Artigo

O que sabemos sobre a efetividade dos incentivos fiscais para P&D da Lei do Bem?

Estudos ajudam a avaliar e diferenciar incentivos ao investimento privado em pesquisa e desenvolvimento

Fernanda De Negri

Incentivos fiscais são amplamente adotados em muitos países como forma de promover os investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de 46 países adotam essas políticas, entre eles: EUA, Austrália, China, Chile, praticamente todos os membros da União Europeia, Coréia, Rússia, Reino Unido, México, Canadá, Nova Zelândia e Brasil.

Bloom, Van Reenen, e Williams (2019) fizeram uma síntese das evidências empíricas disponíveis sobre a eficácia de diversos tipos de política de suporte à pesquisa e desenvolvimento (P&D). Na avaliação dos autores, há, na literatura, muitos estudos de alta qualidade que tratam sobre os incentivos fiscais para P&D. Ademais, as evidências desses estudos demonstram que os incentivos fiscais possuem impactos positivos na capacidade inovativa.

No Brasil, incentivos fiscais para a P&D foram instituídos pela Lei 11.196 de 2005, também conhecida como Lei do Bem. O capítulo III da referida Lei criou uma série de mecanismos de redução fiscal para que as empresas localizadas no Brasil invistam em P&D, tanto diretamente quanto por meio da aquisição de P&D de outras instituições ou empresas. O principal deles consiste na possibilidade de reduzir, da base de cálculo do imposto de renda, todos os investimentos realizados em atividades de P&D que são classificados como despesa operacional.

O objetivo desse texto é fazer uma revisão dos estudos já realizados no país sobre a efetividade desses incentivos.  Afinal, eles têm funcionado?

Os impactos dos incentivos fiscais da Lei do Bem

Após 15 anos de vigência, ainda não são tão numerosos os estudos que visam avaliar a eficiência dos incentivos fiscais sobre os investimentos em inovação das empresas localizadas no Brasil.

Sabe-se que os investimentos empresariais em P&D cresceram nos últimos anos: no início dos anos 2000, antes da criação dos incentivos fiscais e de diversas outras políticas de suporte à inovação, eles representavam cerca de 0,5% do PIB. Esse montante cresceu para algo em torno de 0,6% do PIB em 2016.

No entanto, não se tem certeza ainda sobre a sustentabilidade desse crescimento: a última Pesquisa de Inovação (PINTEC) divulgada pelo IBGE, referente ao triênio 2015-2017 já aponta uma redução significativa nesses investimentos.

Ao todo, existem 12 estudos que avaliaram a Lei do Bem ao longo dos últimos anos, todos publicados depois de 2010. Boa parte desses trabalhos utilizaram dados da PINTEC para aferir quantitativamente os impactos da Lei. Embora a Lei tenha sido publicada em 2005 e a PINTEC seja realizada a cada três anos (2005, 2008, 2011, 2014 e 2017 são as mais recentes), sua divulgação tem uma defasagem de dois anos.

Assim, os primeiros resultados da Lei do Bem só puderam ser efetivamente mensurados em 2010, ano em que foi divulgada a PINTEC referente ao período 2006-2008, a primeira na qual se poderia aferir o impacto da Lei do Bem sobre a atividade inovativa das empresas.

A quantidade de estudos disponíveis avaliando a efetividade da Lei do Bem ainda é pequena. Estudo recente (Bin et al, 2019) procurou identificar todas as avaliações de políticas de CTI realizadas no Brasil como parte de uma iniciativa mundial de mapear esse tipo de avaliação. Nesse trabalho, foram identificados cerca de nove estudos sobre incentivos fiscais para P&D no Brasil, sendo quatro deles sobre a Lei do Bem.  

O número de estudos poderia ser significativamente maior se as informações sobre quais empresas receberam o benefício fossem adequadamente publicizadas no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações ou do Ministério da Economia, a exemplo do que já faz o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em relação a suas operações de crédito.

De modo geral, boa parte dos estudos utilizam o que é considerado o padrão-ouro das avaliações de efetividade das políticas públicas, qual seja: a comparação entre o desempenho das empresas beneficiárias com um grupo de controle de firmas que não usufruíram o benefício.

A lógica é simples. Compara-se empresas parecidas, sendo que um grupo teve acesso ao benefício fiscal e outro, não. Se o grupo das beneficiárias tiver um desempenho superior em termos da variável de desempenho a ser medida (P&D ou inovação, por exemplo) significa que a lei é efetiva.

Entre os 12 estudos disponíveis, cinco utilizam as melhores práticas internacionais para avaliar os efeitos da lei sobre o investimento em P&D ou sobre a inovação das empresas beneficiárias. Todos eles chegaram a mesma conclusão: os incentivos fiscais da Lei do Bem são efetivos em aumentar o investimento privado em P&D ou a inovação nas empresas beneficiárias.

Entre os estudos que estimam o percentual de aumento nos investimentos, o resultado menos expressivo foi que a Lei do Bem leva a um aumento de 7% nos investimentos das empresas (medidos pelo aumento no número de pesquisadores) e o melhor resultado apontou um aumento de 80% nos dispêndios em P&D.

Nenhum estudo concluiu que a Lei do Bem não era efetiva. Um deles (Santos et al., 2020) avaliou que a lei amplia as chances de uma empresa inovar, e outro (Zucoloto et al., 2017) encontrou impactos positivos, também, sobre a produtividade das beneficiárias.

Quadro 1. Impactos da Lei do Bem, segundo os diferentes estudos que utilizaram as melhores práticas internacionais para a avaliação de políticas públicas.

Quadro 1 imagem

Alguns estudos, embora também tenham encontrado resultados positivos, foram realizados a partir da análise de dados agregados sobre os investimentos em P&D na economia brasileira ou por meio de entrevistas com as empresas beneficiárias ou, ainda, foram realizados apenas com beneficiários da lei.

Essas não são, contudo, metodologias apropriadas para análises de efetividade da política.

No Brasil, os investimentos realizados sob a égide dos incentivos fiscais da Lei do Bem representam cerca de 36% do total do investimento em P&D no país, segundo Araújo, Rauen e Zucoloto (2016). Utilizando esse percentual e os impactos estimados da lei sobre o investimento em P&D das empresas beneficiárias, os autores estimaram que, se a lei fosse suspensa, ocasionaria uma redução de mais de R$1 bilhão nos investimentos em P&D no país em 2016.

Apenas dois estudos não encontraram impactos positivos sobre os investimentos em P&D, e ambos avaliam conjuntamente várias políticas de governo para a inovação. Rocha e Rauen (2018), por exemplo, avaliam, a partir de dados agregados, todas as políticas de desoneração em alguma medida voltadas à P&D, e concluem que o aumento dos benefícios fiscais não gerou mais inovação.

Contudo, não é possível estender essa análise à Lei do Bem, porque justamente os benefícios fiscais dessa lei não cresceram no período considerado pelos autores. As desonerações que cresceram naquele período foram as dirigidas ao setor automotivo e à Lei de Informática, o que provavelmente explica os resultados negativos obtidos, dado que os estudos disponíveis sobre a Lei de Informática (Salles Filho et al., 2012, por exemplo) não encontraram resultados positivos sobre os investimentos em P&D.

Outro estudo que buscou avaliar todo o conjunto de intervenções públicas para a inovação (crédito, subvenção, incentivos fiscais) foi o de Rocha (2015), que também não obteve resultados positivos. Por analisarem um conjunto amplo de políticas muito diversas, nenhum dos trabalhos mencionados pode ser considerado uma análise adequada para a Lei do Bem, especificamente. 

O quadro 2 dá mais detalhes sobre todos os doze estudos disponíveis no Brasil com o objetivo de analisar os resultados da Lei do Bem. O quadro aponta qual o objetivo do texto, a metodologia empregada e a variável de resultado observada pelos autores, entre outras características. Para acessar o Quadro 2, clique aqui.

Que conclusões se podem extrair sobre a efetividade da lei?

A análise dos estudos que já foram realizados sobre a efetividade da lei, especialmente aqueles que utilizam metodologias mais apropriadas para este tipo de avaliação, concluíram que a lei tem efeitos positivos sobre os investimentos privados em P&D e sobre a propensão a inovar das empresas beneficiárias.

Contudo, é sabido que os investimentos empresariais em P&D são resultado de uma  série de outros fatores macroeconômicos e estruturais da economia brasileira. O fraco desempenho do investimento em P&D observado na última PINTEC pode ser creditado a esses outros fatores.

No entanto, é certo também ser necessário que se façam mais avaliações sobre a efetividade da lei, a partir de recortes diversos (setoriais, tamanho da empresa, volume de investimento e dos incentivos recebidos, entre outros) a fim de que se possa aprimorar esse instrumento.   

Nesse momento, no qual se discute a pertinência de vários dos incentivos fiscais e no qual se pretende reduzir seu peso na arrecadação, é essencial que incentivos que funcionam não sejam descartados ou eliminados juntamente com aqueles que, eventualmente, não apresentem os resultados esperados.

 

Referências

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Salles Filho, S., G. Stefanuto, C. Mattos, C. Zeitoum, and F. Campos. 2012. “Avaliação de Impactos Da Lei de Informática: Uma Análise Da Política Industrial e de Incentivo à Inovação No Setor de TICs Brasileiro.” RBI-Revista Brasileira de Inovação 11: 191–218.

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