Artigo

As empresas brasileiras são ecoinovadoras? O que as motiva?

Baseadas em quatro indicadores, as respostas a essas perguntas revelam um quadro preocupante

Pedro Miranda, Priscila Koeller, Maria Cecília Lustosa*

A importância da tecnologia para o desenvolvimento sustentável é algo reconhecido internacionalmente. O 6º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU (IPCC) reforçou mais uma vez o alerta sobre os avanços do processo de mudanças climáticas. O mesmo relatório voltou a assinalar a urgência de medidas para reversão dos efeitos cumulativos e nocivos da ação antropogênica sobre o meio ambiente. Novidade do documento de 2022, o relatório do III Grupo de Trabalho ressalta o papel das inovações como um dos elementos centrais para a reversão da degradação ambiental resultante da ação humana e, sobretudo, para a implementação de um modelo de desenvolvimento sustentável. Ainda que o relatório não traga uma discussão aprofundada sobre o termo ecoinovação, é possível fazer uma associação com a definição estabelecida pelo Projeto Measuring Eco-Innovation (MEI):

“(...) ecoinovação é a produção, assimilação ou utilização de um produto, processo produtivo, serviço ou gestão, ou método de negócio que é novo para a organização (que o desenvolve ou o adota) e que resulta, considerando seu ciclo de vida como um todo, na redução do risco ambiental, da poluição e de outros impactos negativos do uso de recursos (incluindo o uso de energia) em comparação com alternativas relevantes.”  (Kemp; Pearson, 2007, p. 7. Tradução dos autores).

Considerando esse cenário e tal definição, como está o desempenho do Brasil no que se refere a ecoinovações? Quais são os principais motivadores para a ecoinovação? As respostas para essas questões, de suma importância para elaboração e aprimoramento de políticas públicas, pressupõem a disponibilidade de métricas e indicadores para seu acompanhamento. No entanto, dado que não há um indicador único que retrate de forma completa todas as facetas da ecoinovação, três fontes de informação vêm sendo utilizadas na literatura e se complementam: as pesquisas de inovação, que no caso do Brasil possui ainda um módulo especial dedicado à sustentabilidade e inovação ambiental, os dados de certificação ambiental e as estatísticas de patentes.

Ecoinovação nas empresas brasileiras - principais estatísticas

Para o Brasil, a Pesquisa de Inovação (Pintec) dispõe de informações relativas: (i) às inovações organizacionais, em especial sobre a adoção de novas técnicas de gestão ambiental; e (ii) aos impactos da inovação (de produto e de processo), incluindo redução no consumo de matéria-prima, de energia e de água e do impacto ambiental.

A dimensão organizacional da ecoinovação pode ser ainda caracterizada pelas informações de certificação ambiental, em especial as famílias ISO 14000 e a ISO 50000. Mais especificamente, as normas ISO 14001 e ISO 50001, que impõem pré-requisitos aos sistemas de gestão ambiental e de energia, respectivamente, e que no Brasil, correspondem às  normas ABNT NBR ISO/IEC 14001  (Certificação de Sistema de Gestão Ambiental - SGA) e ABNT NBR ISO 50001 (Certificação de Sistema de Gestão da Energia).

As estatísticas de patentes contribuem para esse quadro apresentando dados mais detalhados especificamente sobre o desenvolvimento de novas tecnologias ambientais, identificadas com o auxílio do Inventário Verde da IPC da Organização Mundial de Propriedade Intelectual.[1] Utilizadas na literatura em trabalhos sobre atividades inventivas, pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovação, as estatísticas de patentes vêm sendo também empregadas em estudos sobre ecoinovação. Os registros de depósitos de patentes possuem um conjunto amplo de informações a respeito, entre outros, dos agentes envolvidos e da tecnologia a ser patenteada.

A partir dessas fontes, foram construídos quatro indicadores como proxies para analisar a atuação das empresas brasileiras no que se refere a realização de ecoinovação. Os dois primeiros se referem aos aspectos de gestão: gestão ambiental e certificação ambiental. Os dois outros indicadores estão relacionados à inovação em produto e/ou processo e se referem à redução do impacto ambiental e ao desenvolvimento de novas tecnologias ambientais. Os resultados encontrados revelam um quadro preocupante.

No período 2015-2017, o número proporcional de empresas que adotaram técnicas de gestão ambiental foi de 19%, menor que nos períodos anteriores, 2009-2011 e 2012-2014. Os dados de certificação ambiental reforçam esse resultado. No mesmo período, houve uma queda no número absoluto de certificados e a participação das certificações ambientais no total oscilou em nível abaixo daquele registrado em meados dos anos 2000, chegando apenas a 14,6% em 2017 (Tabela 1).

Quando consideradas as inovações em produto e processo de forma geral, observou-se uma mudança no perfil do investimento. A participação das empresas inovadoras que avaliam que suas inovações tiveram efeitos positivos significativos para o meio ambiente no total de empresas inovadoras atingiu 11,4%, número também inferior ao registrado nos períodos anteriores. Esse quadro se completa com a análise do desempenho ecoinovador de empresas brasileiras no desenvolvimento de novas tecnologias, medido pela participação média dos depósitos de patentes de tecnologias ambientais no total de depósitos realizados pelas empresas brasileiras. Embora esse indicador tenha crescido nos últimos anos, atingindo 13,5% em 2015-2017, a elevação não foi suficiente para compensar a queda verificada no início dos anos 2010 e recuperar a importância das tecnologias ambientais verificada no final dos anos 2000.

Quando observados de forma desagregada, os diferentes indicadores mostram elevada heterogeneidade entre as atividades econômicas. A tabela abaixo sintetiza os principais resultados, por atividade econômica. Em cada um dos indicadores considerados, estão apresentados os respectivos percentuais e sinalizadas as atividades econômicas que apresentaram tendência de crescimento entre os períodos 2009-2011 e 2015-2017 (seta para cima), quando a informação estava disponível, e aquelas cujos percentuais ficaram acima da média total (destaque em verde). Como um panorama síntese do cenário de ecoinovação, a última coluna da tabela destaca as atividades que apresentaram tendência de crescimento (Eco ↑) e percentuais acima da média total (Eco +) na maioria dos indicadores.

ARTIGO Ecoinovação Tabela 1

Não obstante as diferenças entre as atividades, poucas se sobressaíram como ecoinovadoras (Eco +). Entre as que se destacaram nesse sentido, estão “Coque, Petróleo e Biocombustíveis”, “Produtos químicos”, “Minerais não-metálicos”, e “Celulose e papel”, quatro atividades identificadas como grandes poluidoras, segundo a classificação da União Europeia para o ano de 2019[2]. Além disso, apenas uma se destacou pela tendência de crescimento (Eco ↑), “Produtos diversos”, atividade sem muito destaque nas emissões de gases de efeituo estufa. Esses resultados reforçam a importância de aprofundar, por meio de estudos setoriais, a investigação a respeito da ecoinovação, a fim de identificar espaços e lacunas para políticas públicas.

Uma das possíveis explicações para essas diferenças entre as atividades econômicas pode estar na regulamentação. A literatura destaca a importância das regulamentações ambientais e a busca pela redução de custos como motivadores de ecoinovações (PORTER; LINDE, 1995a e 1995b; LUSTOSA, 2002; HORBACH ET AL, 2012), assinalando diferenças setoriais importantes (HORBACH, 2006; SANTOS, 2016). No caso do Brasil, autores como Podcameni (2007), e Santos (2016) mostraram que a regulamentação é também um dos principais impulsionadores do processo de ecoinovação. Santos (2016) confirmou esse papel indutor e mostrou também que as empresas que se adequaram aos regulamentos tiveram probabilidade maior de realizar ecoinovações, em relação à probabilidade de realizarem inovações “convencionais”. E em geral, a regulamentação tem caraterísticas setoriais específicas, sendo algumas atividades mais reguladas do que outras. Por isso é importante observar também a avaliação das empresas quanto aos fatores motivadores da ecoinovação, como será abordado a seguir.

Motivadores da Ecoinovação

A pesquisa de inovação no Brasil permite ainda que se considere os fatores motivadores da ecoinovação a partir do módulo “Sustentabilidade e inovação ambiental” da Pintec 2017. Nesse módulo, a pesquisa identifica os fatores motivadores para “a decisão da empresa em introduzir inovações que gerassem benefícios ambientais”, no período de 2015 a 2017, elencando nove possíveis fatores.

Ainda que a pesquisa se refira a esse período específico, os números agregados[3] mostram que as empresas brasileiras não reconhecem os dois elementos destacados pela literatura – regulamentações ambientais e a busca pela redução de custos – como os principais motivadores. Entre as motivações apontadas pelas empresas inovadoras como relevantes para implementar ecoinovações no período, as normas ambientais existentes ou impostos incidentes sobre a contaminação (motivação citada por 46,1% das empresas inovadoras) e o os elevados custos de energia, água ou matérias-primas (49,5%) ocuparam a quarta e a terceira posições, respectivamente, atrás da reputação da empresa (59,4%) e de códigos de boas práticas ambientais no setor de atuação da empresa (54,3%), como mostra a tabela  2.

ARTIGO Ecoinovação Tabela 2

Os autores que estudam os determinantes das ecoinovações mostraram também que as atividades econômicas devem ser consideradas. A pesquisa sinaliza que há uma grande heterogeneidade entre as atividades no que se refere ao percentual de empresas que consideram importantes os fatores motivadores citados na tabela 2. Há diferenças não apenas entre os totais das indústrias extrativas e de transformação; eletricidade e gás; e serviços, como também para as atividades que compõem às indústrias de transformação. Nas indústrias de transformação, por exemplo, as normas ambientais existentes, quando comparadas aos demais fatores, assumem desde a primeira posição, como é o caso da Metalurgia, até a sexta posição, para Fabricação de produtos alimentícios e Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados.[4]

Em síntese, o desempenho ecoinovador das empresas brasileiras, as diferenças em relação ao que a literatura aponta como principais fatores motivadores das ecoinovações e a heterogeneidade entre as atividades econômicas sinalizam a necessidade de estudos mais aprofundados. Novas pesquisas que permitam aperfeiçoar as políticas públicas e alterar o cenário da ecoinovação no país são ainda mais importantes em face do atual cenário de mudanças climáticas e de urgência para adoção de modelos e práticas de desenvolvimento sustentável.

NOTAS

[1] Para um debate a respeito da utilização dessas fontes e suas limitações em análises sobre Ecoinovação, ver Miranda, Koeller e Lustosa, 2022.

[2] As estatísticas brasileiras de emissão de gases de efeito estufa por Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) não estão disponíveis, por isso as estatísticas da União Europeia foram utilizadas como uma aproximação. Mesmo assim, é importante sinalizar que não necessariamente as emissões por atividade econômica brasileiras irão coincidir com as emissões por atividades econômicas da União Europeia.

[3] Outros estudos são necessários para avaliar se há diferenças relacionadas ao porte das empresas.

[4] Ver https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/229-fatores-motivadores-da-inovacao-ambiental-nas-industrias-de-transformacao-dados-da-pintec-2017#_ftn3. Acesso em: 27 de novembro de 2020.

*AUTORES

Pedro Miranda é técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura (Diset) do Ipea.

Priscila Koeller é analista de planejamento e orçamento na Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura (Diset) do Ipea.

Maria Cecília Lustosa é professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (Profnit) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Os autores agradecem o apoio de Leonardo de Mello Szigethy de Jesus e assumem inteira responsabilidade sobre eventuais equívocos e omissões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EUROSTAT. Air emissions accounts by NACE Rev. 2 activity. Last update: 24-02-2020. Disponível em: <https://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=env_ac_ainah_r2&lang=en>. Acesso em: 27 FEV. 2020.

HORBACH, J. Determinants of Environmental Innovation - New Evidence from German Panel Data Sources. FEEM Working Paper No. 13, 2006.

HORBACH, J.; RAMMER, C.; RENNINGS, K. Determinants of eco-innovations by type of environmental impact - The role of regulatory push/pull, technology push and market pull. Ecological Economics, v. 78, p. 112–122, 2012.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2011. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2013.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2014. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2016.

IBGE. Pesquisa de Inovação 2017. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. 2020.

INPI. Base de Dados sobre Propriedade Intelectual – BADEPI. Versão 8.0.

ISO – International Organization for Standardization. The ISO Survey. 2019a.. Disponível em: <https://www.iso.org/the-iso-survey.html>. Acesso em: 25 nov. 2019.

_______. ISO Survey of certifications to management system standards - Full results. Genebra, 2019c. Disponível em: < https://isotc.iso.org/livelink/livelink?func=ll&objId=18808772&objAction=browse&viewType=1>. Acesso em: 25 nov. 2019.

KEMP, R.; PEARSON, P. (2007). Final report MEI project about measuring ecoinnovation. UM-MERIT. Maastricht. https://www.oecd.org/env/consumption-innovation/43960830.pdf. Acesso em: 26/05/2022.

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MIRANDA, P.; KOELLER, P.; LUSTOSA, M. As empresas brasileiras são ecoinovadoras? Discutindo métricas de Ecoinovação. (mimeo). 2022.

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PORTER, Michel E., LINDE, Class van der (1995a). Toward a new conception of the environment-competitiveness relationship. Journal of Economic Perspectives, v. 9, n. 4, p. 97-118.

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SANTOS, M. Inovação Ambiental: determinantes e impactos sobre a produtividade da indústria brasileira. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, Minas Gerais, Brasil, 2016.