços públicos a que tinham direito, nasceu a reivindicação por espaços de lazer. O Instituto Sou da Paz, organização não-governamental paulistana que fazia parte do Fórum de Defesa da Vida, criado no Jardim Ângela para batalhar contra a violência e pelo acesso aos bens públicos, resolveu assumir a empreitada de revitalizar a praça decrépita e fazer dela um fator de mobilização, especialmente para os jovens do bairro. Era uma forma de prevenir a criminalidade e promover a cidadania, conta Marcus Góes, coordenador do projeto Pólos da Paz do instituto, que também reformou outra praça no bairro do Campo Limpo.

Conseguiram o financiamento com o Instituto Camargo Corrêa. Em setembro de 2003, puseram a mão na massa e trataram de mobilizar os mais jovens, atraindo-os para o desafio que envolvia não apenas a reforma física, mas o estímulo à participação, para ocupar o espaço de forma democrática e promover eventos esportivos e culturais. Deu certo.

Em maio deste ano, no Dia das Mães, foi apresentado um espetáculo de hip hop no palco construído na praça e 5 mil pessoas compareceram, conta a educadora Carolina Imura, do Instituto Sou da Paz, co-gestora do projeto de reforma das praças. A rapaziada do bairro pôs a mão na massa, ajudou a concretar e a pintar o piso e agora assumiu a coordenação das atividades. Caio Lima Alves, 19 anos, é responsável pela oficina de grafite e ensina outros colegas a pintar painéis em muros, o que pode garantir algum trabalho para decorar as paredes de lojas da região. Ícaro Augusto da Silva, de 19 anos, cuida da programação esportiva e já organizou um torneio de futebol de salão.Agora eles querem montar um calendário de competições, incluindo basquete e vôlei. O pessoal do Sou da Paz concluirá sua participação de três anos no projeto em setembro próximo e depois a praça ficará aos cuidados dos moradores. Silva garante que vão pressionar a subprefeitura de M'Boi Mirim para ajudar na manutenção, mas também pretende buscar patrocínios de empresas para manter os torneios esportivos.

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A mobilização para restaurar a praça serviu para fortalecer os laços entre os jovens do pedaço, conta Kleber Gomes, de 25 anos, e combater a violência."Aqui a gente procura evitar agressões verbais e tenta resolver tudo na conversa, mas a queda nos níveis de criminalidade no bairro também ajudou muito", explica ele, que tinha parado de estudar, mas com o apoio do Instituto Sou da Paz conseguiu uma bolsa e cursa Arquitetura na Universidade de Mogi das Cruzes. Silva também foi estimulado a continuar a estudar: vai prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para tentar se qualificar a uma vaga numa universidade particular por meio do programa Pro-Uni, do Ministério da Educação. Eles são testemunhas do valor da mobilização comunitária por melhores serviços públicos, que ainda estão em falta no Jardim Ângela, onde não existe qualquer tipo de curso profissionalizante para os jovens que terminam o ensino médio."Sem isso, fica difícil a gente batalhar um lugar no mercado", conclui Silva.

Saiba mais:

Instituto Sou da Paz:
www.soudapaz.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
www.ipea.gov.br

 
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