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As tecnologias da informação podem revolucionar o cuidado com a Saúde?

Novas tecnologias têm potencial para reduzir custos, ampliar acesso e melhorar serviços de saúde, mas requerem atuação ágil e eficiente dos governos em termos de regulação e infraestrutura

Fernanda De Negri

Muito provavelmente, os benefícios mais visíveis do avanço do conhecimento científico estejam na saúde. Uma pessoa nascida no final do século XVIII muito provavelmente morreria antes de completar 40 anos de idade. Alguém nascido hoje em um país desenvolvido deverá viver mais de 80 anos e, embora a desigualdade seja muita, mesmo nos países mais pobres da África subsaariana, a expectativa de vida, atualmente, é de mais de 50 anos.

A ciência e a tecnologia são os fatores-chave para explicar a redução da mortalidade por várias doenças, como as infecciosas, e o consequente aumento da longevidade dos seres humanos. Até o primeiro quarto do século passado, doenças como pneumonia, tuberculose e diarreia eram as principais causas de morte, responsáveis por quase 30% da mortalidade nos Estados Unidos. Nos anos 1900, as doenças infecciosas matavam entre setecentas e oitocentas a cada 100 mil pessoas, todos os anos. Foi a descoberta da penicilina a principal responsável pela queda na mortalidade por esse tipo de doença, que, atualmente, mata menos de cinquenta em cada 100 mil habitantes.

 

Principais desafios que precisam ser enfrentados pelos países na área da saúde, segundo os tomadores de decisão  (Em % dos respondentes)

figura 1Fonte: Economist Intelligence Unit.

Atualmente, o aumento da longevidade tem trazido outros problemas, tais como condições de saúde crônicas e mais complexas. Na medida em que a população envelhece e a demanda por melhores condições de vida continua a aumentar, os custos com a saúde crescem substancialmente. Entre 2000 e 2015, os gastos mundiais em saúde passaram de 8,6 para quase 10% do produto interno bruto (PIB) mundial. Nos países desenvolvidos, esse valor é ainda maior: nos Estados Unidos, por exemplo, chega a 17% do PIB.

De fato, tomadores de decisão entrevistados pela Unidade de Inteligência da revista The Economist em vários países revelaram que a questão que mais os preocupa (a 39% dos respondentes) em relação ao tema são os custos dos sistemas de saúde. A desigualdade do acesso aos serviços de saúde e o cuidado com os idosos aparecem em segundo e terceiro lugares,  a preocupar 29% e 23% dos respondentes, respectivamente.

As tecnologias da informação representam uma alternativa promissora para a redução dos custos, para a ampliação do acesso e para a melhoria dos serviços de saúde. As promessas são muitas, a ponto de a revista The Economist publicar, em fevereiro de 2018, um artigo afirmando que uma revolução na saúde está chegando. O uso de aplicativos de celulares e aparelhos para monitorar condições crônicas de saúde, como diabetes, e alertar os pacientes da necessidade de providências antes que a situação se torne emergencial são alguns dos exemplos mais simples de como essas tecnologias podem ser impactantes.

Cada vez mais os pacientes terão mais controle e conhecimento sobre sua própria saúde, o que tende a melhorar a prevenção de ocorrências agudas. Os aplicativos também podem estimular atitudes mais saudáveis, em termos de alimentação e de exercícios, atuando na prevenção de doenças e condições crônicas de saúde. Até mesmo como método contraceptivo, aplicativos de celular já estão sendo utilizados. Recentemente, as agências reguladoras europeias aprovaram um aplicativo para ser utilizado para esse fim, com um nível de confiança similar ao dos métodos contraceptivos tradicionais.

Muito mais promissoras, contudo, são as tecnologias que podem ser desenvolvidas a partir da enorme e crescente disponibilidade de informações sobre doenças e pacientes. O uso e o compartilhamento dos registros médicos dos pacientes são peças-chave para isso. O acesso total do paciente a esses registros e a possibilidade de compartilhá-los com os profissionais de sua confiança pode ser uma grande ferramenta para a redução nos custos dos cuidados com a saúde. Muitos dos gastos com saúde são ineficientes, derivados da escassez de informação e da repetição de exames desnecessários. O acesso e o compartilhamento dos registros médicos têm um enorme potencial de reduzir esses custos.

Em um prazo mais longo, o uso dos registros de saúde de milhões de pessoas para fins de pesquisa pode revolucionar nossa compreensão sobre as doenças e a forma como diagnosticamos uma série de problemas de saúde. Estima-se que cerca de 250 mil mortes por ano, nos Estados Unidos, são derivadas de erros médicos. O uso de ferramentas de inteligência artificial pode ajudar a estabelecer protocolos de atendimento mais consistentes e menos sujeitos a falhas. No futuro, a inteligência artificial pode, por exemplo, prover diagnósticos automáticos baseados nos sintomas informados, ou mensurados por aparelhos de monitoramento da saúde em tempo real.

Um exemplo de como a grande quantidade de dados disponíveis está sendo utilizada para o diagnóstico de doenças é uma empresa chamada Guardant Health, uma startup que está analisando uma grande quantidade de dados médicos a fim de desenvolver uma maneira de diagnosticar o câncer a partir de exames de sangue. Se bem-sucedida, a empresa pode reduzir os custos do diagnóstico da doença, demandando menor utilização de equipamentos de imagem, que possuem alto custo de utilização.

A medicina de precisão, personalizada para cada paciente em função de seu perfil genético, estilo de vida e indicadores de saúde, é outro ramo de avanço tecnológico que é possibilitado pela enorme disponibilidade de dados sobre pacientes e doenças. Todas essas rotas tecnológicas são disruptivas e encerram um potencial enorme de redução de custos e de aumento da eficiência na atenção à saúde, algo que é de interesse de toda a sociedade.

Não é difícil perceber, contudo, que a vantagem competitiva para inovar nesse mercado é o acesso à informação. Os registros médicos dos pacientes, tanto quanto as tecnologias para tratamento dos dados por meio de algoritmos ou modelos estatísticos, serão o grande diferencial competitivo de empresas que queiram inovar nessa área. Não é por acaso que as gigantes de tecnologia da informação, Apple e Google, estão entrando fortemente nesse mercado.

A Apple, por exemplo, está desenvolvendo um aplicativo chamado Health Records, cujo objetivo é facilitar o acesso do paciente ao conjunto dos seus registros médicos, provenientes dos mais diversos provedores de serviços, como exames de sangue, imagens, vacinas etc. A Google detém várias startups com foco na saúde, como a Alphabet, e uma empresa britânica, chamada DeepMind. Esta última, especializada em aprendizado de máquina, tem desenvolvido, por exemplo, algoritmos voltados à detecção precoce de problemas de visão que possam levar à cegueira. Além disso, em parceria com um grande hospital britânico, que compartilhou os registros médicos dos seus pacientes, desenvolveu um método para identificar pacientes com risco acentuado de falha renal.

Os potenciais e as promessas dessas novas tecnologias são gigantescos e podem ser extremamente benéficos para toda a sociedade. Dado isso, como os países poderiam estimular o surgimento e acelerar a difusão dessas tecnologias? Como fazer isso salvaguardando a privacidade dos pacientes e impedindo a concentração de informação e de conhecimento nas mãos de poucas empresas?

O setor de saúde é extremamente regulado. Então, o primeiro grande desafio é justamente o regulatório. Novos dispositivos de monitoramento de sinais vitais e da saúde dos pacientes, por exemplo, necessitam ser aprovados pelas agências reguladoras. Da mesma forma, novos medicamentos ou tratamentos personalizados. Como tornar essas agências ágeis e eficientes para fazer frente ao progresso acelerado das novas tecnologias é um desafio no mundo todo.

Outra questão crucial é a relação entre acesso à informação e privacidade, derivada da utilização massiva de registros médicos de pacientes, seja para pesquisa, seja para prescrições de tratamentos e procedimentos. Como possibilitar o avanço do conhecimento propiciado pelo uso desses dados ao mesmo tempo em que se garante a privacidade e o sigilo das informações individuais? Mais importante ainda, é preciso pensar em como garantir que a informação não fique concentrada em poucas empresas, o que reduziria a inovação no futuro.

Um desafio adicional, especialmente no caso dos países em desenvolvimento, é a infraestrutura para a coleta e o armazenamento de informações. O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, é o maior sistema público de saúde do mundo, e, por isso, uma fonte gigantesca de informações sobre saúde. No entanto, a implementação de prontuários eletrônicos esbarra em coisas simples, como a disponibilidade de infraestrutura básica na ponta: computadores, sistemas e acesso à banda larga.  

Todos esses são aspectos críticos em que a atuação ágil e eficiente dos governos pode significar a diferença entre ser ou não um player relevante nessa área, e entre colher ou não os benefícios das novas tecnologias.