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O Brasil perante a desaceleração da China

2015 . Ano 12 . Edição 86 - 28/03/2016

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Há importantes mudanças ocorrendo na economia do país asiático. O padrão de desenvolvimento baseado em câmbio desvalorizado, mão de obra barata, produtos de baixa tecnologia e incentivos estatais está ficando para trás. Em seu lugar entram inovação tecnológica, exportações de alto valor agregado, aumento do consumo interno e maior protagonismo do setor privado. Isso implica taxas de crescimento menores e fortes abalos na economia mundial

Igor Fuser – São Paulo

Quando o Tio Sam fica resfriado, o Brasil espirra. Durante mais de um século, essa imagem definiu a situação subalterna da nossa economia em relação ao mercado e aos investimentos estadunidenses. Agora, a irreverente representação gráfica sobre a dependência brasileira talvez possa ser substituída por outra, mais atual. A julgar pelos acontecimentos de 2015, podemos dizer que, se a China é picada por uma pulga, a coceira é sentida em Brasília.

Na atualidade, quem quiser arriscar qualquer previsão sobre o futuro da economia brasileira terá de olhar, também, para os indicadores da Bolsa de Xangai, para as diretrizes mais recentes do Partido Comunista da China e para estatísticas de aparência exótica, pelos padrões de outrora, como a evolução dos percentuais de consumo e investimento no PIB chinês. Essa situação inédita foi a que vivemos no ano passado, diante do estouro da bolha no mercado acionário chinês e da previsão de queda do crescimento econômico do país, estimada para 6,9%, em 2015 – a menor nas duas últimas décadas. Em 2011, essa taxa foi de 9,3% e, em 2013, de 7,7%.

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RECUO NAS EXPORTAÇÕES

A desaceleração chinesa teve um forte impacto sobre a economia brasileira. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) sobre o período de janeiro a julho de 2015 apontam um recuo de 22,6% na receita com as exportações brasileiras para a China, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em números absolutos, isso significou uma queda de US$ 23,880 bilhões para US$ 18,475 bilhões. Os produtos mais afetados foram o minério de ferro e a soja, os principais itens na pauta brasileira de exportações, duplamente tocados pela retração no mercado chinês. Primeiro, pela redução nas vendas. Segundo, pela queda no valor das exportações. Como a China é a maior importadora global de produtos básicos (commodities), qualquer sinalização de queda nos seus índices de crescimento se transmite fortemente para os preços. No primeiro semestre do ano passado, o preço médio da soja caiu 23,5%, enquanto o do minério de ferro despencou 52,3%.

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O efeito devastador das oscilações nas trocas com a China tem que ver com mudanças estruturais do comércio exterior brasileiro, ocorridas principalmente na década passada. Um estudo de três técnicos de Planejamento e Pesquisa do Ipea – Luciana Acioly, Eduardo Costa Pinto e Marcos Antonio Macedo Cintra –, publicado no livro A China na Nova Configuração Global: Impactos Político-Econômicos, assinala que, entre 2000 e 2010, as exportações do Brasil para a China se elevaram de US$ 1,1 bilhão (2% das exportações brasileiras) para US$ 30,8 bilhões (15% do total). No mesmo período, as importações brasileiras da China cresceram de US$ 1,2 bilhão (2% do total) para US$ 25,6 bilhões (14% do total). Essa relação se intensificou na presente década a tal ponto que, em 2014, o mercado chinês passou a absorver quase um quarto do total das exportações brasileiras.

Por um lado, a intensificação das trocas com a China trouxe saldo positivo para a balança comercial brasileira. No ano de 2011, por exemplo, as vendas para a China foram responsáveis por cerca de 40% do superávit do comércio exterior do Brasil. Por outro lado, essa relação reforçou a tendência de mudança na composição da pauta comercial, com o avanço proporcional das exportações brasileiras de produtos primários e das importações de bens de maior valor agregado. O referido estudo do Ipea mostra que, em 2000, cerca de 50% do total das exportações brasileiras eram de produtos primários e de manufaturas intensivas em recursos naturais, enquanto os produtos com incorporação de tecnologia representavam 41%. Em 2009, os produtos ligados mais diretamente ao setor primário (agricultura, minérios e energia) já respondiam por quase dois terços das exportações brasileiras, enquanto os produtos de alta, média e baixa tecnologia responderam conjuntamente por 32,7%, segundo a pesquisa.

O forte intercâmbio com a China não foi o único fator a estimular a primarização do comércio exterior, mas, sem dúvida, teve um efeito considerável sobre esse fenômeno de conseqüências regressivas para a economia brasileira no seu conjunto.

“Pode‑se afirmar que, ao longo de dez anos, para cada dólar que o Brasil adquire de suas exportações para a China, US$ 0,87 vêm de produtos primários e de manufaturas intensivas em recursos naturais, US$ 0,07 dos produtos de média intensidade tecnológica e apenas 0,02% dos produtos de alta tecnologia”, revela o estudo de Acioly, Pinto e Cintra, do Ipea.

O livro A China na Nova Configuração Global: Impactos Político-Econômicos revela que, ao longo de 10 anos, para cada dólar que o Brasil adquire de suas exportações para a China, US$ 0,87 vêm de produtos primários e de manufaturas intensivas em recursos naturais, US$ 0,07 dos produtos de média intensidade tecnológica e apenas 0,02% dos produtos de alta tecnologia.

EM BUSCA DE UM POUSO SUAVE

Em um quadro de tamanha dependência brasileira do comércio com a China, era evidente que qualquer desaceleração por lá teria sérias consequências por aqui. O gigante asiático já deixou para trás as taxas de dois dígitos de crescimento anual do PIB. Essa mudança faz parte do esforço de sair de um modelo de desenvolvimento baseado na mão de obra barata, em produtos de baixa tecnologia e em fortes investimentos estatais – um padrão que consideram esgotado – para abraçar um novo modelo, com foco na inovação tecnológica, exportações de alto valor agregado, no aumento do consumo interno e maior protagonismo do setor privado. Uma queda moderada nos índices de crescimento se inclui entre os objetivos dessa transição, na expectativa de realizar o que os economistas chamam de “aterrissagem suave”.

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Ainda assim, a divulgação de uma taxa de crescimento levemente inferior aos 7% previstos provocou uma onda de preocupação entre os investidores internacionais. O problema não é o 0,1% a menos. O temor é que o governo chinês não consiga gerenciar com precisão o desempenho da economia. Nesse caso, ocorreria o temido “pouso forçado”, situação em que as taxas de crescimento cairiam para menos de 5% ao ano. No plano doméstico, o impacto social e político seria desastroso, já que a China, por não contar com um sistema de proteção social desenvolvido, é uma sociedade despreparada para lidar com desemprego. É necessário criar, a cada ano, 10 milhões de novos postos de trabalho urbanos para absorver a população que migra do campo para a cidade. Não se pode permitir o luxo de parar de crescer, sob pena de comprometer a legitimidade do poder político do Partido Comunista.

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No plano externo, uma queda abrupta da economia chinesa teria igualmente efeitos catastróficos, dado o papel da China como maior exportador mundial de mercadorias e segundo maior importador (atrás apenas dos EUA). Uma economia chinesa mais fraca significa a retração na demanda por matérias-primas no mercado de commodities, afetando empresas e países no mundo inteiro. O primeiro sinal de alerta veio em junho do ano passado, quando o estouro da bolha especulativa nas bolsas de Xangai e Shenzhen fez evaporar, em menos de um mês, cerca de 30% do valor das ações, em um prejuízo de US$ 3,5 trilhões. O governo agiu depressa para conter a sangria e o desastre teve impacto limitado, uma vez que apenas uma pequena parcela da economia chinesa está vinculada ao mercado de ações.

LUZ AMARELA

Mas o incidente com as bolsas acendeu uma luz amarela sobre as perspectivas da China. Os receios se agravaram logo depois que, em agosto, o Banco Popular da China (isto é, o banco central) iniciou um processo de desvalorização da moeda chinesa que se prolongou por três dias. A cotação do yuan caiu 3%, gerando o temor de uma “guerra cambial”, situação em que países desvalorizam suas moedas para ganhar vantagem competitiva para as exportações. Finalmente, em outubro, veio o anúncio decepcionante de “apenas” 6,9% de crescimento nos nove primeiros meses do ano, em comparação com o mesmo período em 2014. O resultado levou a maioria dos analistas a preverem um ritmo de crescimento ainda mais modesto em 2016 – algo entre 5,8% e 6,8%. A liderança chinesa insiste que uma taxa de expansão de 6,5% nos próximos cinco anos será suficiente para criar uma “sociedade de prosperidade moderada”, elevando o nível de vida da maioria da sua população.

TRANSFORMAÇÕES ACELERADAS

As dúvidas sobre o futuro da economia chinesa ocorrem no período delicado em que o país busca corrigir o rumo do seu desenvolvimento após mais de três décadas de expansão acelerada, praticamente sem abalos nem interrupções. No período iniciado com as famosas “quatro grandes modernizações” (da indústria, agricultura, tecnologia e defesa), sob a liderança de Deng Xiaoping (1979-1982), o PIB chinês saltou de US$ 214 bilhões (em 1978) para US$ 11,2 trilhões (em 2014). Nesse processo de mudança estrutural sem paralelo na história do século XX, a China retirou 600 milhões de pessoas da miséria e criou uma imensa classe média, ao mesmo tempo em que impulsionou um fenômeno de urbanização sem precedentes, com a maciça migração de trabalhadores e suas famílias para as cidades. Tornou-se a nova “fábrica do mundo”, a exemplo do que foi a Inglaterra no auge da Revolução Industrial.

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DESEQUILÍBRIOS DO SUCESSO

Era inevitável que essa vertiginosa expansão econômica fosse acompanhada por contradições e desequilíbrios de todos os tipos. Há muito tempo os chineses reconhecem que seria insustentável continuar crescendo em ritmo tão rápido de modo indefinido. Já em 2007, um ano antes da eclosão da crise econômica global, o então primeiro‑ministro Wen Jiabao deu uma entrevista coletiva, durante a sessão plenária anual do Congresso Nacional do Povo, em que caracterizou o caminho de desenvolvimento seguido pela China de “instável, desequilibrado, descoordenado e insustentável”.

Mais do que os graves danos ao meio ambiente causados pelo uso predatório dos recursos naturais por mais de três décadas, o que torna o modelo chinês de expansão econômica insustentável no longo prazo é o crescente desequilíbrio entre o superinvestimento e o subconsumo. Como explica o economista Michel Aglietta, professor na Universidade de Paris, em artigo publicado no Le Monde Diplomatique, “a China utilizou ao máximo seu principal trunfo: uma mão de obra pouco qualificada, jovem e abundante no campo, que podia ser transferida a baixo custo para as cidades e não contava com serviços sociais básicos”. Foi necessário investir também em infraestrutura para garantir o desenvolvimento rápido. “Assim se deu uma acumulação excessiva de capital, sobretudo na indústria pesada”, aponta Aglietta.

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Um sintoma desse desequilíbrio é o fato de que a China, apesar de já disputar com os EUA o primeiro lugar entre as maiores economias do mundo, ocupa a 101ª posição no ranking dos países, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Essa defasagem, evidentemente, tem que ver com o autoritarismo do regime político, que garantiu o arrocho salarial, concentrou a renda em benefício dos empresários nacionais e estrangeiros e fez com que os padrões gerais de consumo não acompanhassem o ritmo do desenvolvimento industrial.

O economista Ho-fung Hung, professor na Universidade de Indiana (nos EUA), faz uma interessante comparação entre os indicadores sociais da China e os dos chamados Tigres Asiáticos durante o período de crescimento econômico acelerado. No seu livro China and the Transformation of Global Capitalism, ele mostra que, no auge da sua arrancada para o desenvolvimento, nas décadas de 1960 e 1970, tanto a Coreia do Sul quanto Taiwan eram sociedades modestamente igualitárias, com coeficientes de Gini (a taxa que mede a desigualdade social) na faixa de 0.3 a 0.4. Naquela época, ambos os países viviam sob ditaduras, mas o contexto geopolítico da Guerra Fria levava os seus governantes a impulsionar avanços sociais que qualificassem aquelas sociedades como vitrines do capitalismo.

rd86rep06img008DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

Na China, ao contrário, o índice de Gini subiu de 0.33 em 1980 para mais de 0.45 hoje. A distribuição de renda cada vez mais desigual limitou a expansão do mercado de consumo de massa. Dados do Banco Mundial citados por Hung sugerem que a parcela da renda salarial no PIB chinês declinou de 53%, em1998, para 41,4%, em 2005, e que “o papel decrescente dos salários e da renda doméstica na economia é o fator chave para a parcela declinante do consumo no PIB”. O crescimento do consumo na China está longe da estagnação, admite Hung, mas não tem acompanhado o exuberante crescimento do investimento. E a defasagem consumo-investimento tem se ampliado cada vez mais rápido desde 1989, o ano em que Deng – após a sangrenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial, em Beijing – radicalizou a opção pelo desenvolvimento chinês com base no mercado capitalista.

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INVESTIMENTOS PÚBLICOS

Em meados da década passada, a administração liderada pelo primeiro-ministro Wen Jiabao e pelo presidente Hu Jintao abordou, pela primeira vez, as distorções do modelo chinês presentes não apenas no abismo cada vez maior entre ricos e pobres, mas também na defasagem crescente entre a pujança econômica das regiões litorâneas do leste do país – beneficiadas pelo afluxo maciço de capital estrangeiro – e o interior, relativamente atrasado. Em resposta a esse desequilíbrio, o Estado ampliou os subsídios, estancou a privatização de empresas públicas e reforçou as políticas sociais, juntamente com a adoção de projetos localizados de desenvolvimento na fronteira oeste, reduto de uma população islâmica temida pelo seu potencial separatista. Mas veio a crise econômica mundial e inviabilizou a adoção de reformas mais profundas.

Divulgação
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Para evitar que o crescimento fosse afetado pela queda das exportações, a partir de 2008 o governo chinês intensificou os investimentos em infraestrutura, com a construção de rodovias, ferrovias, edifícios e obras públicas de todo tipo. A expansão econômica se manteve firme, mas ao preço do agravamento de todas as contradições do modelo chinês. As baixas taxas de juros foram utilizadas como alavanca para investimentos públicos e privados, gerando um problema que, curiosamente, é o oposto do que se verifica no Brasil, onde o crédito a juros exorbitantes se mostra um obstáculo intransponível a qualquer avanço econômico e social sustentável. Para a maioria dos chineses, a falta de uma rede de proteção social sólida, capaz de assegurar o acesso a bens públicos como saúde, educação e previdência, faz com que uma fatia considerável da renda – que, em outras circunstâncias, poderia impulsionar o consumo – tenha como destino algum tipo de investimento pessoal com a finalidade de proporcionar uma garantia para o futuro.

MERCADO E ESTADO

Sem acesso a aplicações financeiras rentáveis, milhões de pequenos poupadores investiram no mercado imobiliário desde o fim da última década, numa febre especulativa que resultou em verdadeiras cidades fantasmas, repletas de moradias e escritórios desocupados. Quando a bolha dos imóveis já estava a ponto de estourar, as autoridades induziram os poupadores a investirem no mercado de ações até o previsível colapso do ano passado. O setor de construção civil, que já respondeu por 15% do crescimento econômico, encontra-se atualmente em pleno recuo. As dívidas dos bancos públicos e dos governos locais dispararam, com empréstimos a empresas sem as garantias necessárias.

Renato Lobo
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A nova geração de dirigentes,liderada pelo presidente Xi Jinping e pelo primeiro-ministro Li Keqiang, assumiu as rédeas do país, em 2012, com a firme disposição de corrigir o rumo da economia, em direção a um modelo de crescimento mais sustentável – mesmo que essa transição implique tirar o pé do acelerador da economia. No ano seguinte, as autoridades traçaram um roteiro ambicioso para a reforma econômica. Decidiram reforçar o papel do mercado na alocação dos recursos do país, sem abrir mão da liderança do Estado nas questões econômicas.

“Paulatinamente, a China vem se afastando do paradigma de país cuja produção para exportação tem como base o tripé câmbio desvalorizado, mão de obra barata e subsídio estatal para aproximar-se de um paradigma mais próximo de economias dinâmicas, com ganhos crescentes de produtividade, logística eficiente, desburocratização e diminuição da complexidade de procedimentos tributários e pesados investimentos em inovação”, avalia o economista Ricardo Bacelette, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, especializado em China, em entrevista na qual antecipa algumas das conclusões da pesquisa que ele deverá publicar em breve por este Instituto. “Em números absolutos, a China já ultrapassou países como a Coreia do Sul em patentes”, exemplifica.

Como símbolo dessa nova fase, o presidente Xi Jinping cunhou uma nova expressão, “o sonho chinês”, enfatizando a ideia de uma síntese entre duas aspirações coletivas: a felicidade pessoal e a ascensão da China ao primeiro plano do poder mundial. Entre outros avanços chineses, destaca‑se a decisão do Fundo Monetário Internacional (FMI), em novembro de 2015, de incluir o yuan em sua cesta de moedas de reservas. A partir de 1º de outubro, a moeda chinesa se juntará às demais que fazem parte da cesta de reservas – o dólar, o euro, a libra e o ien. A medida é interpretada como um respaldo do FMI às reformas estruturais na China e como um reconhecimento do papel de liderança que o país deverá assumir, cada vez mais, no sistema financeiro global.

Outra proeza da China foi a criação de uma nova instituição financeira global, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), com sede em Beijing. O BAII é encarado como um potencial rival de instituições dominadas por interesses ocidentais, como o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento, o que não impediu a adesão de países como a Alemanha e a Grã-Bretanha, atropelando a oposição de Washington.

AUTONOMIA PERANTE OS EUA

Com iniciativas tais como a construção de uma “Nova Rota da Seda” – um corredor comercial terrestre ligando o oeste da China ao mercado europeu –, o fortalecimento da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), como instrumento da projeção da influência chinesa na Eurásia e acordos para importação de altos volumes de petróleo e gás natural da Rússia, a China se mostra cada vez mais assertiva e autônoma perante o campo geopolítico liderado pelos EUA. Em paralelo, as autoridades de Beijing se movem no cenário financeiro para reduzir a dependência da China em relação ao dólar, como assinala Bacelette: “Prova disso são as operações de swap cambial com diversos países emergentes e o estabelecimento de sistemas de pagamento de transações internacionais com muitos países asiáticos e até latino-americanos em moeda chinesa. Há uma clara intenção de internacionalizar o yuan, mas não sabemos ainda qual será a amplitude e o grau de sucesso.”

IMPACTOS EXTERNOS

Nada disso, porém, indica um afastamento dos EUA no plano econômico ou uma eventual tentativa chinesa de eliminar a forte simbiose existente entre as duas maiores economias do planeta. “O governo de Beijing sabe que não pode prescindir dos investimentos estadunidenses, bem como da demanda daquele país para suas exportações, que são fartamente recompensadas com o financiamento da dívida externa americana por meio da compra de títulos pelos chineses”, analisa Bacelette.

Diulgação
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Praça da Paz Celestial em Beijing, China

Até agora o esforço por uma “nova normalidade”, como a cúpula dirigente chinesa define a meta das reformas estruturais, vem dando bons resultados. A contribuição do setor de consumo para o crescimento do PIB ultrapassa a do investimento. De acordo com dados citados por Michel Aglietta, a fatia do consumo (considerando que o crescimento do PIB em cada ano inclui ainda as contribuições dos investimentos e das exportações) vem crescendo nos últimos três anos, enquanto a participação do investi‑mento diminui. Em 2012, o consumo respondeu por um crescimento de 4% no PIB, em uma taxa de crescimento de 7,8%. Em 2014, essa participação foi de 5,6% sobre um aumento de 7,3% no PIB. Em uma evolução paralela, o setor de serviços ultrapassou a indústria e se tornou dominante, com 46,1% contra 43,9% da indústria, enquanto a agricultura continua a recuar em sua proporção no conjunto da economia.

Em resumo, trata-se de uma transformação econômica de dimensões colossais, com impacto sobre o mundo inteiro. A desaceleração na China trará efeitos negativos sobre as economias que dependem fortemente das exportações para aquele país, como o Brasil. Ao mesmo tempo, a transição chinesa já está criando oportunidades de desenvolvimento industrial em outras partes do mundo, como a África. Com a mudança no perfil da indústria chinesa, que deixa de recorrer ao baixo custo da força de trabalho como uma vantagem comparativa, diversos países africanos têm recebido aportes crescentes de investimento externo direto. É o caso da Etiópia, onde se instalaram, nos últimos anos, diversas empresas internacionais do setor têxtil que antes tinham suas plantas na China.

RISCOS E CHANCES DO BRASIL

No que diz respeito ao Brasil, as perdas inevitáveis – como, por exemplo, a queda nas exportações de minério de ferro – podem ser compensadas ou até superadas em outras áreas. Devagar ou depressa, a China seguirá crescendo mais do que qualquer outra grande economia industrializada. Qualquer que seja a sua orientação econômica, continuará também a depender fortemente da importação de alimentos e de energia. Nesses dois setores, o Brasil desfruta de uma posição privilegiada, quer seja pela abundância de recursos naturais, como o petróleo, quer seja pela ampla disponibilidade de terras férteis e de água, fatores de produção notoriamente escassos no território chinês.

Ricardo Bacelette enfatiza as oportunidades que podem surgir a partir do fenômeno da migração interna, do campo para cidade, que envolve atualmente cerca de 20 milhões de chineses por ano. De acordo com o pesquisador, o aumento da população urbana traz consigo uma ampliação dos benefícios sociais e dos direitos trabalhistas, juntamente com a melhoria dos padrões salariais.“Estima-se que, no breve espaço de cinco anos, entre 90 milhões e 100 milhões de chineses ascendam socialmente, o que trará ônus e bônus”, afirma Bacelette. “Entre os custos mais evidentes estão os impactos no sistema previdenciário e nos custos laborais das empresas. Porém, no longo prazo, isso trará a incorporação de uma grande massa de pessoas que irá robustecer o mercado consumidor”.

NOVOS CONSUMIDORES

A necessidade de atender esses novos consumidores, sem dúvida, irá favorecer o interesse chinês por importações brasileiras e por investimentos no nosso país.

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O desafio dos atores públicos e privados envolvidos, tanto no Brasil como no contexto mais amplo do Mercosul, é o de reposicionar-se em face do novo perfil econômico chinês. Na avaliação de Wladimir Pomar, escritor e consultor empresarial especializado em China, “a mudança no modelo econômico chinês pode ser ótima para nós se o Brasil tiver uma política clara de desenvolvimento industrial e de regulação dos investimentos estrangeiros voltados para tal desenvolvimento, inclusive chineses. Ou pode ser muito ruim se não tivermos tal política, como vem ocorrendo até agora.”

Esse ponto de vista coincide com as conclusões de um importante estudo publicado pelo Ipea, intitulado Transformações Recentes da Economia Chinesa: impacto sobre suas relações comerciais com a América Latina. Os autores do trabalho – os economistas Marta Bekerman, Federico Dulcich e Nicolás Moncaut, todos eles pesquisadores da Faculdade de Economia da Universidade de Buenos Aires – enfatizam o impacto que a nova estratégia chinesa terá sobre os padrões de especialização dos países da América Latina, em especial o Brasil e a Argentina. Ao final, fazem um apelo ao debate sobre a elaboração de “uma nova estratégia de caráter ativo frente à nova realidade que as economias da região enfrentam”, de modo a consolidar estruturas econômicas com “uma participação crescente de setores com maior valor agregado e conteúdo tecnológico”.

Na ausência dessa redefinição, adverte Pomar, “os chineses vão investir no que lhes interessa, podendo ou não coincidir com os nossos, por melhores que sejam suas intenções. Embora para eles seja importante que o Brasil se torne uma potência econômica, capaz de ampliar a multipolaridade no sistema internacional, eles não têm claro, e isto não é tarefa deles, onde o Brasil necessita de investimentos para reerguer sua estrutura industrial”.

Trata-se, portanto, para o Brasil e os demais países do Mercosul de aprender com o exemplo chinês e definir, com autonomia, os próprios interesses e estratégias num cenário internacional marcado pela vertiginosa transformação.

 
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